Entre a diversidade e a contradição: notas sobre a 5ª Conferência Nacional de Política para as Mulheres

Nove anos depois aconteceu a 5ª CNPM e o SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia esteve presente em Brasília entre os dias 29 de setembro e 01 de outubro.

| Texto e Fotos: Lara Buitron | Revisão: Fran Ribeiro |

A volta da Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (CNPM), depois de um hiato de quase dez anos, é fruto do esforço do governo Lula em recuperar a política de participação social. Diferente dos anos anteriores, esse ano o Ministério das Mulheres e o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher adotaram uma metodologia vinda dos movimentos sociais, as Conferências Livres. Além de ajudar a construir e ampliar espaços de discussão, debates e mobilização sobre as políticas públicas, as Conferências Livres, pela primeira vez, puderam eleger delegadas que representaram os movimentos e coletivos de mulheres do Brasil inteiro. 

Foram essas delegadas que garantiram a diversidade da 5ª CNPM, que se refletiu nos poucos espaços de discussão política, garantindo a qualidade das propostas aprovadas. O SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia refletiu sobre o impacto da presença dessa diversidade de mulheridades no artigo de Carmen Silva, Lara Buitron e Maria Betânia Ávila “Diversidade em movimento: o feminismo das mulheres organizadas na 5ª CNPM”.


Pouco antes da abertura oficial a Ministra das Mulheres, Márcia Lopes, deu entrevista para a imprensa e destacou a importância de colocar em prática a lei de igualdade salarial, afirmando que o Presidente Lula compreende este como um dos pontos prioritários de avanço: 

O presidente Lula nos cobra muito que a lei de igualdade salarial tem que sair do papel, tem que ser aplicada por todo o setor privado, por todos os empregadores privados e públicos. E por isso, esse ainda é um desafio, nós temos que chamar todas as lideranças empresariais, vamos fazer uma reunião com o Conselhão, vamos chamar as centrais sindicais, vamos tentar mobilizar todas as lideranças dos parlamentares, os Governadores, os Prefeitos e Prefeitas, para que a gente, de fato, coloque essa lei em prática. Já avançamos, mas ainda temos muito o que avançar.

Também afirmou a necessidade do Estado intensificar o combate a violência contra as mulheres, destacando que a democracia é derrotada a cada feminicídio notificado, mas entendendo a luta contra a misoginia e o machismo como responsabilidade de toda a sociedade em articulação com as mulheres organizadas. 

A programação teve ares de seminário acadêmico, o primeiro dia contou com a abertura oficial do evento, com a presença do Presidente Lula e de outras autoridades, entre elas representantes do ministérios e secretarias do Governo Federal. Em um acertado gesto do Ministério das Mulheres, foram os movimentos de mulheres que começaram os trabalhos no plenário. A abertura contou com quatro companheiras representantes de importantes Marchas e mobilizações de mulheres no Brasil: Cátia Vieira, representante da Marcha de Mulheres Negras; Melissa Vieira, da Marcha das Margaridas; Josy Kaigang, da Marcha de Mulheres Indígenas; Bruna Benevides, pela Marcha da Visibilidade Trans; e Janaína Farias, representando a Marcha de Lésbicas e Bissexuais de São Paulo. 

Abrir os trabalhos dando visibilidade e voz à diversidade de mulheres que se movimentam nacionalmente deu o tom geral da CNPM, a diversidade presente no plenário também estava presente no microfone. Um destaque importante foi à fala de Bruna Benevides, que defendeu a diversidade de identidade de gênero nos espaços de participação social, defendeu cotas em concursos públicos para mulheres trans e travestis e o acesso ao aborto legal. Vale destacar que essa foi a única vez que se falou sobre aborto durante esse primeiro dia.

Em seguida foi exibido um emocionante vídeo da Presidenta Dilma Rousseff, que desejou a todas uma ótima Conferência, destacando a importância do espaço, como marco de um momento de retomada da participação social das mulheres, após o retrocesso desde o golpe:

Essa Conferência é mais do que um espaço de debate, ela é a expressão viva da democracia participativa. Foi assim em 2004, 2007, 2011 e 2016, quando realizamos as primeiras Conferências Nacionais, que ajudaram a construir políticas públicas que mudaram vidas, fortaleceram direitos e abriram caminhos de igualdade. Este encontro, quase dez ano depois, tem uma força ainda maior porque superamos um período de retrocessos, de violência política e de ataque contra as conquistas democráticas

Logo depois foi o tão esperado discurso do Presidente Lula, que reconheceu as mulheres como seu maior eleitorado, compreendendo que a força das mulheres sustenta o país. Também falou sobre como a misoginia da direita é mais do que ódio, é, principalmente, medo e afirmou: “o autoritarismo não só odeia as mulheres, ele teme as mulheres”, pois é a organização política das mulheres que ameaça a hegemonia da extrema direita.

O Presidente também sancionou três importantes projetos de lei: o PL 386/2023, que altera a CLT para prorrogar a licença-maternidade em até 120 dias após a alta hospitalar do recém-nascido e de sua mãe; o PL 8213/1991 para ampliar o prazo de recebimento do salário-maternidade; e o  PL 853/2019, que acrescenta ao calendário oficial a “Semana Nacional de Conscientização sobre Direitos das Gestantes”, a ser celebrada anualmente em 15 de agosto.

A tarde o painel “Políticas Públicas e ações para as mulheres do Brasil” contou com grandes desfalques das convidadas que constavam na programação oficial, as Ministras Margateh Menezes, Gleici Hoffmann, Marina Silva e Simone Tebet não participaram, porém foram garantidas as falas das presentes, Anielle Franco, Macaé Evaristo, Luciana Santos, Esther Dweck e da própria Ministra das Mulheres, Márcia Lopes, que falou acompanhada por Terezinha, companheira do movimento de mulheres quilombolas. As falas das Ministras foram muito potentes, houve a apresentação das políticas desenvolvidas em seus ministérios e análises sobre a situação das mulheres brasileiras. Porém apenas as Ministras Luciana Santos e Macaé Evaristo saudaram o movimento feminista, localizando sua importância não só para a luta por direitos no país, mas também para a história do processo de participação política brasileiro.

Apesar das presenças importantes, há um questionamento que deve ser levantado sobre a escolha de apenas Ministras mulheres estarem presentes, a ausência de Ministérios comandados por homens. As mulheres são metade da população, todas as políticas públicas são importantes para elas, afinal é o Estado brasileiro que deve garantir os direitos das mulheres e não apenas os Ministérios onde elas ocupam cargos de poder. As mulheres também precisam de políticas de trabalho, comunicação, saúde, pesca, agricultura, enfim, todas as políticas públicas desse país deveriam ser pensadas para as mulheres.

O segundo dia de CNPM foi dedicado à discussão política, porém o método foi pouco participativo, no turno da manhã aconteceram painéis temáticos e à tarde foram as discussões das propostas de fato. Nos painéis temáticos, convidadas deram palestras para as mulheres, com pouco espaço para a fala de quem assistia o debate, mesmo assim foram garantidas algumas inscrições após as palestras, que demonstraram a vontade das mulheres de dialogar sobre os diversos temas. Foram o total de 12 painéis, cujos os temas se relacionavam com a organização das propostas que seriam discutidas pela tarde, entre eles “Trabalho, renda, poder e cuidado: caminhos para a autonomia econômica das mulheres”, “Democracia e soberania na perspectiva da emancipação das mulheres” e “A política de saúde e a garantia de direitos para as mulheres”.

Maria Betânia Ávila, pesquisadora e co-fundadora do SOS Corpo, foi painelista na mesa “Trabalho, renda, poder e cuidado: caminhos para a autonomia econômica das mulheres”, onde dialogou sobre as dividões do mundo do trabalho, o processo de autonomia econômica das mulheres e sua a ligação com construção da autoestima e de si, sobre a ideia de jornada intermitente e trabalho reprodutivo e de cuidados, refletiu sobre a importância da luta contra a jornada 6×1 e como o capitalismo rouba o tempo. Confira aqui a palestra completa:

No turno da tarde se deu a discussão das propostas, mas o tempo foi reduzido por conta da mobilização para um ato organizado pelos movimentos feministas, que aconteceu no final da tarde. Mesmo com a limitação de tempo foi bonito ver o comprometimento das delegadas, que seguraram a discussão e só finalizaram os grupos com as propostas aprovadas para serem votadas na manhã seguinte, o grupo de trabalho sobre violência política, por exemplo, só terminou às 21h.

Bonita também foi a “Caminhada das Mulheres por mais Democracia, mais igualdade e mais conquistas!”, que levantaram as insígnias da legalização do aborto, contra a anistia bolsonarista, contra a jornada 6×1 e por justiça social e democracia. A Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto se fez presente com um enorme bandeirão com os dizeres “Direito ao nosso corpo, legalizar o aborto”, além dos gritos de desordem que agitaram as ruas de Brasília. Joluzia Batista, coordenadora da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) fez uma fala potente no carro de som, saudando os movimentos e a volta da CNPM depois de um período tão terrível da nossa história. A fala na íntegra pode ser vista aqui:
https://www.instagram.com/p/DPPgGtEji3N/

Foi no dia seguinte, o último dia de Conferência, que as propostas dos grupos de trabalho foram votadas. A metodologia era simples e funcionou bem, cada delegada ganha na entrada um dispositivo parecido com uma calculadora e deveria apertar a tecla 1 para aprovar a proposta e 2 para não aprovar. Cada grupo de trabalho apresentou suas propostas em blocos de três, cada bloco era votado completo, caso algum bloco de proposta fosse desaprovado pelo plenário abria-se a discussão, porém não foi necessário, já que todas as propostas foram aprovadas por maioria simples. A adoção do dispositivo foi uma novidade muito positiva, além de acelerar o processo de contagem, garantiu que não houvessem constrangimentos, já que os votos foram secretos.

O documento oficial com as propostas aprovadas ainda não saíu, se destacaram duas propostas de legalização do aborto e o fim da jornada 6×1, entre outros avanços políticos importantes, mas é bom lembrar que a CNPM tem caráter consultivo, ou seja, ela não decide o rumo das políticas públicas para as mulheres, ela sugere ao Governo Federal o caminho, indicado pelo conjunto da sociedade civil e das representações estaduais, que acha que as políticas públicas para as mulheres deve tomar. Além do clássico documento de propostas, foi anunciado que o Ministério lançará uma plataforma que concentra as 3.021 propostas, resultantes das 980 Conferências Livres e as 27 Conferências Oficiais organizadas pelos governos estaduais.

Quer saber mais sobre o que o SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia pensa sobre participação política? Confira as propostas organizadas pelo Instituto em sua Conferência Livre “Trabalho e Democracia na vida das mulheres”, a Leitura Crítica de Carmen Silva e Natália Cordeiro “Participação feminista para garantia de direitos” e o artigo de Carmen Silva “Participação Social: Dilemas da Retomada”

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.