O SOS Corpo foi uma das organizações que construíram a atividade autogestionada autônoma, que apresentou críticas ao encontro de líderes do G20, que se reúnem agora em novembro na capital fluminense.
Texto: Fran Ribeiro | Fotos: Analba Brazão
Aconteceu nesta quinta-feira 14 de novembro, no auditório da Associação Brasileira de Imprensa – ABI, no Rio de Janeiro, a Cúpula dos Povos frente ao G20, articulação coletiva da sociedade civil brasileira, processo autônomo e crítico à agenda oficial da Cúpula dos Líderes do G20, evento que vai discutir a governança política mundial a partir do dia 18 de novembro, também na capital fluminense.
Com mais de 1000 pessoas inscritas, a Cúpula dos Povos Frente ao G20, articula nacionalmente mais de 60 coletivos, grupos, organizações e movimentos sociais de todo o Brasil, processo que começou a ser construído em abril deste ano, através de Plenárias Nacionais e Grupos de Trabalho, entre encontros que aconteceram de maneira presencial e online.
A Cúpula deste ano vem com o tema “A vida acima do lucro: povos e natureza não estão à venda!”, para denunciar a responsabilidade dos países que compõem o G20 com relação à fome, às guerras, à catástrofe climática e à exploração do trabalho e da natureza. O SOS Corpo é uma das organizações da sociedade civil que está construindo a Cúpula desde abril, criando coletivamente estratégias para incidir nas pautas da agenda oficial dos líderes do G20, que vão firmar acordos internacionais que orientarão a economia global dos próximos anos.
“As discussões na reunião dos presidentes líderes do G20 vão girar em torno de três eixos principais: governança global, combate à fome e mudanças climáticas; e nós que estamos construindo a Cúpula dos Povos, queremos denunciar as falsas soluções que serão propostas nesta reunião, pois continuam sendo pensadas a partir da perspectiva neoliberal, racista e patriarcal, que não considera a realidade concreta das pessoas em seus territórios, nem a diversidade dos povos”, destacou Daniela Rodrigues, educadora do SOS Corpo e representante do Instituto na organização da Cúpula dos Povos Frente ao G20.
Às críticas a falta de diálogo entre governos e sociedade civil se dá, principalmente, pelas políticas neodesenvolvimentistas adotadas pelos líderes mundiais, que vem impondo uma relação destrutiva com a natureza e seus recursos finitos, sem absoluta responsabilidade com as vidas do planeta, nem com gerações futuras.
“Por isso, vimos nesta construção da Cúpula dos Povos Frente ao G20, considerando que essa nossa articulação faz parte de um processo que está articulado com outras iniciativas importantes que estão em curso, como a Cúpula para a COP30 e as Marchas das Mulheres Indígenas e das Mulheres Negras, que pautam, como nós, uma agenda comum para povos do campo, da cidade; da terra, das águas; do norte ao sul de nosso país, no esforço coletivo de enfrentar as políticas de austeridade da macroeconomia capitalista mundial”, reforçou a educadora do SOS Corpo.
A ação do SOS Corpo soma-se a ação política feminista de outras organizações, sujeitos políticos do movimento feminista nacional, a exemplo da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB). A crítica feminista construída por dentro da Cúpula, se ancora no entendimento de que não há superação das desigualdades produzidas pelo capitalismo, sem o enfrentamento às estruturas que auxiliam na sua manutenção no tempo, o racismo e o patriarcado, que articulados, impõem impactos profundos na vida das mulheres, populações negras, quilombolas, ribeirinhas, indígenas, LGBTQIAPN+, das cidades, campos e florestas, que historicamente, já vivem em situações precárias de vida e experimentando profundas desigualdades e vulnerabilidades sociais.
O contexto das mudanças climáticas e soluções para mitigar os efeitos são pauta certa no G20, a ser apresentadas pelo governo brasileiro. Nela há a sugestão de que iniciativas privadas, via agências de cooperação, podem ajudar a resolver o problema, sem apresentar um Plano de Governo com protocolos e mecanismos de controle deste modelo neodesenvolvimentista e sem demarcar a importância de um Estado forte, através da construção de políticas de enfrentamento à crise climática. Os impactos dos efeitos destruidores desta crise serão sentidos por pessoas que já se encontram em situação de maior vulnerabilidade em suas comunidades e territórios, onde a maioria maciça da população é negra e de mulheres.
“Falar de crise climática é interpelar para o feminismo antissistêmico, onde trazemos pro centro a dimensão do racismo ambiental para entender por que são as mulheres negras as mais impactadas com essa crise – segundo a Agência Brasil, 31,8% das mulheres negras de nosso país não conseguem trabalhar, por serem designadas aos cuidados com crianças, idosos ou pessoas com deficiência de suas famílias, enquanto a cada 10 mulheres chefes de família, 6 são negras. Seja no trabalho produtivo ou reprodutivo, esse modelo de desenvolvimento capitalista que será discutido no G20, explora muito mais os corpos das mulheres negras”, salientou Daniela Rodrigues.
Ainda de acordo com Daniela, a Cúpula dos Povos frente ao G20 é uma atividade autogestionada e autônoma que vem propor um debate ideológico amplo, em que a vida real das pessoas está no centro do debate, levando em conta as dimensões econômicas, os territórios, as desigualdades estruturais de raça, gênero e classe, para construir uma plataforma que comunique nossas lutas que, apesar de coletivas, são diversas e diferentes.
“Há tempos o feminismo trouxe para o debate público a vida privada, apontando que as relações de poder entre homens e mulheres, interseccionadas pelo racismo e patriarcado, dentro de uma sociedade capitalista de classes, se utiliza de nossos corpos para manter sua estrutura de dominação e opressão sobre sobre nós mulheres”, reforçou a educadora.
Quando surgiu a Cúpula dos Povos?
A primeira Cúpula dos Povos no Brasil aconteceu paralelamente à Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente, a ECO-92, também no Rio de Janeiro, em 1992. Movimentos sociais, redes, coletivos e outros sujeitos políticos da sociedade civil que historicamente não eram consultados em processos oficiais, se articularam para apresentar uma plataforma de propostas e de reivindicações a partir de suas realidades concretas, compartilhando seus acúmulos e saberes na relação com os ecossistemas e biomas do planeta. Outro processo de Cúpula dos Povos aconteceu em anos seguintes, como a Cúpula dos Povos contra a ALCA, em 1998 e a Cúpula frente a Rio+20, em 2002.
O que é o G20?
A Cúpula dos Líderes do G20 acontece nos dias 18 e 19 de novembro de 2024 na cidade do Rio de Janeiro e vai reunir lideranças de 19 países membros: África do Sul, Austrália, Arábia Saudita, Argentina, Alemanha, Brasil, Canadá, China, Coréia do sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia, além de lideranças da União Europeia e da União Africana.
É neste espaço que Chefes de Estado e de Governo aprovam acordos que foram negociados ao longo do ano, e definem caminhos para lidarem com desafios globais. Em 2024, o governo brasileiro preside a reunião do G20 e em 2025, será o anfitrião da COP30, que acontecerá na cidade de Belém, no Pará.