O que é e como atua a AMB

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 A AMB é uma rede cuja origem está no esforço de articulação do movimento de mulheres brasileiro no processo de preparação para a IV Conferência Mundial sobre a Mulher: Igualdade, Desenvolvimento e Paz, organizada pela ONU e realizada em Pequim (Beijing), em 1995. 

Tem, entre seus princípios, a definição de sua identidade feminista e o respeito à autonomia organizativa e política dos espaços organizativos que a constituem. Estes espaços são articulações em cada unidade da federação, chamados redes, fóruns, núcleos ou articulações. Eles congregam coletivos e grupos autônomos de mulheres, secretarias de mulheres de sindicatos e mulheres de outros movimentos mistos quanto ao sexo, ONGs feministas e mulheres não vinculadas à organizações. 

Inicialmente a AMB foi constituída como Articulação de Mulheres Brasileiras para Beijing, isto é, como um processo que visava a elaboração de um documento do movimento feminista no Brasil e preparação das representantes do país para a Conferência nas Nações Unidas. Ao voltar da Conferência de Beijing, a posição majoritária foi pela continuidade da AMB, tendo como objetivo fazer o monitoramento, no Brasil, da Plataforma de Ação de Beijing. Para algumas se tratava de acompanhar o que seria feito para implantação das deliberações da ONU no país, para outras seria necessário um intenso processo de mobilização para exigir do Estado brasileiro o estabelecimento de direitos e as políticas públicas necessárias para cumprir a Plataforma de Beijing. 

Os últimos anos da década de 1990 são, para a AMB, um momento difícil de articulação. São feitas algumas reuniões nacionais, momentos de debates sobre as pautas das mulheres nas políticas públicas, mas não há uma grande participação e mobilização dos agrupamentos estaduais, alguns dos quais se fragilizaram, funcionando esporadicamente por ocasião das atividades do dia internacional da mulher, 8 de março, e outros seguiam construindo suas lutas locais, distanciados do movimento em âmbito nacional. Havia feministas ligadas à AMB atuando no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) e em espaços internacionais do movimento, e também construindo diversas elaborações sobre os direitos e as políticas para mulheres. Este momento de baixa capacidade de articulação nacional constitui-se como uma crise na AMB, que passa a ser superada a partir de 2000.

Em 2000, a AMB promoveu um balanço nacional das políticas públicas federais, e definiu entre suas prioridades a luta contra o racismo, demarcando relação especial com o movimento de mulheres negras, entre as alianças com outros movimentos. A partir daí, a AMB se engajou no processo preparatório à Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância (ONU, Durban, 2001), e passou a visibilizar, cada vez mais, seu compromisso e identidade com a luta feminista antirracista.

No bojo da crise, a AMB decide articular uma grande aliança com o intuito de construir uma plataforma própria das mulheres brasileiras, a partir da qual poderia se dirigir autonomamente frente ao Governo e à sociedade em defesa dos direitos. Daí surgiu a Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras. Esta conferência elaborou a Plataforma Política Feminista, a referência geral de projeto político da AMB.  Articularam-se reuniões nacionais amplas, com representações de todos os Estados e de todas as articulações movimentalistas de mulheres que desejassem participar; construiu-se uma carta de princípios e um roteiro básico que subsidiaram o processo de debates em todos os cantos do país; e realizaram-se conferências estaduais em 25 dos 26 Estados da federação e no Distrito Federal, totalizando uma participação de 5.212 mulheres, muitas das quais eram participantes de grupos populares locais. Da conferência nacional participaram 1.395 mulheres escolhidas nas conferências estaduais. Além da AMB, estiveram envolvidas na comissão organizadora nacional outras nove articulações nacionais. Esta Conferência, organizada autonomamente pelo movimento, anterior às Conferências organizadas pelo governo para discutir políticas públicas, é um marco importante na história do feminismo no país.

A AMB segue incentivando os agrupamentos de mulheres nas suas lutas no plano local, e articulando algumas pautas feministas no plano nacional. Destaca-se, nas duas últimas décadas, o enfrentamento da violência contra as mulheres; a luta pela legalização do aborto; a mobilização crítica da reforma da previdência social, a incidência sobre o orçamento público federal e a elaboração do Plano Plurianual (PPA) do Governo Federal; a crítica ao modelo de desenvolvimento, além da participação ativa nas Conferências de Políticas Públicas para Promoção de Igualdade Racial, na Conferência de Direitos Humanos e na Conferência de Saúde. 

Segundo a Carta de Princípios da AMB, aprovada em 2008, na reunião do Comitê Político Nacional, em Itaparica, na Bahia, são princípios organizativos da AMB: Unidade na diversidade, democracia interna e diálogo, articulação e livre adesão como método de organização das lutas feministas na AMB e nas lutas coletivas organizadas com outras redes e articulações do feminismo e do movimento de mulheres brasileiro e internacional.

Nacionalmente, a AMB tem como espaços organizativos e de governança as Plenárias Nacionais anuais e a Coordenação Nacional. São também espaços nacionais a Coletiva de Comunicação e as Coletivas por Frente de Luta. As Frentes de Luta indicam as lutas prioritárias e são organizadas em âmbito nacional por um grupo de militantes de vários estados. São oito: Legalização do aborto, Democratização do poder; Trabalho e previdência, Políticas públicas para mulheres, Contra o racismo e o etnocentrismo, Enfrentamento à violência contra as mulheres, Por justiça socioambiental, Contra a lesbofobia. A cada Plenária que se realiza se define quais serão as lutas prioritárias no próximo período.

O sentido de pertencimento das integrantes dos agrupamentos locais à AMB não é generalizado em todos os estados em função das diferenças existentes. Estes agrupamentos estão organizados apenas em 12 a 17 Estados. Este número varia de acordo com o momento conjuntural e com a diversidade de tipos de organizações que participam em âmbito local. O modo de organização local também é diversificado. Há aqueles agrupamentos que estão articulados em grande parte do território do Estado e outros que se restringem às capitais e áreas metropolitanas. Há uns que congregam poucas pessoas e organizações/coletivos/grupos e outros que têm mais de 50 grupos participantes. Alguns têm funcionamento permanente, com um encontro periódico de planejamento e avaliação e reuniões periódicas para reflexão e organização das ações do movimento, mas há também os que funcionam em momentos de pique do movimento nacional, como o dia 8 de março ou na preparação das Conferências Nacionais de Políticas Públicas, por exemplo.

A partir de 2005 a AMB percebeu a necessidade de constituir um espaço mais amplo de engajamento da militância que se afinava com o seu modo de atuação e suas pautas políticas, daí a criação do Encontro Nacional – ENAMB. Ocorreram dois encontros nacionais, em 2006 em Goiânia reunindo cerca de 800 participantes, e em 2011 em Brasília com pouco mais de  700 participantes. “O Encontro Nacional da AMB é um espaço plural e diversificado, não confessional, não governamental e não partidário. Sua metodologia de construção e realização orienta-se pelo respeito à diversidade das práticas e expressões políticas do feminismo, o respeito à necessária articulação entre os saberes populares e acadêmicos presentes entre as mulheres, e também pelo compromisso com a reflexão crítica feminista e a construção coletiva do conhecimento” (AMB, 2006).

A AMB é composta por mulheres trabalhadoras, majoritariamente negras e pobres. As informações que passamos a apresentar sobre o perfil socioeconômico das integrantes da AMB foram coletadas na reunião do Comitê Político Nacional da AMB em maio de 2014, em Recife, com a presença de 61 mulheres de 17 fóruns de estados da federação. Em relação ao quesito raça/cor, formulado em questão aberta, apenas 24,6% se declarou branca. 

Tomando como referência a forma de classificação do IBGE, somando todas que se declaram pretas, pardas ou negras, isso resulta em um total que corresponde a 67,2% das participantes do comitê político nacional da AMB. Entendemos que o racismo é estruturante nas relações sociais que organizam a sociedade brasileira, portanto também o é nos movimentos sociais, o que significa, entre outras coisas, a dificuldade de acesso de pessoas negras às instâncias diretivas nas organizações políticas. Em função disso, podemos inferir que as participantes da AMB, no âmbito dos agrupamentos locais, são, sem sombra de dúvida, majoritariamente pretas e/ou pardas na cor, ou seja, negras quanto à identificação racial. 

A composição de classe presente na AMB é nitidamente classe trabalhadora, porém majoritariamente com mulheres de classes populares, que vivem da venda da sua força de trabalho e têm condições de moradia e modos de vida muito precários. 11,5% das mulheres, que responderam, tinham renda mensal inferior a um salário-mínimo ou se encontravam sem renda; 23% tinham uma renda entre um e dois salários-mínimos e 27,9% na faixa entre dois e quatro salários-mínimos. Apenas 32,8%, aproximadamente, 1/3 das mulheres que responderam ao questionário, tinham renda própria superior a quatro salários-mínimos. 

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