Por que a solidariedade à Palestina é uma questão feminista?

No último dia 30 de março marcou a 48ª celebração do Dia da Terra da Palestina, criado em 1976 como um ato político, quando palestinos realizaram na cidade da Galileia, hoje território invadido por Israel, para protestar contra a expropriação de seus territórios. Em 2024 estamos vendo um massacre que tem dizimado homens, mulheres e crianças por parte do governo sionista de Israel, que tem violado o direito de existência deste povo. Em artigo que publicamos agora, listamos por que a solidariedade à Palestina deve ser uma causa feminista.

Foto e arte: Fran Ribeiro/SOS Corpo.

| Artigo de *Natália Cordeiro | Edição e revisão: Fran Ribeiro | Artes: Fran Ribeiro e Oyá Design |

A solidariedade à Palestina é uma questão feminista porque o feminismo é uma luta por libertação, por direitos, por justiça e por igualdade e se buscamos construir um feminismo radicalmente antissistêmico devemos garanti-los não só para as mulheres, mas para os povos oprimidos de todo o mundo. A luta pela libertação das mulheres supõe a libertação do patriarcado, do colonialismo, do racismo e do capitalismo, pois estes sistemas afetam desigualmente a vida das mulheres em sua diversidade. Assim como afetam a vida das populações negra, indígena, pobre, do sul global, não ocidental, das dissidências de gênero…

Enquanto feministas precisamos nos posicionar contra o genocídio do povo palestino que há décadas vem sendo cometido pelo Estado de Israel e que se intensificou nos últimos cinco meses. São bombardeios incessantes, ataques aéreos de rotina, assassinatos de pessoas de todas as idades, incluindo mulheres e crianças em suas casas e nas ruas, tortura nas prisões israelenses, estupros, violência reprodutiva, técnicas de difamação em Gaza, expropriação radical e contínua das terras e dos domicílios, separação forçada das famílias provocada pelo assassinato dos civis. Tudo isso faz com que os palestinos sejam forçados a viver em um estado de morte, ao mesmo tempo lenta e súbita que é justificada mundialmente a partir da sua desumanização. 

Na imprensa, as vítimas israelenses da guerra são pessoas de carne e osso. Aparecem em fotos sorrindo, dançando… amigos e parentes falam de seus sonhos brutalmente interrompidos. Sentimos empatia, nos entristecemos por elas. Já as vítimas palestinas são invisibilizadas. São números. No máximo, vemos fotos de Gaza destruída. Parece que não há sonhos que possam ser interrompidos ali. Não nos enganemos, o racismo tem um papel decisivo nesse processo. Essa não é a primeira vez que pessoas que tentam se livrar do jugo colonial são figuradas como animais pelos colonizadores. Esse enquadramento racista contemporâneo recapitula a oposição colonial entre os “civilizados” e os “animais”, que devem ser deslocados ou destruídos para preservar a “civilização”. 

O genocídio cometido por Israel que aqui denunciamos se baseia na doutrina sionista que é por excelência racista, colonialista, patriarcal e fundamentalista. Ela encontrou terreno fértil para crescer diante do forte antissemitismo difundido na Europa e da milenar perseguição aos judeus que ao ganhar força, possibilitou a criação do  Estado de Israel e segue orientando sua atuação e justificando o histórico processo de limpeza étnica, os massacres, o desapossamento de territórios e o sistema de apartheid impostos ao povo palestino. 

Tudo isso foi potencializado pela ascensão da extrema-direita em Israel nas últimas décadas, culminando nos horrores que hoje acompanhamos e que representam crimes contra a humanidade – justo esta que é uma reivindicação feminista, antirracista, anticolonial e anticapitalista. Enquanto feministas precisamos estar atentas, o sionismo, além de recorrer a tradições históricas para seu projeto, apostou na religião como elemento que garantia unidade em torno da causa; tudo isso reforça o sionismo como doutrina racial que se alia ao discurso religioso. Nos últimos anos, o que se viu foi uma grande mistura entre Estado e religião e o aprofundando dos vínculos entre racismo e religião. 

Argumentamos ainda que a solidariedade à Palestina é uma questão feminista pois o que está em curso é uma guerra contra a reprodução social. Isto é, o Estado colonial de Israel tem como objetivo provocar o esgotamento daqueles envolvidos na reprodução social através da desapropriação permanentemente dos palestinos, independentemente da idade, de seus meios de produção e reprodução, bem como a intenção de matar o espírito palestino e sequestrar a reprodução do seu capital social e cultural.

Isso fica evidente pelo assassinato de mais de 25 mil mulheres e crianças, mas também pelo uso de armas de destruição em massa proibidas e brutais, incluindo fósforo branco, em populações civis; pela destruição de hospitais e infraestruturas vitais, como estradas, tanques de água, eletricidade e meios de transporte; pela destruição dos recursos naturais; pelo envenenamento de colheitas. Tudo isso tem efeitos específicos sobre a vida das mulheres que estão sendo vítimas de estupros, que estão parindo sem as devidas condições, que estão sofrendo abortos espontâneos, que estão sendo submetidas a histerectomias, que são as principais responsáveis pelo cuidado das crianças e idosos.

A solidariedade à Palestina é uma questão feminista pois sem igualdade e justiça, sem o fim da violência colonial nenhum futuro pode ser imaginado, nenhum futuro de paz verdadeira – não uma “paz” que seja um eufemismo para normalização, o que significa manter as estruturas de desigualdade, injustiça e racismo.

A solidariedade à Palestina é uma questão feminista pois o internacionalismo sempre nos levou a estabelecer conexões entre as lutas por liberdade. A solidariedade entre os povos e lutas é condição necessária para produzir esperança e inspiração e ajudar a criar condições reais para o avanço. Como disse Nelson Mandela: “Sabemos muito bem que nossa liberdade é incompleta sem a liberdade das pessoas palestinas”.

Por soberania e autodeterminação do povo Palestino!

Pelo fim do genocídio, cessar fogo imediato!

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*Natália Cordeiro é cientista política, pesquisadora e educadora do SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia. É militante feminista do Fórum de Mulheres de Pernambuco/AMB.

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