A ausência de ação do governo federal e do planejamento eficaz dos governos estaduais e municipais não permitiram que o país tivesse um controle mínimo da disseminação do coronavírus. Com a pressão capitalista por uma reabertura precoce dos serviços não essenciais, uma nova questão tem gerado angústia a milhares de mães e suas crianças: a falta de segurança para a retomada dos trabalhos e das aulas presenciais.
Por Verônica Pedro*
Para nós, mulheres e mães negras periféricas, as que conseguiram trabalhar de maneira remota nesses meses de distanciamento social, pensar o retorno aos postos de trabalho tem nos causado insônia e até pesadelos. No início da quarentena a aflição era organizar o tempo pra estabelecer uma rotina entre o trabalho remoto, os serviços domésticos e a maternidade.
Foram meses de adaptação a um novo cotidiano em que nos deparávamos com as limitações das ferramentas de acesso ao trabalho e com o acúmulo das demandas diárias. Era uma situação de conciliar o tempo de trabalhar no computador, no celular, depois fazer a comida, lavar a roupa, em seguida limpar a casa e ainda tinha a hora de acompanhar as tarefas escolares e cuidar de minha filha, que também estava tendo sua vidinha alterada. Isso gerou alguns conflitos de arrancar os cabelos e de “pirar o cabeção” para encaixar as coisas aos poucos nesse cotidiano remoto, tentando manter, ao mesmo tempo, o juízo no lugar para lidar com tanta notícia ruim que chegava.
Hoje, enquanto seguimos nosso malabarismo diário com os acúmulos de todas as demandas e a maternagem, por vezes, me pego angustiada em pensar num novo desafio pela frente: o de encaixar o retorno ao trabalho – com toda sua precariedade em nossas vidas -, com o de organizar uma dinâmica que atenda às crias, que na nossa ausência, permanecerão em casa, já que as escolas seguem fechadas. Isso vai impactar na rotina já reorganizada delas, que já demonstram sintomas de ansiedade em pensar nesta possibilidade. Um exemplo disso é minha filha, que tem 11 anos, e que em uma conversa nossa, demonstrou com os olhos aflitos sua angustia e medo de não saber como ficará na minha ausência. Tento acalmá-la dizendo que encontraremos uma solução, mas confesso que a insônia tem feito morada sem eu saber qual a saída.
Como retomar ao trabalho se as escolas permanecem fechadas e as redes de apoio impossibilitadas de acolher devido a prevenção ao vírus? Com quem deixar e como garantir todas demandas domésticas durante a permanência no trabalho? Todas essas perguntas devem ser levadas em consideração para aquelas que têm filhas e filhos em idade escolar. Estudos comprovam que o plano de abertura das escolas em outros países precisou ser repensado. As escolas voltaram a fechar, por conta do aumento do índice de contaminação. Com certeza, aqui no Brasil não será diferente. Há muita incerteza e medo para mães das crianças que estudam na rede pública e na rede privada.
Nos preocupamos por elas estarem perdendo ano letivo, momento importantíssimo pra seu desenvolvimento, de crescimento e aprendizado, proporcionados pelo espaço escolar. Mas, por outro lado, a falta de garantias de um retorno seguro faz com que o medo de que elas contraiam o vírus seja enorme. Seja pelo deslocamento da casa para a escola no transporte escolar, ou, especialmente, se o deslocamento é realizado por meio de transporte público, serviço que foi ainda mais precarizado na pandemia. Há ainda a preocupação de como será a carga horária, se haverá redução de dias e/ou horários, e nos dias quando não houver aula, não teremos com quem deixá-las.
Sobretudo, para as mães que são trabalhadoras domésticas, trabalhadoras informais e as mães solo, que mais precisam da rede de apoio, formada por familiares ou vizinhas. Redes que não podem ser acionadas por conta das chances reais de contágio. O bem-estar da criança deve ser priorizado, as escolas não podem apenas reabrir como se fossem um retorno de férias escolares, porque não é! São mais de 150 dias de distanciamento social, estamos falando de algo novo que uma geração inteira nunca vivenciou, uma pandemia.
As crianças também estão com medo e ansiosas de como devem se comportar nesse retorno. De não se esquecer e abraçar alguém, com o cuidado de si e dos colegas para que não se contaminem. De não esquecerem das máscaras que precisarão usar todo período da aula, sem retirá-la. Elas também se preocupam como ficarão na volta pra casa, já que as mães estarão no trabalho. As crianças estarão totalmente vulneráveis na escola, nas creches e depois, ao voltar pra casa.
Algumas também se preocupam com as condições estruturais de suas escolas. Se antes nem água para beber tinha, o álcool em gel e a máscara vão ter disponíveis? Estão preocupadas e tristes com seu rendimento escolar, já que muitas estão em condições precárias, sem ter acesso a um computador e internet de qualidade para acompanhar as aulas virtuais, disponibilizadas tanto na rede estadual como na rede privada, prejudicando bastante seu aprendizado. Há toda uma nova rotina de regras a serem cumpridas e que não sabem se conseguirão.
Como fazer uma criança lembrar todas essas regras de prevenção, uma nova realidade que vão que encontrar no retorno às aulas? Por mais que se crie uma estrutura de segurança e acolhimento por parte das escolas não há garantia que as crianças não contraiam o vírus.
Sem segurança para nossas crias, voltar às aulas em plena pandemia do coronavírus é um crime! As aulas podem esperar, mas as vidas das nossas crianças não. Ao passarmos da triste marca de mais de 104 mil vidas perdidas pelo coronavírus no país, e das 105 mil pessoas infectadas no estado de Pernambuco, o debate e, sobretudo, a pressão dos estabelecimentos privados de ensino, deveria ser outro.
O retorno às aulas para a rede pública de ensino também precisa ser problematizada. É dever do Estado, através dos governos, garantir, antes do retorno, que as escolas tenham a estrutura mínima necessária para que as crianças e jovens possam ter acesso à água e sabão para realizarem os cuidados, bem como pensar e criar rotinas que aliem cuidados e informação como forma de diminuir os riscos de contaminação coletiva.
*Verônica Pedro é feminista negra, mãe solo, integrante do coletivo político-profissional do SOS Corpo. Militante do Fórum de Mulheres de Pernambuco/AMB e da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco.
Edição: Fran Ribeiro/SOS Corpo.