Alerta à sociedade brasileira: a violência segue o crescimento da misoginia, precisamos reagir!

Os dados apresentados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública constataram que a violência contra as mulheres, sobretudo os casos de feminicídio, registraram o aumento de 1% em 2024, em relação ao ano anterior. Essa tendência violenta vai na contramão da redução indicada no Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, que traz uma análise profunda sobre as mortes violentas no Brasil registradas em dados oficiais.  

As medidas protetivas às vítimas de violência doméstica têm se mostrado insuficientes como um aparato de prevenção ao feminicídio. De acordo com a publicação, as 121 mulheres que foram assassinadas em 2023 e 2024 estavam com medidas protetivas contra seus agressores. Fazendo uma análise sobre este contexto, a pesquisadora da área de violência contra as mulheres e educadora do SOS Corpo, Analba Brazão, reflete sobre a apatia e a pouca eficiência do Estado brasileiro, a partir de seus entes federados, em implementar políticas públicas efetiva que combatam todo o ciclo de violência contras as mulheres. 

Este fato é um ponto nevrálgico e o principal causador da impunidade, que faz com que os homens, na grande maioria companheiros e ex-companheiros das vítimas, sigam violentando e violando mulheres sem serem responsabilizados. A punição não é a única forma de combater a violência e o movimento feminista tem alertado isso há muito tempo. Está mais que na hora do problema da violência ser de toda a sociedade e não apenas das mulheres. Leia abaixo a análise de Analba Brazão. 

Por Analba Brazão*

O Fórum Nacional de Segurança Pública (FNSB) divulgou no último dia 24 de julho o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, e nos deparamos, mais uma vez, com os dados alarmantes sobre violência contra as mulheres no país.

Revolta? Sim. Surpresa? Nenhuma. Os dados escalam. Mas os feminicídios e as medidas protetivas solicitadas são inúmeros há tempos, e o que percebemos, historicamente, é uma sociedade apática, silenciosa, que, salvo diante de raros casos midiatizados, não expressa qualquer indignação.

Nós, feministas, certamente continuamos na luta por estratégias de resistência e para que esta violência não seja naturalizada. Precisamos, agora, voltar a clamar pelo mínimo: maiores vestígios de indignação na população. 

Nossa meta: a sociedade brasileira precisa se indignar. Precisa se juntar a nós, do movimento feminista, em reações e ações. Nós estamos há décadas buscando transformar esta realidade, no entanto, se observamos que o machismo continua a nos violentar, e extrapola nos matar, precisamos repartir a responsabilidade por lutar.

As ações e reações começam pelo reconhecimento da manutenção e multiplicação das estratégias patriarcais, pela adesão a pautas históricas que reconheçam o direito ao corpo e à vida das mulheres. Lutas por políticas públicas que reconheçam desigualdade de gênero, raça e classe. Entretanto, na contramão do aumento dos dados e na supressão das lutas feministas, percebemos a expansão dos discursos de misoginia. Por que tanto ódio a nós mulheres? E como acirrar a luta antipatriarcal em meio a isto? 

Uma das respostas pode estar no crescimento do antifeminismo, que tem contribuído para este expressivo aumento da violência de gênero em todas as suas dimensões. Estes crimes demonstram o quanto o machismo está enredado na nossa cultura e que esta manutenção e avanço da violência é a expressão da combinação das ideologias conservadoras, machistas e misóginas estruturais.  Fomentadas por dispositivos de controle do poder e invisibilizadas por uma sociedade apática e cada vez mais conservadora no que diz respeito aos direitos das mulheres. 

De novo, os dados divulgados mostram que, todos os dias, ao menos 4 mulheres são assassinadas no Brasil. Só em 2024, foram 1.492 feminicídios. E, destes, 64% das vítimas eram mulheres negras.  Em 10 anos, foram 14 mil mulheres mortas. Só em 2024, o Brasil registrou 83 mil casos de estupros de meninas e mulheres, um a cada seis minutos.  Cabe lembrar o que não podemos esquecer de dizer: estes dados sempre são subnotificados. E com a cultura de misoginia, isto tente a se acirrar.  Pois a sensação é de que por mais gritantes, a sociedade está anestesiada diante de uma campanha simbólica pela deslegitimação de um esforço político histórico em reconhecer mulheres como vidas.  

Sabemos que muitas mulheres, além das marcas emocionais, ficam com sequelas físicas. Também precisamos retomar o debate sobre o desamparo dos órfãos dos feminicídios. Estes precisam de políticas públicas de proteção e acolhimento, para seguirem a vida adiante, depois de tanta tragédia. 

Muito importante também termos estes dados sistematizados de forma mais crítica. As mulheres assassinadas têm nomes e sobrenome. Elas perdem as suas vidas, sua memória é dizimada e, ao mesmo tempo, famílias inteiras permanecem dilaceradas, desestruturadas e com marcas emocionais profundas, sobretudo as crianças e adolescentes envolvidos/as. 

Há 19 anos, aprovamos a Lei Maria da Penha, um grande avanço para a luta pelo fim da violência contra as mulheres no Brasil. A medida protetiva de urgência foi um grande avanço, no entanto, necessita urgentemente de uma melhor fiscalização e de mecanismos de proteção assegurados e efetivos para estas mulheres que estão sob o risco de morte. 

Só em 2024, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública registra, 555.001 medidas protetivas foram concedidas, no entanto, cerca de 100 mil destas medidas foram descumpridas e que E resultaram no assassinato de 121 mulheres. Elas não estavam mais convivendo com os agressores. E acionaram os mecanismos legais de proteção. Mais de uma centena de mulheres padeceu de ineficiência institucional. 

Isto demonstra o quanto o Estado falha em garantir a vida das vítimas de violência. E o quanto a certeza de impunidade, assegurada pela mentalidade social e pela inconsistência política, segue matando.

Pernambuco é o estado do Nordeste que tem índice mais alto de feminicídio. É também o que mais mata mulheres trans e travestis. De janeiro a julho deste ano, 49 mulheres foram assassinadas em território pernambucano. Ultrapassando em mais de 100% o índice de 2024. 

Foram registrados, em 2024, 614 estupros e 14.076 casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres, ou seja, em torno 156 casos por dia. E nós sabemos que este não é o número real, apenas o registro dos casos notificados. Muitos casos de estupro e de violência doméstica não são denunciados. 

No dia 29 de julho, ocorreu mais um assassinato de uma mulher que também estava com medida protetiva de urgência. Mais uma vez, o Estado falhou. Uma das 10.906 que solicitaram Medida Protetiva de Urgência em PE.

O crescimento destes pedidos evidencia que as mulheres têm saído de um lugar de sujeição e tomado coragem de reagir, por outro lado, é necessário que o Estado também reaja e cumpra a sua parte. Que a população reaja. 

Que proteja as mulheres, fortaleça as políticas públicas existentes e invista em políticas de prevenção. É esta a luta do movimento feminista hoje. É este o principal objetivo da Campanha Nacional Pelo Fim do Feminicídio, Lesbocídio e Transfeminicídio: lutar por uma prevenção concreta, que realmente salve estas mulheres.

Este alerta é para reafirmar que a violência contra nós mulheres não é um problema só de nós mulheres, é um problema social. Precisamos, juntos e juntas, combater, construir novas estratégias e dizer também que continuaremos na luta. Queremos todas vivas!  

“A violência contra a mulher, não é o mundo que a gente quer”. E nós não vamos arredar o pé! A violência não vai nos represar!

*Analba Brazão – Mestra em Antropologia, é pesquisadora e educadora no SOS Corpo, militante do Fórum de Mulheres de Pernambuco, Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, Articulação de Mulheres Brasileiras e Articulacion Feminista Marcosur. É autora de vários livros, entre eles: Nunca você sem mim, com sua dissertação de mestrado, e Violência Contra as Mulheres, da Série Formação Política do SOS Corpo.

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