Abre caminhos: as mulheres na luta antirracista em Pernambuco

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Ao longo da história de resistência da população negra no Brasil, as mulheres lideram os processos de enfrentamento e constroem estratégias para sobreviver a um mundo onde os sistemas que estruturam a vida social e econômica, tem o racismo como um projeto que sustenta a dominação e a exploração das pessoas. O racismo enquanto uma política estruturante do capitalismo, cada vez mais exploratório da natureza e das formas de vida, e do projeto patriarcal de dominação das mulheres, incide diretamente para manter o mundo em constante desigualdade.

Diante do recrudescimento do racismo em escala local, nacional e global, a luta antirracista é cada vez mais uma frente que deve estar no centro da luta dos movimentos sociais e organizações populares que resistem à essa lógica de extermínio. Diante desse contexto, as mulheres negras se mantém em resistência. Criam laços, redes de afeto e solidariedade que são históricas, ancestrais, que são também maneiras de organizar as comunidades e a garantia de existência.

Contrariando a lógica, elas estão abrindo os caminhos. Com muito enfrentamento, denunciam o projeto de sociedade que tem o racismo estrutural como base. Nós do SOS Corpo acreditamos que a prática feminista só transforma se ela tiver no cerne de suas ações, o antirracismo como instrumento imprescindível na luta em defesa das mulheres e por uma democracia plena e plural.

Neste Novembro Negro, destacamos iniciativas de organizações e coletivos que estão pautando no dia a dia a luta antirracista, produzindo ações que questionam a lógica social, que escancaram as facetas do racismo e que estão organizadas para defender o direitos de mulheres, homens e crianças negras de poderem existir com dignidade.

Articulação Negra de Pernambuco: Contra o Racismo, o Genocídio e Pelo Direito de Viver

A Marcha da Consciência Negra Contra o Racismo, o Genocídio e Pelo Direito de Viver percorreu as ruas do centro de Recife no dia 20 de Novembro para demonstrar a força política do movimento negro e denunciar as atrocidades da colonialidade. Organizado pela Articulação Negra de Pernambuco – ANEPE, a Marcha faz parte do processo de retomada da Articulação, que surgiu na década de 1980 como meio de organização do movimento negro na cidade. Através da junção diferentes organizações populares, coletivos políticos e culturais, como os Afoxés e Maracatus, a ANEPE veio da compreensão de que os espaços onde os negros estão em resistência são espaços políticos com potencial de transformação da realidade para todas as pessoas.

Após um período de desarticulação por conta de questões conjunturais e políticas, ela é retomada este ano por coletivos que fazem parte do movimento nacional Coalizão Negra Por Direitos. Formado por mais de 25 coletivos e organizações negras de Recife e da região metropolitana, a ANEPE vem com o propósito de ser um espaço político de atuação conjunta e de incidência articulada do movimento negro pernambucano com o objetivo de incidir politicamente como força de transformação. É o que explica Gilmara Santana, da Articulação Nacional de Negras Jovens Feministas, uma das organizações que constroem a ANEPE.

O momento político de hoje pede que estejamos juntas. Sejam as pessoas da cultura, da arte, da política, dos vários lugares, estejam juntas pensando ações antirracistas. A Articulação vem desse potencial. A decisão de retomar a ANEPE e de hoje, 20 de novembro, estar em caminhada, em Marcha com esse tema, é criar essa possibilidade de forma estratégica e pensar outras ações. A gente se entende como uma força política. Mesmo sendo diversas, essa força política pode ter ações como antes já tinha, como representações em espaços públicos, institucionais e pensar, num processo atual, em como a gente enfrenta e combate esse racismo que está o tempo todo em nossa vida, contou Gilmara.

Foto: Analba Brazão/SOS Corpo

Nesse contexto de retomada, a Marcha organizada pela ANEPE trouxe como temas a luta contra o racismo e o direito de viver, pautas que marcaram a Marcha das Mulheres Negras realizada em 2015, em Brasília, e a denúncia do genocídio sistemático da juventude negra, que corre risco cotidiano de morte frente à violência policial. De acordo com Gilmara Santana, essa é outra ação emergente que parte também dos corpos das mulheres negras, mas diretamente aos corpos da juventude. O Direito de Viver, segundo a militante, liga a vida dos jovens negros assassinados pela polícia às mães dos jovens, mulheres negras que têm suas vidas interrompidas junto a dos filhos. Segundo dados divulgados pelo Atlas da Violência de 2019, 70% dos jovens homens assassinados em casos de homicídios em Pernambuco são negros.

“Quando a gente diz ‘Contra o Genocídio e pelo Direito de Viver’ é porque a gente está nas estatísticas de morte, nós somos os corpos em alvo, a faixa etária de 15 a 29 anos é a faixa etária que está o tempo todo sendo disputada pelo braço armado do Estado, que é a polícia. Então esse é um chamamento para que as pessoas não naturalizem a morte dos jovens negros. A gente quer passar pra sociedade,  para as pessoas do entorno que nós precisamos e temos esse direito constitucionalmente garantido de viver. Mas que no exercício da lei, a gente vê vidas sendo ceifadas o tempo inteiro. O tema é atual porque recorta os corpos das mulheres negras, porque quando um jovem negro é assassinado, a vida daquela mãe negra é afetada de diversas formas, ela não vive mais. A gente quer chamar os homens negros, os jovens homens negros pra estar nesse debate, porque o tempo inteiro nós mulheres negras nos vemos muito na responsabilidade de estar sempre pautando a vida e a proteção dos homens negros, quando na verdade eles nem conseguem chegar no debate. Então a gente está nessa busca ativa de chamar, aglutinar e de potencializar os espaços que já existem também”, completou.

A Marcha reuniu diversos coletivos e organizações políticas do movimento negro, de grupos de mulheres de bairro, organizações estudantis à grupos de Afoxé e Maracatu. O 20 de novembro em Recife foi pintado pela resistência da população negra. Nas ruas do centro, erguida com muito suor e sangue ancestral, até a Rua da Guia, mulheres e homens cantaram e exigiram, através de falas políticas e poesia, liberdade, respeito e direito de viver.

Libertas Elas: a luta contra o encarceramento das mulheres negras

Coletivo que surgiu em 2018 e reúne mulheres da área do direito, da sociologia e da psicologia, o Liberta Elas começou com a organização de uma semana de atividades na Penitenciária Feminina Bom Pastor, que teve o objetivo de levar atenção, afeto, assessoria jurídica e cultura para as mulheres encarceradas. Logo após a realização da atividade, o coletivo decidiu se firmar de forma concreta para dar continuidade à ações voltadas às mulheres no sistema prisional. Foi quando concorreram a um edital de fortalecimento lançado pelo SOS Corpo, o que possibilitou que elas continuassem a promover oficinas e atividades junto às mulheres, em sua grande maioria negras. No Estado, de acordo com informações divulgadas pelo INFOPEN, 81% das mulheres em situação de encarceramento são negras.

Segundo Nathielly Ribeiro, socióloga e uma das integrantes negras do coletivo que é formado por mulheres negras e brancas, são oferecidas oficinas de leitura, de empoderamento estético, assistência jurídica e atividades que levem um pouco de acolhimento, afeto, carinho para as mulheres, algumas mães e gestantes, que estão no sistema prisional. Hoje o Liberta Elas conta com seis integrantes que se dividem em visitas semanais tanto no Bom Pastor quando na Colônia Penal Feminina de Abreu e Lima.

“A gente trabalha exclusivamente com mulheres porque a gente entende que é uma demanda urgente. A mulher que está dentro do sistema prisional sofre uma coerção tripla: em sua grande maioria são negras, pobres e semianalfabetas. Nesse sentido a situação das mulheres é mais complicada, porque muitas são abandonadas pelos companheiros.  Muitas estão presas por tráfico de drogas em decorrência de atividades que exerciam com os companheiros, e são abandonadas. Elas são mães, são filhas e tem todo esse peso que a sociedade demanda delas, o que as coloca em situações muito mais difíceis dentro do encarceramento”, explicou Nathielly.

Uma das atividades que mais têm trazido transformação em torno da pauta antirracista é a oficina do Clube do Livro, realizada de maneira permanente dentro da Colônia Penal Feminina de Abreu e Lima. Cada encontro reúne de 15 a 20 mulheres para a leitura de textos de autoras negras. As mulheres já tiveram contato com os escritos de Conceição Evaristo, Angela Davis, bell hooks, Paulina Chiziane, Chimamanda Adichie, da poeta pernambucana Amanda Timóteo entre outras.

“A experiência do Clube do Livro é interessante porque no início elas iam participar focadas na remissão da pena, só que como não temos nenhum vínculo com o Estado, o Clube não entra na remissão. Então em um primeiro momento elas se mostraram decepcionadas, o que fez a gente achar que os encontros iriam esvaziar. Mas eles começaram a lotar, porque os textos faziam com que as mulheres se identificassem com as realidades que elas estavam vivendo, principalmente porque a gente levava informações sobre quem eram as autoras. Levamos vídeos sobre a vida de Conceição Evaristo e algumas delas começaram a se questionar ‘ela se parece comigo, o cabelo dela é igual ao meu, oxe ela é preta também?’… Então a gente começou a trabalhar a partir da representação e da auto representação dessas mulheres que estão no sistema prisional junto com as escritoras”, contou a socióloga.

A diversidade de temas que atravessam as histórias narradas pelas autoras atravessam também a vida da mulheres em situação de encarceramento. São temas sobre amor, liberdade, posse sobre o próprio corpo, violência contra a mulher, aborto, estupro. Histórias que fortaleceram a consciência da opressão de gênero e de raça e como o racismo influencia em suas condições de vida. Através das leituras e dos espelhamentos do que as escritoras trazem em suas histórias, a mulheres entendem que estão encarceradas como fruto de um passado escravocrata, que a prisão é ainda, em sua essência, um resquício da senzala.

“Grande parte das encarceradas, inclusive as negras, estão ali reproduzindo a lógica do racismo, o que é muito complicado porque elas foram socializadas nesse contexto racista. De que elas são feias, que suas bocas, que o formato do seu nariz não é legal e que consequentemente foi a sua cor da pele que colocou elas ali dentro. E trabalhando a pauta do antirracismo nas oficinas a gente percebe o despertar, o florescer dessas mulheres como uma planta que germina. E elas fazendo uma autorreflexão entendem que elas estão lá por causa da cor e da condição social. Muitas delas falavam que estão presas para pagar por um erro que quando você vai ver, elas foram presas por uma quantidade irrisória de maconha ou de crack que estavam traficando porque os filhos não tinham o que comer em casa. Então as oficinas fazem com que elas reflitam sobre as condições que as levaram a estar ali”, contou Nathielly Ribeiro. 

Beleza Negra: auto estima e valorização da beleza da mulher negra na luta por direitos

Ação organizada pelo Espaço Mulher, grupo organizado de mulheres do bairro Passarinho, o Beleza Negra surgiu como uma forma de valorização das trajetórias de vida das mulheres da comunidade, que tem 74,4 % de moradores que se autodeclaram negros. Bairro da periferia de Recife, Passarinho é um dos vários territórios negros na cidade que resistem ao abandono de um Estado institucionalmente racista. A falta de qualidade de vida, acesso à saúde, educação, saneamento básico, segurança e mobilidade urbana fizeram com que as mulheres do bairro se auto organizassem e em 1990 fundassem o Espaço Mulher. 

Formado por mulheres negras, o grupo se reuniu a partir da identidade coletiva negra. Em um país onde a desigualdade social é marcada pela raça e pelo gênero, a compreensão da opressão como algo comum entre elas foi propulsora da organização. O Espaço Mulher surge para organizar a luta em torno de direitos e de reafirmação da identidade, daí surge o Beleza Negra, como explica Evandra Dantas, uma das integrantes do grupo

Surgiu pra gente denunciar a falta de políticas públicas para as mulheres pretas do bairro. Porque a gente via que lá onde a gente mora, em Passarinho, não tinha nada pra gente, aí a gente decidiu fazer alguma coisa nesse sentido. Tem oficina de turbante, tem manicure, maquiagem, sessão de reiki, pensando a beleza como saúde também. A gente fala sobre empoderamento, sobre estética, sobre os direitos que a gente tem. De tudo um pouquinho a gente conversa nesse dia, contou Evandra.

À esquerda, Evandra Dantas foi uma das manequins vivas durante a Marcha do 20 de Novembro.

O auto reconhecimento e valorização da identidade de mulher negra é fundamental para o fortalecimento das ações do grupo. O Beleza Negra acontece todos os anos e tem um dia dedicado à promoção de práticas positivas que valorizem à vida das mulheres e da comunidade. Durante a manhã as mulheres participam de oficinas voltadas ao enaltecimento da estética negra e à tarde acontece sempre uma ação cultural, que nos últimos anos acontece no mesmo dia do Ocupe Passarinho, ação também organizada pelo grupo como forma de enfrentamento ao avanço do capital especulativo imobiliário, que tenta desapossar mais de cinco mil famílias que habitam a Vila Esperança, que fica na comunidade.

“Nosso próximo Beleza Negra vai ser no sábado, dia 07 de dezembro. De manhã vai ser o Beleza Negra e à tarde vai ter a ação do Ocupe Passarinho. O Ocupe passarinho surgiu em 2015 porque a gente estava com muita falta de política pública, principalmente na educação. É uma ação de resistência porque a gente não tem educação direito, não temos saúde e agora voltou a falta d’água. Já tem cinco dias que estamos sem água lá. Segurança que a gente não tem, a abordagem da polícia quando chega lá com os jovens. Então, tudo isso juntou um pacote só e todo ano a gente faz isso”, explicou Evandra.

A ação é também uma oportunidade de questionar o modelo de gestão da cidade, em que os bairros periféricos são abandonados pelo poder público e depois vendidos à iniciativa privada.

Mulheres Negras pela Vida!

Lançada em outubro pela Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e a FASE (Federação de órgão para Assistência Social e Educacional), a campanha “Mulheres Negras Pela Vida!” percorreu as quatro regiões do Estado (Recife e Região Metropolitana, Zona da Mata, Agreste e Sertão) com o objetivo de “interpelar a sociedade sobre as violências que atingem cotidianamente as mulheres negras, violências geradas pelo racismo, pelo machismo e pela discriminação de classe, entre outras formas de opressão que atingem diretamente as mulheres negras”, como explica Mônica Oliveira, integrante da Rede.

Enfrentando uma tripla condição de discriminação por serem mulheres, negras e em sua grande maioria pobres, as mulheres negras são sujeitas cotidianamente às mais perversas formas da violência racista na sociedade brasileira. São violências presentes em todas as dimensões da vida: em casa, na escola, no lazer, no trabalho e pelas instituições do Estado. Para chamar a atenção sobre esse fato, a Campanha usou como estratégia e forma de diálogo com a sociedade, uma exposição em pontos de grande movimento na cidade, onde seis manequins femininos pretos com vestidos coloridos trazem escritos dados alarmantes sobre as diferentes violências que atingem as mulheres negras.

Além dos números sobre encarceramento de mulheres negras e do genocídio da juventude negra em Pernambuco já citados nessa matéria, as manequins mostram também percentuais sobre a geração de renda e a mortalidade materna. Em 2017 , no estado de Pernambuco, 72% dos casos de morte materna foram de mulheres negras. No ano passado, em Recife, as mulheres negras foram 95% dos casos. Os dados apresentados pelo Comitê de Mortalidade Materna denunciam como o serviço de saúde pública, único que as mulheres negras de classes baixas podem ter acesso, são de péssima qualidade e que expressam o projeto racista nas instituições do Estado brasileiro.

“Acho que a gente tem ainda outros elementos que tocam muito as comunidades negras que são os índices de desemprego, e isso empurra a comunidade negra ainda mais para o trabalho informal. Nós já somos a maioria no trabalho informal e esse contexto de crise no país, no Estado, nos empurra ainda mais para a pobreza e isso é algo muito preocupante. O  recrudescimento da pobreza e de famílias que passam fome. Essas são questões muito fundamentais, como são também alguns casos de racismo religioso. O fato de hoje nós termos uma Câmara de Vereadores no Recife e em outras cidades da região metropolitana e também uma Assembleia Legislativa com uma presença muito forte de parlamentares fundamentalistas, neopentecostais é uma grande ameaça contra os direitos das religiões de matriz africana e contra o princípio constitucional do livre culto e crença. Esse é também um elemento muito grave dessa conjuntura. Fora todo esse contexto de ameaça à democracia, embora que o acesso à democracia para nós população negra sempre tenha sido restrito, mas o retrocesso do ponto de vista do modelo democrático do país com certeza não nos favorece, muito pelo contrário, é mais grave a nossa situação”, avaliou Mônica Oliveira.

A Campanha esteve presente na Marcha de 20 de novembro. Só que ao invés de manequins, militantes da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco vestiam os vestidos. A intervenção fez parte da estratégia da ação cultural-política e foi um dos momentos de grande impacto da Marcha.

E qual a importância da luta antirracista no Brasil?

As iniciativas aqui apresentadas são de coletivos e organizações negras e mistas, mas é preciso enfatizar que o antirracismo é uma luta que deve ser assumida por todas as pessoas e organizações que querem a transformação do mundo e que estão no enfrentamento ao estado de exclusão que está em curso no país. Uma luta antifascista, antipatriarcal e anticapitalista só será vitoriosa se o antirracismo estiver no horizonte das ações. Para Gilmara Santana, da ANEPE, a diversidade de coletivos em que estamos inseridas não pode significar um impeditivo para o diálogo na busca por uma ação antirracista coletiva. Segundo a jovem feminista negra, se estamos em vários lugares ao mesmo tempo, sejam em coletivos feministas, de direito à cidade, de luta por soberania alimentar, a ação deve ser a pautada no enfrentamento ao racismo estrutural.

É entender que o racismo não é combatido sozinho, não é enfrentado sozinho, de que o racismo não é um problema das pessoas negras. Mas uma pauta que pessoas não-negras precisam estar e de que a gente precisa aglutinar, por exemplo, as pessoas indígenas também porque é uma questão de raça. A gente fica no debate de abrir mão dos privilégios, mas não é só isso. É de conseguir mesmo chamar essas pessoas para discussão e de modificar a rotina delas. E pensando no presidente atual, que está o tempo todo violando os nossos corpos, violando a forma que a gente transita na cidade, no espaço, pensar uma luta antirracista é possibilitar, inclusive, que nós possamos estar em vários espaços, nos espaços institucionais, nos espaços públicos, onde a gente quiser estar. As pessoas que compõem esses espaços precisam se entender como uma ferramenta estratégica para o combate ao racismo. Isso é ser antirracista, avaliou.

Nathielly Ribeiro, do Coletivo Liberta Elas relembra que mesmo com o avanço que tivemos no país entre os anos 2002 à 2015, época dos governos progressistas de Lula e Dilma, a atual conjuntura mostra que essas conquistas não foram concretas e estão ameaçadas pela política neoliberal. Por isso a importância da prática antirracista deve ser constantemente reforçada.

“A pauta antirracista é urgente e de extrema importância porque a gente está vendo que mesmo com a maioria das pessoas hoje na universidade serem de pessoas negras, a maior taxa de pessoas que concluem os cursos são brancas. A gente está vendo o avanço do discurso de ódio e do retrocesso de direitos no atual contexto do país, e isso faz com que a luta antirracista seja importante. Dentro do contexto prisional ela é urgente pois, nos últimos anos, cresceu a taxa de mulheres negras encarceradas, o que é muito grave, como a taxa de mulheres negras vítimas de feminicídio. A luta antirracista é um ponto que a gente quer reforçar porque há toda uma identidade de povos. Os anos de opressão não podem ser jogados para debaixo do tapete. Esse perfil assimilacionista do racismo à brasileira faz com que a gente desvie da importância da luta antirracista no país”, ponderou a socióloga.

Crianças estiveram presente na Marcha do 20 de Novembro. Foto: Fran Ribeiro/SOS Corpo.

De acordo com Mônica Oliveira, mesmo diante do atual contexto de acirramento da política da ultra-direita, é preciso identificar os avanços que existem nas experiência e iniciativas de luta que pautam o antirracismo no país e em Pernambuco. Para a ativista, a luta permanece e tem se ampliado e isso está expresso na quantidade de coletivos, sobretudo de jovens negras e negros, que têm surgido nas últimas duas décadas em diferentes espaços e dimensões das relações sociais. A resistência está na cidade, nas universidades e em lugares e profissões que antes era impossível de ver pessoas negras.

“Nós tivemos, especialmente nessa última década, o surgimento de vários coletivos, pequenos coletivos que são também de uma nova forma de organização, de juventude negra ou específicos, como de jovens mulheres negras ou coletivos mistos. A gente tem tido aí o surgimento de vários pequenos coletivos com essa característica e eu acho que isso é um avanço. A afirmação da estética negra, que é também uma afirmação de identidade, tem avançado muito e isso não só do ponto de vista das estatísticas do Censo, das estatísticas demográficas, mas também a olho nu, como se diz. Hoje a gente encontra muitos jovens, tanto rapazes quanto garotas com uma estética negra muito bem afirmada e isso é muito positivo. A gente tem também uma presença importante de jovens negros nas universidades, em coletivos de estudantes e profissionais negros de profissões que antes praticamente não tinham presença negra, como o pessoal de medicina com o Coletivo Negrex e o Coletivo de Arquitetas Negras. Acho que tem vários elementos aí que significam avanços. Tem também a cultura negra pernambucana que sempre foi muito forte e que continua resistindo, com surgimento de vários outros Afoxés, Maracatus, o que traz aí também a multiplicação das manifestações culturais. A luta permanece e ela tem se ampliado”, pontuou. 

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