Depois de quase 10 anos sem acontecer, a Conferência Nacional de Política para as Mulheres acontece em sua 5ª edição, entre os dias 29 de setembro e 1º de outubro, em Brasília – DF. Saiba mais sobre a visão e ação política do SOS Corpo nas CNPM.
|Texto Lara Buitron – Comunicação SOS Corpo |
Durante o processo de abertura política os movimentos sociais brasileiros se empenharam em participar do processo da Constituinte, o que possibilitou que a Constituição de 1988 oportunizasse a criação de ferramentas de participação popular, assim como ampliou os mecanismos de democracia participativa, os Conselhos e Conferências. Paralelamente a instituição das duas ferramentas o Estado estava em disputa, o projeto neoliberal de diminuição de poder estatal seguia em pleno avanço, o que causou um dilema para a sociedade brasileira: ao mesmo tempo em que o Estado transferia suas responsabilidades para a sociedade civil, era preciso que ela incidisse nos espaços de formulação de políticas sociais.

Nos dois governos do Presidente Lula e no governo da Presidenta Dilma, tivemos uma aprimoração das ferramentas, inclusive foi no Governo Dilma que foi proposto um Sistema de Participação Social, que foi duramente combatido por Eduardo Cunha e serviu também de combustível para o golpe de 2016. Nos governos Temer e Bolsonaro os instrumentos de participação social foram dizimados, Bolsonaro diminuiu de 700 para 50 os números de Conselhos, retirando o pouco controle social que sobreviveu a Temer.
Apesar da participação social como entendemos hoje ser fruto da mobilização dos movimentos sociais, não significa que o funcionamento dos Conselhos e Conferências seja perfeito, pelo contrário. O movimento feminista, ainda antes do golpe de Temer, já tinha profundas críticas à forma como eles estão estruturados e como funcionam. Entre as críticas há o fato de que não há recurso investido nesses espaços de participação para garantir seu funcionamento, muito menos que garanta o deslocamento e manutenção das conselheiras e conselheiros, a centralização de poder nas figuras técnicas e a instrumentalização desses espaços pelos órgãos públicos e o fato destes não serem espaços, de fato, deliberativos. Os Conselhos e as Conferências têm status consultivo, o que significa que essas ferramentas não garantem o funcionamento das Políticas Públicas construídas a partir dos debates internos. Para entender mais sobre a crítica do movimento feminista ao modelo de participação social atual leia o artigo de Carmen Silva “Participação Social: Dilemas da Retomada”
O governo Lula III tem feito um esforço contínuo para recuperar as ferramentas de controle social, incluindo fóruns, conselhos e conferências, no sentido de democratizar a construção das políticas públicas. Já durante o processo de transição o debate sobre política de participação social foi reavivado e foi criado o Conselho de Participação Social, que mapeou quais os mecanismos haviam sobrado e, a partir disso, foi possível saber quais foram as verdadeiras consequências dos anos de retrocesso.

Parte desse esforço resulta na 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (CNPM), convocada pelo Ministério das Mulheres em parceria com o Conselho Nacional de Direitos da Mulher, a última CNPM ocorreu há quase dez anos atrás, em 2016. E nesse ano o Governo Federal aderiu a uma metodologia dos movimentos sociais, que surgiram como críticas às Conferências Oficiais: as Conferências Livres, que ampliam e estimulam a construção de espaços de discussão, são deliberativo e independentes, dispensam uma cartilha oficial de metodologia e, pela primeira vez, as conferências livres vão eleger delegadas oficiais. Você pode ler um pouco mais sobre as reflexões do Instituto na nossa Leitura Crítica: Participação feminista para garantia de direitos, escrita por Carmen Silva e Natália Cordeiro.
Apesar das muitas críticas ao modelo atual de participação foi pensando nesse momento do mundo, onde a extrema direita tem se fortalecido, ancorada no neoliberalismo, que quer o fim do Estado e dos direitos, e do fundamentalismo cristão que tem ocupado o Estado e os serviços públicos para pautar o discurso de ódio dentro dos espaços democráticos, que o SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia entendeu que era muito importante chamar sua própria Conferência Livre. Elas ampliam e ajudam a construir espaços de discussão, debates e mobilização sobre determinada área da política pública, aproximando mais a discussão das pessoas.

A Conferência Livre das Mulheres do SOS Corpo “Trabalho e Democracia na vida das Mulheres” aconteceu no dia 06 de agosto, na sede do Instituto e contou com a participação de 75 mulheres de diversos movimentos e coletivos, entre eles, o Movimento Nacional de Cidadãs Posithivas (MNCP), a Associação Espaço Mulher de Passarinho, o Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Pernambuco (SINDOMÉSTICA) e o Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Teto (MTST). O propósito foi dialogar sobre “Trabalho e Democracia na vida das Mulheres”, a partir de uma perspectiva feminista, considerando a divisão sexual do trabalho, a precarização do trabalho das mulheres e seu impacto no acesso ao direito de uma vida digna.

Para isso, o Instituto convidou Maria Betânia Ávila, pesquisadora e uma das fundadoras do SOS Corpo, para abrir o debate sobre trabalho na vida das mulheres. Após a fala foram divididos três grupos que debateram propostas em cima das propostas sobre trabalho que saíram das Conferências Livres do Fórum de Mulheres de Pernambuco e da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco. A partir dessa discussão foram construídas e aprovadas três propostas:
1. Esta Conferência Livre propõe que Estado brasileiro construa um plano interministerial que garanta trabalho digno e renda para as mulheres que vivam em condições de pobreza, em especial para mulheres jovens; em situação de rua; vivendo com HIV; negras e indígenas; lésbicas; trans e travestis; e agricultoras rurais e urbanas.
2. Entendemos que esse plano precisa ser pensado a partir de uma reforma fiscal que garanta justiça tributária e uma política nacional de renda básica como definido pela Legislação Federal, destinando recurso para políticas de saúde pública, respeitando os princípios da reforma psiquiátrica e com ênfase na reestruturação da saúde mental das mulheres e ampliação do acesso a práticas integrativas.
3. Compreendemos que o plano precisa considerar, em especial, a capacitação das mulheres em agroecologia (agricultura urbana, periurbana e rural, quintais produtivos, farmácias vivas, produção artesanal, comércio e serviço urbano) e letramento digital pleno. É essencial que o plano construa, especialmente, uma política de geração de renda para mulheres jovens sem acesso ao mercado de trabalho.
Também elegemos duas delegadas para a Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, que acontecerá na semana que vem, entre os dias 29 de setembro e 1º de outubro. Representando o SOS Corpo estarão Natália Cordeiro, pesquisadora e educadora do Instituto, e Thamiris Vieira, militante do MTST, também elegemos como suplente a companheira, também do MTST, Danielly Félix.

Apesar de entender a importância desse momento de retomada da discussão e dos instrumentos de participação social e estar se preparando para a incidência na CNPM, foi grande a decepção quando foi divulgada a programação da Conferência. O Governo Federal decidiu seguir uma metodologia que esvazia as possibilidades de discussão política, adotando um modelo “painelista” por dois dias, enquanto a discussão em grupo acontecerá em apenas um turno. Entre as palestrantes está Maria Betânia Ávila, pesquisadora do SOS Corpo, que fará uma fala no Painel 2: Trabalho, Renda, Poder e Cuidado: Caminhos para a Autonomia Econômica das Mulheres. Confira aqui a programação oficial da 5ª CNPM.
Para acompanhar a 5ª CNPM sigam o SOS Corpo – Instituto Feminista no instagram, @soscorpo.feminista, estaremos cobrindo a Conferência inteira pelo storys, nos acompanhe nas redes!