28S: Atos em todas as capitais denunciam criminalização das mulheres e pedem legalização do aborto no Brasil

O dia de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e Caribe é organizado pela Frente Nacional. A organização está inserida em processos de luta no campo popular, no judiciário e legislativo. 

Publicado originalmente pela Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto

A luta pela descriminalização do aborto ganhou manchetes de jornais brasileiros por conta do voto favorável à causa pela presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministra Rosa Weber, que se aposenta amanhã, dia 28 de setembro. A data é um marco para o movimento feminista, celebrado nas ruas desde 1990. O Dia da Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e Caribe foi instaurada no 5º Encontro Feminista Latino-americano (EFLAC), que ocorreu na Argentina e definiu esse dia de luta a partir da sugestão de grupos feministas que sentiam a necessidade de visibilizar a situação do aborto na região e gerar conscientização.

A coordenadora geral do Grupo Curumim, Sula Valongueiro, explica que desde 1990 esse é um dia que as feministas demarcam a luta pela autonomia de nossos corpos e pela tomada de decisão consciente e responsável sobre a reprodução. “Somos um país onde mulheres e meninas vivem abuso e o estupro em seu cotidiano, onde os métodos contraceptivos não estão acessíveis para todas, onde não existe uma política de educação sexual nas escolas”, defende Sula. Segundo os dados da 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2022 foram 74.930 estupros, com 56% das vítimas com idade até 13 anos. Dados do SUS apontam que mais de 17 mil garotas foram mães em 2021, a maioria  meninas negras e pobres. “A legalização do aborto no Brasil é uma questão de justiça social e reprodutiva, de saúde pública e de autodeterminação  e cuidado com a vida das meninas e mulheres”, argumenta Sula. 

Ato realizado em Recife. Mulheres levantam bandanas verdes e roxas numa parada de ônibus. Atrás delas um prédio recebe uma projeção com uma foto de manifestação onde mulheres carregam a faixa com os dizeres: “Nenhuma mulher deve ser presa, maltratada, humilhada por ter feito um aborto”.
Foto: Fran Ribeiro (SOS Corpo)

O 28 de setembro no Brasil foi marcado por atos de protestos contra a criminalização de mulheres e meninas que recorrem ao aborto e em defesa das ativistas que defendem os direitos sexuais e reprodutivos. Eles aconteceram em todos os estados brasileiros nos quais a Frente Nacional pela Contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto (FNPLA) está organizada. A FNPLA articula 80 organizações espalhadas por todas as regiões do país. Além disso, 14 Frentes Estaduais fazem parte da estrutura da articulação nacional e são responsáveis pelos protestos em cada cidade. 

O 28 de setembro tem uma importância grande para o movimento porque, com uma data unificada de luta, é possível mobilizar a atenção do próprio campo feminista e da sociedade civil, e, com isso, possibilitar análises e balanços sobre como andam as conquistas e derrotas nessa área de efetivação dos direitos das mulheres. A socióloga e militante da Frente Pernambucana, Silvia Camurça explica que a luta feminista pelo direito ao Aborto tá rolando em três arenas importantes da política. “Tá rolando nas ruas, com manifestações das feministas, mas também do campo conservador;  tá rolando no poder Judiciário e tá rolando no Congresso Legislativo”, ressalta. A socióloga analisa que, apesar de ter iniciado positivamente a proposta de descriminalização no Judiciário, as bancadas conservadoras do Congresso Nacional tentam aprovar a criminalização total do aborto através do Projeto de Lei Estatuto do Nascituro ou através da transferência do poder de decisão para um plebiscito. Isso significa que a luta pela legalização do aborto está hoje em outro patamar. “Só de olhar a situação da América Latina, vemos que mesmo havendo avanços institucionais, legislação normativa garantindo os direitos reprodutivos, a implementação dessas leis segue com uma tremenda resistência”, aponta. 

Atos em todo o Brasil

Em Brasília, um ato popular fez a cidade amanhecer com um bandeirão verde na rodoviária. Várias feministas estão no Distrito Federal para visibilizar a causa também dentro do Congresso Nacional e houve também um ato norturno, na frente no Museu Nacional. Na cidade de São Paulo, a chamada é para ocupar o Masp e a avenida Paulista; no Rio de Janeiro a mobilização aconteceu às 17h no Buraco do Lume, na Praça Mário Lago e também onde fica localizada a Estátua da Marielle Franco. A Frente pela Legalização do Aborto do Espírito Santo (FLAES) fez panfletagem e venda de lenços, além de diálogos com a população numa ação conhecida como Banquinha de conversa pela legalização do aborto.  Em Curitiba, o protesto foi às 18h na Praça Santos Andrade, na escadaria da UFPR. Em Santa Catarina, a Frente contou com apoio da Marcha Mundial de Mulheres para confecção de instrumentos que foram usados na batucada do ato pela legalização no Largo da Alfândega. A frente pernambucana pela legalização do aborto fez ato ao final da tarde, no centro da cidade do Recife. Em Fortaleza teve BLITZ  na Av. 13 de maio, Benfica. Em Manaus o ato foi realizado no Largo São Sebastião, às 17h30. A Frente Pará Pela Legalização do aborto produziu um aulão em praça pública sobre justiça reprodutiva, também no final da tarde. Em Belo Horizonte, a Frente LegalizaMG fez a banquinha de diálogo pela descriminalização do aborto e, depois da tarde inteira de diálogos, realizaram um ensaio aberto e ato performático com o grupo Clandestinas e 8M. Ambas atividades aconteceram na Praça da Estação.  Em Juiz de Fora as mulheres organizaram duas panfletagens e um ato unificado , cuja concentração vai acontecer às 17:30  em frente ao Banco do Brasil do calçadão da Halfeld. 

Lutar não é Crime

A principal preocupação da Frente Nacional hoje é a criminalização social da vivência sexual das mulheres. São diversos os casos em que mulheres, meninas e pessoas que gestam sofrem omissões e violências institucionais ao buscam o acesso ao aborto legal e seguro, sendo privadas do acesso à informação e impedidas de acessarem o procedimento com base em barreiras não autorizadas por lei. Ainda, pessoas com complicações de aborto e emergências obstétricas são maltratadas e até mesmo denunciadas à polícia por profissionais que deveriam assegurar-lhe acolhimento e atendimento humanizados.

Assistente Social e Conselheira no Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), uma das organizações que compõem a Frente Nacional, Emily Marques explica como a criminalização atinge até mesmo as profissionais dos serviços de atendimento a mulheres vítimas de violência: “Reiteramos que ocorre muita perseguição aos profissionais que encaminham efetivamente a população na perspectiva de garantia de direitos humanos. A intimidação se volta principalmente, àquelas trabalhadoras que, nas diversas políticas sociais, orientam sobre os direitos sexuais e reprodutivos. Elas têm a sua competência técnica deslegitimada diante dos encaminhamentos necessários, seguros e legais”, denuncia a conselheira.

Recentemente a Frente Nacional lançou a campanha “Lutar não é crime” com a qual manifestou seu apoio e solidariedade às organizações, movimentos e defensoras de direitos humanos que têm sofrido tentativas de criminalização por atuarem na defesa e garantia do aborto no Brasil. Na campanha, a Frente denuncia o aumento da tentativa de criminalização dos movimentos, organizações e ativistas, que se dá através de intimidações, tentativas de silenciamento, e até mesmo uso abusivo de mecanismos judiciais para a perseguição. As instituições do Estado têm levado adiante processos de criminalização, sendo necessária novamente a atuação de nossas organizações, movimentos e ativistas para cessar essas ofensivas. “Recentemente vimos as perseguições contra jornalistas, profissionais de saúde e advogadas que atuaram no caso da menina de SC. Uma CPI voltada a criminalizar o acesso ao aborto legal foi aberta e concluída de forma absolutamente ilegal, inconstitucional e contrária a tratados de direitos humanos assinados pelo Brasil. Também assistimos a tentativas de criminalizar o debate democrático sobre a descriminalização do aborto, inclusive com a submissão de defensoras do direito ao aborto legal a investigação tão somente por exercerem a defesa democrática desde direito fundamental para mulheres, meninas e outras pessoas que gestam”, diz a nota.

Elisa Aníbal, representando a Articulação de Mulheres Brasileiras, denuncia a criminalização das defensoras de direitos reprodutivos em Audiência com o Conselho Nacional de Direitos Humanos. Ela está sentada numa mesa com outras mulheres da Frente Nacional e atrás delas se vê um banner verde escrito CNDH em branco. Foto: Guaraná (SOS Corpo)

Justiça Reprodutiva

É consenso na Frente Nacional que a luta pela descriminalização das mulheres e legalização do aborto precisa estar articulada com outros direitos. A partir desse entendimento o conceito fundamental de Justiça Reprodutiva abrange a ideia de que todas as pessoas, independentemente de sua origem, classe social ou etnia, devem ter acesso igualitário a cuidados de saúde reprodutiva de qualidade e à liberdade de tomar decisões informadas sobre seus corpos e reprodução. Isso significa que tanto a maternidade como aborto são parte da mesma situação problemática que estão submetidas as mulheres, que hoje sofrem violência nos serviços de saúde, violência obstétrica, tanto no parto quanto no aborto, se sentindo sozinhas e abandonadas em ambas os momentos.

A proteção à maternidade é uma falácia, usada como uma propaganda de mercado ou como subterfúgio jurídico para maquiar legislações que propõem a institucionalização da tortura, ao formular a tese de direito a vida desde a concepção e as tentativas de proibição ao acesso ao aborto até mesmo em casos de violência sexual, como é o caso do Estatuto da Gestante, apelidada pelo movimento feminista de Estatuto do Estuprador, pois previa o pagamento de um auxílio financeiro para a mulher estuprada que decidisse seguir com a gestação. A FNPLA defende a garantia das políticas de saúde reprodutiva no país para as mulheres que desejam maternar ou abortar, de acordo com decisão delas próprias, entendendo que a maternidade e o aborto não serão realmente livres enquanto as condições de gestar, criar filhos e evitar engravidar não estiverem plenamente asseguradas pelo Estado. 

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