Convocada pelas Comissões de Direitos Humanos e das Mulheres da ALEPE, audiência pública foi a articulada através de ações da Campanha Levante Feminista contra o Feminicídio, Lesbocídio e Transfeminicídio, que apresentou Documento Crítico denunciando a ineficiência da gestão de Raquel Lyra em fazer barrar a violência contra as mulheres no estado
|Texto e Fotos: Fran Ribeiro – Comunicação SOS Corpo |

Aconteceu no dia 06 de maio, no auditório Sérgio Guerra, na Assembleia Legislativa de Pernambuco, audiência pública convocada pelas Comissões de Defesa dos Direitos da Mulher e da Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular, que evidenciou ainda mais as falhas e omissão do Governo de Pernambuco em implementar políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres, sobretudo, em evitar a mortandade por crimes de feminicídio, lesbocídio e transfeminicídio no estado.
Com o plenário cheio, a audiência que teve como tema o “aumento do feminicídio em Pernambuco: quais as respostas do Governo?”, interrogou mais uma vez representantes de órgãos do governo Raquel Lyra sobre os motivos que tem levado a gestão a não priorizar a segurança e a vida de milhares de mulheres que morrem por feminicídio ou que sofrem tentativas e que não são acolhidas em serviços da rede de proteção à vítimas de violência de gênero.
Estiveram presentes mulheres de movimentos, redes e coletivos feministas, sindicatos, além de outras organizações da sociedade civil, que constroem nas cinco regiões do estado, a Campanha Nacional Levante Feminista Contra o Feminicídio, Lesbocídio e Transfeminicídio. Em Pernambuco, a Campanha é articulada por 64 sujeitos políticos, com atuação em cidades da Região Metropolitana de Recife, Matas Norte e Sul, Sertão e Agreste. Ao todo, mulheres de 20 municípios pernambucanos estiveram presentes na ALEPE.
A audiência é a 3ª que acontece desde 2022, quando a Campanha iniciou o processo de incidência com o levantamento de dados em todo o estado, sobre a situação da violência e da rede de abrigamento de vítimas de violência contra as mulheres. Foram realizados seminários em parceria com o Ministério Público de Pernambuco, que constataram, a partir da escuta de mulheres e gestores dos municípios, a omissão e morosidade da atual gestão do executivo estadual.
Em abril de 2023, a Campanha Levante Feminista apresentou o resultado do processo, que culminou com a elaboração de uma primeira versão do Documento Crítico, que juntou denúncias e analisou a responsabilidade do governo de Pernambuco na não implementação de Leis aprovadas, como a Lei 17.666/2022, que institui a Política Estadual de Enfrentamento ao Feminicídio.
No Documento Crítico atualizado e divulgado durante a audiência pública deste 06 de maio, os movimentos, organizações e coletivos feministas que compõem a Campanha, enfatizaram que os números de casos de feminicídio e violências contra as mulheres não diminuiu por uma relação direta com a omissão da gestão de Raquel Lyra. O aumento se dá pela precarização dos serviços públicos de acolhimento e de enfrentamento, o descumprimento de legislações estaduais que visam o enfrentamento do problema, além da não aplicação dos recursos previstos no Plano Plurianual 2024-2027 em políticas públicas. De janeiro a 20 de abril de 2025, de acordo com levantamento feito pela Campanha Levante Feminista, 42 mulheres foram assassinadas em Pernambuco.

Movimentos e deputadas criticam a ineficiência do governo do estado
As deputadas estaduais Dani Portela (PSOL) e Gleide Ângelo (PSB), presidentes das Comissões da ALEPE que convocaram a Audiência Pública não pouparam críticas, baseadas em dados, para colocar o governo Raquel Lyra mais uma vez contra a parede. A negligência da gestão em colocar em prática ações para o enfrentamento da violência contra as mulheres foi destacada também por representantes de movimentos feministas e organizações que fizeram falas no plenário. A falta de ações mais concretas vai na contramão do que foi prometido por Raquel Lyra em sua campanha em 2022, quando se vestiu de lilás e garantiu às eleitoras que iria trabalhar para diminuir os índices de feminicídios no estado.
Porém, 2025 é o terceiro ano em que os números registram aumento estarrecedor de casos de violência contra as mulheres. No primeiro trimestre foram notificados 614 estupros e 14 mil casos de violência doméstica, uma média de 156 mulheres agredidas e violentadas por dia. Os dados são da própria Secretaria de Defesa Social do Estado.
A deputada Dani Portela relembrou que em 2023, a Comissão de Direitos Humanos da ALEPE recebeu as denúncias levantadas pela Campanha Levante Feminista em PE sobre os casos de violências que as mulheres e suas crianças estavam sofrendo por gestores das casas abrigo, além de falta de estrutura e equipe qualificada. Lugar onde as vítimas deveriam ser acolhidas e protegidas, estavam sendo revitimizadas por parte do poder público. A deputada destacou a falta de respostas do governo sobre estas graves denúncias.
“Estamos acompanhando desde então esta denúncia, que foi formalizada junto ao Ministério Público e outros órgãos do governo do estado e estamos a mais de um ano e meio sem respostas. E na única oportunidade de diálogo que tivemos, em fevereiro de 2024, a atual Secretária, Juliana Gouveia, não apresentou muitas respostas. As gestoras e gestores que foram acusados de violações, seguiam nos cargos”, afirmou a deputada durante fala no púlpito.
Assim como Dani Portela, a deputada Gleide Ângelo também criticou a falta de eficiência do governo, já que de acordo com dados recentes, Pernambuco vem liderando nos últimos anos, o ranking de feminicídios no Nordeste. “As mulheres mães não são as únicas vítimas de violência, estamos lidando com uma questão de segurança pública. Estamos vendo uma ineficiência de políticas públicas voltadas para a prevenção, que é de responsabilidade do governo do estado”, destacou Ângelo.
Representando a Campanha Levante Feminista, a educadora da FASE, Rosemere Nery, leu o Documento Crítico onde os movimentos e organizações que compõem a Campanha reforçaram a extrema urgência da implementação da Lei 17.666. Promulgada pelo governo de Pernambuco em 2022, a Política de Enfrentamento ao Feminicídio, que pode garantir a proteção e acolhimento das mulheres vítimas de violência, não está sendo implementada na sua plenitude. O Documento destacou também que a Lei deve atender a todas as mulheres, resguardando e respeitando a diversidade de mulheres afetadas, já que há casos de lesbocídios e tranfeminicídios que não são elucidados e nem notificados com as devidas informações.
Clique ao lado para acessar o Documento Crítico na íntegra >> A Negligência do Governo de Pernambuco frente ao Feminicídio, Lesbocídio e Transfeminicídio.
Também se pronunciaram na Audiência Pública, a deputada Socorro Pimentel (União); a delegada da Polícia Civil responsável pelo Departamento Polícia Mulher, Bruna Falcão; Débora Andrade, coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher (NUDEM) da Defensoria Pública de Pernambuco; e o Promotor de Justiça do Ministério Público, Dr. Westei Conde.
Parceiro da Campanha na interiorização do levantamento de dados e responsável pela investigação sobre as denúncias referentes às violações e casos de maus tratos nas casas abrigo, Dr. Westei Conde (MPPE) enfatizou a riqueza de detalhes e informações que o Documento Crítico elaborado pela Campanha Levante Feminista em Pernambuco reúne.
Segundo ele, um diagnóstico que dá a possibilidade das instituições e órgãos públicos analisarem e de se implicarem sobre quais suas responsabilidades no enfrentamento ao problema, entendendo que o patriarcado, o racismo e o capitalismo são sistemas de dominação e exploração que sustentam a violência como uma forma de controle sobre a vida de todas as mulheres.

Citando Heleieth Saffioti, o Promotor ressaltou que o aumento da violência contra as mulheres e a violência políticas é um reflexo social de ascensão da extrema direita no país e da influência do fundamentalismo religioso que não tira as mulheres do lugar de subserviência. “Não discutir gênero nas escolas não ajuda a mudar a situação. É preciso envolver os meninos nessa temática”, reforçou.
Governo de Pernambuco, mais uma vez, não apresenta respostas
Também teve espaço para pronunciamento o governo Raquel Lyra, na representação de Walkíria Alves, Diretora de Enfrentamento à Violência de Gênero, da Secretaria Estadual da Mulher. Antes de ceder a palavra para a gestora, Dani Portela provocou com três questionamentos que precisavam de uma resposta pública do governo: quais as providências foram tomadas no caso da denúncias de violações nas casas abrigo e qual a situação das mulheres e seus filhos hoje nos abrigos de Pernambuco; Como o Governo do estado realiza atualmente o levantamento de dados dos crimes de lesbocídio e transfeminicídio, visto que quase não se há dados oficiais sobre as mortes de mulheres lésbicas, transsexuais e de travestis; e se o Governo realiza algum monitoramento de quantas são as crianças e adolescentes que são órfãos de feminicídios e se há algum tipo de política pública voltada para atender as necessidades delas.
A deputada questionou também sobre quais as principais ações e quanto foi investido no ano de 2024 no enfrentamento à violência, tendo como base, as informações disponíveis no Portal da Transparência, que mostrou que ações previstas não tiveram os recursos completamente executados. Portela ainda quis saber qual a justificativa da gestão estadual para que a Secretaria da Mulher tenha o 5º menor orçamento do Estado. “Sem orçamento não se faz política pública”, negritou Dani Portela.
Walkíria Alves respondeu dizendo que a Secretaria da Mulher passou de um orçamento de 26 milhões para 85 milhões de reais em 2025, o que tem permitido o fortalecimento de organismos “lá na ponta”. Ou seja, Secretarias ou Coordenadorias municipais e regionais do interior que não tem infraestrutura, estão recebendo um “kit mobília” para funcionar. De acordo com a gestora, no segundo semestre deste ano, carros serão destinados a essas Secretarias e Coordenadorias do interior.
Sobre as denúncias de irregularidades nas casas abrigo, Alves disse que houve a requalificação das casas para o acolhimento das mulheres e filhes, que houve a ampliação da equipe e que foram realizados os afastamentos das gestoras denunciadas. A representante da Secretaria da Mulher seguiu apresentando os feitos da gestão, como os programas Bora Empreender Mulher, voltado para a qualificação de mulheres em situação de trabalho informal, o Mães de Pernambuco e o Morar Bem, afirmando que são “frentes que precisam ser integradas” no enfrentamento à violência contra as mulheres.


“São políticas voltadas para a mulher, e como eu disse, a gente precisa atuar em várias frentes. Não adianta a gente só falar em feminicídio se a gente não falar em tudo que embasa essa violência”, justificou a gestora. Sobre o monitoramento das e dos órfãos do feminicídio, ela afirmou que a Secretaria da Mulher está em parceria com o Ministério das Mulheres e que está dentro dos prazos estabelecidos pelo governo federal. Contudo, Walkíria Alves não respondeu a nenhum dos questionamentos feitos por Dani Portela ou trouxe respostas objetivas sobre as outras demandas apresentadas pela Campanha Nacional Levante Feminista Contra o Feminicídio, Lesbocídio e Transfeminicídio no Documento Crítico entregue na audiência pública.
Os descontentamentos com a postura escorregadia adotada pelo governo Raquel Lyra com o movimento feminista desde o primeiro encontro, em 8 de março de 2023, refletiu nas intervenções das representantes dos movimentos que se manifestaram no plenário. Falta de diálogo, de respostas, propostas e a inércia da gestão pública em traçar ações mais eficazes que garantam a aplicação das Leis , estiveram presentes nas falas das feministas.
Ao final da Audiência Pública, Dani Portela informou que todas as demandas apresentadas pelos movimentos, organizações e coletivos feministas no Documento Crítico elaborado pela Campanha Levante Feminista, bem como as respostas e as não respostas dos órgão públicos implicados, seriam transformadas em termos para constar na Ata da audiência e apresentar encaminhamentos. O Termo da Audiência deve ser publicado no Diário Oficial do Estado em até 30 dias.