O Colóquio, promovido pelo SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia, aconteceu em Recife nos dias 13 e 14 de março de 2024.
* |Texto de Lara Buitron | Fotos: Lara Buitron|
Em dois intensos dias de discussão, a confluência de saberes teve como intuito reunir organizações e pesquisadoras feministas acadêmicas e não acadêmicas, que estudam sobre o mundo trabalho e/ou têm preocupação com a dimensão de gênero, raça e classe em sua produção do conhecimento. Preparamos essa troca movidas pelo profundo desejo de contribuir na (re)conexão da atuação do movimento feminista com quem pesquisa, avançando assim na construção da práxis feminista.
No contexto atual, onde o trabalho precarizado e o desemprego crescem vertiginosamente, enquanto o neoliberalismo constrói novas ferramentas de fortalecimento da precarização da própria vida, nos é exigido que façamos parte do processo de fortalecimento da luta em torno das relações sociais que se criam a partir do trabalho, tendo em vista ainda o grande desafio que é que pensar o cuidado como dimensão central da dinâmica econômica. A perda constante de direitos, aliada à virtualização e aceleração do mundo, não tem nos permitido elaborar conjuntamente, parar e pensar sobre como o capitalismo tem agido em nossas vidas é essencial para pensar formas de combatê-lo.
Dialogamos com mulheres do norte, nordeste, centro-oeste e sudeste, cisgêneras e transgêneras, negras, brancas e indígenas, heterossexuais, bissexuais e lésbicas, professoras, pesquisadoras, sindicalistas e trabalhadoras diversas, compreendemos que tecer conexões dialógicas entre essas diversidades é essencial para a melhor compreender a situação das mulheres brasileiras no mundo do trabalho. É apenas a partir da ampliação de nosso pensamento que podemos ter uma leitura da complexidade da vida das mulheres.
A partir deste diálogo, o Colóquio indicou algumas problemáticas e suas razões, a pandemia de COVID-19, inclusive, foi identificada como um elemento importante no aprofundamento da precarização da vida e, consequentemente, do trabalho. A aceleração do processo de virtualização das relações ocorrida durante o período de quarentena aumentou os níveis de desemprego, reforçando o empreendedorismo como saída possível, ao mesmo tempo que aumentou a oferta de cargos de trabalho extremamente precarizados e baseados em uma ideia de produtividade acelerada do mundo virtual (o caso dos motoristas e entregadores de aplicativos, em sua imensa maioria, jovens negros). A ideia de corpo-máquina se atualiza em tempos de empreendedorismo.
Com o isolamento social e a obrigatoriedade de permanecer em casa com restrições sérias de contato social, a violência e o trabalho de doméstico – que sempre sobra para as mulheres – se intensificou radicalmente. A situação trabalhista de muitas trabalhadoras domésticas também foi modificada, muitas que tinham carteira de trabalho assinada foram demitidas e readmitas na condição de Microempreendedoras Individuais (MEI), perdendo seus direitos trabalhistas e tornando-se diaristas. A partir dessa reflexão podemos entender que a precariedade se tornou um modelo, a perda de direitos com a implantação da ideia meritocrática de que basta empreender, ter força de vontade e se esforçar mais que todo mundo, sendo o sofrimento e sacrifício necessários para uma “vitória” na vida, foi implantada com sucesso em nossa sociedade.
Enquanto as mulheres cisgênero, principalmente as mulheres negras e pobres, têm vivido um retrocesso tremendo em relação às condições de trabalho e ao acesso de seus direitos, a realidade das mulheres transgênero e travestis é ainda mais cruel. Excluídas do mundo do trabalho, que é extremamente transfóbico e violento para a população trans como um todo, mas especialmente com as mulheres trans e travestis, que permanecem com o trabalho sexual como setor principal de empregabilidade e sustento. A luta de nossas companheiras é, ainda, para serem consideradas sujeitas de direito, humanas, que possam acessar a cidadania e que têm direito à vida, luta esta muito ingrata em tempos de fundamentalismo crescente.
O crescimento das igrejas neopentecostais nos territórios e a influência do fundamentalismo cristão dentro do Estado fortalecem a ideologia meritocrática do neoliberalismo. É a partir do desamparo estatal, da falta de políticas públicas e, principalmente, pela falta de condições de se sustentar que as pessoas procuram as igrejas, que se colocam como salvadoras, mobilizando a vida afetiva, religiosa e trabalhista das pessoas, em uma nítida estratégia de dominação de corpos e mentes.
Raça, gênero e classe são categorias estruturantes de nossa sociedade, logo também estruturam o mundo do trabalho, é impossível pensá-lo no Brasil ignorando os 500 anos de exploração do trabalho escravizado dos povos indígenas e das pessoas trazidas sequestradas de África, ou seja, é impossível pensar na estruturação das categorias do mundo do trabalho brasileiro ignorando a história do trabalho escravizado, do racismo e da colonização. Por isso é essencial, para pensar horizontes para além do capitalismo, a construção de um conhecimento antirracista, antissistêmico e feminista que esteja comprometido em revolucionar e quebrar a ordem de forma crítica.