Neste dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, o SOS Corpo traz uma entrevista com Liliana Barros, a primeira Ouvidora externa da Defensoria Pública do Estado de Pernambuco.
|Texto: Fran Ribeiro | Comunicação SOS Corpo|

Neste dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, o SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia, traz uma entrevista com Liliana Barros, a primeira Ouvidora Externa da Defensoria Pública do Estado de Pernambuco. Criada em 2023, a Ouvidoria da DPPE é a 17ª a existir no país.
A Lei Complementar 132/2009 determinou a criação e implementação de Ouvidorias externas nas Defensorias Públicas, com o objetivo de impulsionar a participação social democrática no país e fortalecer o viés dos Direitos Humanos nas Defensorias, promovendo a aproximação da sociedade civil e dos movimentos sociais do Sistema de Justiça. Desta maneira, as Ouvidorias externas são eleitas a partir de candidaturas vindas dos movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil.
De acordo com a definição do Conselho Nacional de Ouvidorias das Defensorias Públicas do Brasil, é de responsabilidade das Ouvidoras e Ouvidores externos, receber demandas, reclamações, sugestões, elogios das pessoas que usam os serviços prestados pelas Defensorias, sendo um agente que promove o diálogo entre a sociedade civil com a Instituição.
Em maio de 2023, Liliana Barros, socióloga, mulher negra periférica, lésbica, ativista feminista e militante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e integrante da Frente Estadual pelo Desencarceramento foi eleita para o cargo de Ouvidora externa da Defensoria Pública de Pernambuco, a primeira na história dos 25 anos da Institução.
Com apoio maciço de movimentos sociais diversos, frentes de luta, organizações não governamentais, intelectuais da academia e da vida, Liliana foi eleita após votação interna na Defensoria. A partir daí, nestes pouco mais de um ano e meio de gestão, o desafio foi imenso e segue sendo construído cotidianamente.
Atuando como uma ponte entre movimentos sociais e Instituição, a Ouvidoria externa inaugurou um importante canal de participação social, bem como colocou possibilidades de fazer institucionalizar pautas coletivas, algo que pode ser uma força a mais para a luta dos movimentos sociais na garantia de políticas públicas e dos Direitos Humanos.
Liliana Barros começou sua militância a partir do Cidadania Feminina, organização não-governamental composta por mulheres, moradoras do Córrego do Euclides, bairro que fica na Zona Norte do Recife. A organização, que tem 23 anos de existência, surgiu da necessidade de criar pautas para enfrentar dois problemas recorrentes no cotidiano das mulheres: o racismo e a violência doméstica.
“O Cidadania Feminina surge de um encontro informal que acabou tomando um cunho político, fazendo no cotidiano desde então, a luta feminista antirracista”, explicou Liliana. Foi neste momento que a organização e Liliana se aproximaram do Fórum de Mulheres de Pernambuco. Foi a partir do FMPE que a socióloga passou a se inteirar de maneira mais consciente, segundo ela própria, sobre a luta organizada das mulheres, se aproximando de diferentes pautas do movimento feminista. Anos mais tarde, em 2016, Liliana passa a integrar a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, quando a questão racial, a partir de sua experiência e vivência de mulher negra, ganha outra dimensão na sua militância.
Quando seu filho é preso, Liliana passa a construir outro movimento, a Frente Estadual pelo Desencarceramento de Pernambuco, e a partir dela, integrou o Conselho Estadual da Comunidade, iniciativa do programa Fazendo Justiça, do Conselho Nacional de Justiça. O Conselho é um espaço de controle social que tem o objetivo de garantir e fiscalizar os direitos das pessoas privadas de liberdade.
Foi a partir da sua militância nestes dois movimentos, a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e a Frente Estadual pelo Desencarceramento, que veio o convite para concorrer à eleição da Ouvidoria externa da Defensoria Pública do Estado de Pernambuco.

“Esses movimentos disseram ‘Liliana, está aberta uma vaga para Ouvidora, ninguém nunca foi, é uma coisa nova, mas que os movimentos precisam ocupar, porque a criação de uma Ouvidoria Externa dentro do sistema de justiça é algo inovador’… e eu topei. E eu nem sabia o que era isso, caí de paraquedas, e fui me apropriar”, contou Liliana ao SOS Corpo.
Em entrevista realizada na sede da Defensoria Pública, que fica na Avenida Conde da Boa Vista nº1450, no centro de Recife, conversamos com Liliana Barros na sala da Ouvidoria externa, onde ela nos contou sobre os desafios enfrentados e as possibilidades que a Ouvidoria pode permitir para aprofundar a luta dos movimentos sociais e em defesa dos Direitos Humanos. Confira abaixo:
SOS Corpo – Como é ocupar este lugar de Ouvidoria externa, sendo a primeira da Defensoria Pública do Estado, indicada pelos movimentos sociais?
Liliana Barros – Foi muito desafio. Primeiro porque eu não tenho conhecimento de ‘juridiquês’, mas só que o trabalho de uma Ouvidora ou Ouvidor externo é ser uma ponte entre os movimentos sociais e a Defensoria. O Sistema de Justiça é composto pelo Tribunal de Justiça, pelo Ministério Público e a Defensoria Pública, e são espaços extremamente formais, composto por homens brancos, uma classe privilegiada, uma classe que determina a vida das pessoas a partir do lugar que eles estão. Você julga, você cria um processo, sabe? E isso para mim foi desafiador, porque meu filho ainda estava preso.
Mas eu fiquei muito, muito feliz quando vi que os movimentos abraçaram. Chegavam apoios que mostravam como os movimentos acreditavam em mim, que responsabilidade! Eu me senti com muita responsabilidade, mas ao mesmo tempo, também aquele sentimento de que eu não estava só. Eu não tô só para estar nesse espaço, eu posso chegar e falar porque eu não estou só. E isso me deu muita confiança de estar enfrentando esse desafio. E quando você chega num espaço como este, com os movimentos sociais, como foi na minha posse, uma posse popular, foi fantástico.
Então esses apoios para mim foram fundamentais para eu conseguir estar aqui nesse espaço dentro do Sistema de Justiça, que é muito fechado. A Defensoria Pública do Estado de Pernambuco tem 25 anos e agora tem uma Ouvidoria que tem uma missão interna muito pedagógica. E o apoio dos movimentos sociais para eu ser essa ponte é fundamental para a realização dessa missão e para eu estar atuando aqui dentro.
SOS Corpo – Como é que a ouvidoria pode contribuir para a garantia dos Direitos Humanos?
L.B – Eu vejo a partir de dois vieses. Primeiro do assistido da Defensoria. A Defensoria atende pessoas, a maioria é o povo preto que não tem grana para pagar um advogado. Em relação ao assistido, a Ouvidoria recebe as informações e media com aquele Núcleo que está responsável, para fazer a resposta chegar de volta ao assistido. É função da Ouvidoria fazer com que processos que estão parados caminhem, de incitar os Núcleos a fazerem os processos que estão parados caminharem, que atendam bem o público, que na grande maioria é negra e em situações de vulnerabilidade. Então, em relação ao assistido, a importância da Ouvidoria é essa.
O segundo viés é em relação aos movimentos sociais. A Ouvidoria precisa ser provocada, por exemplo: enquanto Ouvidora, estar presente em alguma situação ou manifestação. A Ouvidoria, de alguma forma, é a presença de um órgão do Sistema de Justiça dentro daquele ato ou situação que está acontecendo. É o meu olhar e se acontecer alguma coisa eu trago para dentro da Instituição. Dentro desse mesmo viés, é necessário provocar os movimentos para que eles tragam pautas para dentro da Defensoria. Os movimentos precisam provocar para que a Defensoria possa identificar de que maneira ou não, pode-se abrir processo ou judicializar determinadas reivindicações que venham dos movimentos. A Defensoria não é uma política pública, mas é um caminho para que algumas coisas possam se tornar Lei ou não.
SOS Corpo – Qual o balanço deste um ano e meio de Ouvidoria?
L.B – Eu acho que esse um ano e meio ele foi mais para dentro, para dentro mesmo em todos os sentidos. De dizer que a Ouvidoria existe dentro de uma Instituição que existe há 25 anos no estado, e quando eu converso com alguns servidores dos Núcleos eles dizem, ‘Liliana, a Ouvidoria está começando a mudar uma coisa cultural dentro da Instituição’. Então eu acho que foi muito para dentro por conta da necessidade, primeiro para criar um fluxo das manifestações que chegam, da gente dizer que a gente está aqui porque a Defensoria abrange o estado todo, em vários municípios a Defensoria Pública está presente e a gente sabe quanto mais se afasta da capital, mais os absurdos acontecem. Criamos um cartaz avisando que Ouvidoria existe. O primeiro cartaz que a gente criou foi a questão do racismo.
Eu acompanho o movimentos sociais, algumas pautas eu acompanho, mas eu avalio que o trabalho foi muito para dentro, neste primeiro ano. Sinto também que em alguns movimentos ainda não conseguimos chegar. Enquanto militante do movimento de mulheres, algumas aproximações são mais fáceis, mas em outras é preciso de mais tempo. Se tiver o processo eleitoral e eu conseguir ficar mais dois anos, aí eu acho que a coisa já começa a tomar um outro caminho porque o dentro já vai estar um pouquinho mais organizado.

SOS Corpo – Qual a importância de ter uma equipe trabalhando na Ouvidoria e como ela se articula para atender as demandas?
L.B – Inicialmente era apenas eu, mas depois chegou a assessora, que conhece praticamente toda a estrutura da Defensoria, como funciona, quais são os Núcleos e as Subdefensorias, as regras e outros trâmites burocráticos, o que permitiu a criação de um fluxo das manifestações e temos uma advogada, porque nós estamos dentro da Defensoria Pública e ela traz esse olhar nos processos, nos acompanhamentos e explicar algumas coisas, porque às vezes tem assistido que simplesmente vem para entender como está tramitando o processo dele. As duas mulheres que trabalham comigo lidam especificamente com as manifestações, com os fluxos, de fazer atendimento e registrá-los dentro do sistema. São pessoas que estão tendo aproximações agora com os movimentos sociais, a partir da minha relação com os movimentos. Já eu lido mais, em alguns casos, no acompanhamento das manifestações, como está a situação de resposta aos manifestantes, lido com as articulações internas e com os movimentos sociais. É ainda uma equipe muito pequena, mas elas são parceiras, têm muita vontade de aprender, inclusive, em relação aos movimentos, mas o foco do trabalho delas é com a parte interna da Ouvidoria.
Dentro da Defensoria existem vários Núcleos, e aí o assistido ele vem porque ele tem um processo na Defensoria. Às vezes é uma reclamação, às vezes é entender o que tá acontecendo, às vezes são pessoas que são mal atendidas por algum servidor da Defensoria… Aí a gente registra tudo, tanto registra presencialmente, como por outros canais, como o WhatsApp, e-mail, pelo FalaBr. E aí a gente faz esse registro no fluxo e a gente vai identificar para quem vai aquela demanda do reclamante, se é para um Núcleo ou para um profissional especificamente. Identificado, o próximo passo é encaminhar a uma manifestação e aguardamos a resposta. Às vezes é uma resposta satisfatória, às vezes não é, às vezes não há resposta. Daí a equipe da Ouvidoria faz uma avaliação, nos reunimos uma vez por semana para entender como vamos nos posicionar como Ouvidoria. Enquanto Ouvidora, eu intervenho junto aqueles profissionais ou Núcleos que não emitem uma resposta. Me reúno com o Chefe dos Núcleos, faço visitas para identificar como é aquele espaço físico, escuto as necessidades de algumas profissionais e, a partir disso, elaboramos relatórios internos sobre as situações, dizendo da necessidade e acompanho os retornos que vão acontecendo.
Em relação aos movimentos, eu acompanho as pautas e, a partir do diálogo, avaliamos juntos para qual Núcleo encaminhar as demandas e eles orientam qual a melhor maneira de encaminhar o processo. Neste trabalho de Ouvidora eu atuo como ponte.
SOS Corpo – Dentre as ações previstas pela Ouvidoria para 2025, tem o Seminário aberto para movimentos sociais que visa o fortalecimento dos Direitos Humanos. Como surgiu a iniciativa?
L.B – Como eu faço esse trabalho de ponte e estou aqui dentro da Instituição, eu observo que algumas coisas que a gente luta enquanto movimento social a gente poderia protocolar, institucionalmente, dentro do Sistema de Justiça, algumas pautas nossas, fazer ampliar cada vez mais para dentro do estado de Pernambuco. Então, ao longo deste período que estamos na Ouvidoria, avaliamos a necessidade dos movimentos se aproximarem da Defensoria, de ter um momento de diálogo, de sentar os movimentos sociais com a Subdefensoria das Causas Coletivas e compreender o funcionamento. Dentro das Causas Coletivas estão habitação, saúde, territórios, direitos humanos, entre outros. O Seminário se chama “Subdefensoria das Causas Coletivas da Defensoria Pública fortalecendo os Direitos Humanos”, e vai ser o momento onde a Subdefensoria possa mostrar o trabalho e a partir disso, os movimentos sociais irem entendendo melhor o funcionamento deste órgão do Sistema de Justiça, de tirar dúvidas e compreender como ele pode contribuir para a efetivação de políticas públicas e a garantia dos Direitos Humanos.
É claro que um seminário não vai suprir a necessidade dos movimentos, mas este momento vai possibilitar o diálogo, o contato para marcar uma agenda para conversar, trazer as pausas dos movimentos para dentro da Defensoria. A gente convida a todos os movimentos sociais a estarem presentes para escutar e perguntarem, provocar ações. A Defensoria pode convocar audiências públicas, por exemplo. Então, eu acho que é um bom caminho para os movimentos sociais também pautarem suas lutas por aqui. Eu acho que o seminário é um passo importante e ele só acontece agora, porque, de alguma forma, a Ouvidoria existe dentro da Defensoria para conseguir mover aqui dentro algumas coisas. Porque não basta só trazer o movimento, era preciso mexer internamente, minimamente, para que o movimento chegasse com suas pautas e fossem acolhidos, como devem ser acolhidas. Agora é o momento oportuno para isso. [fim]
O Seminário Subdefensoria das Causas Coletivas da Defensoria Pública fortalecendo os Direitos Humanos deve acontecer em janeiro de 2025.
