Feminismo para as mulheres indígenas


Texto: Rosimery Teles, Valéria Paye Pereira e Maria Gavião, do povo Arapaz

Como se dá a relação de subordinação das mulheres indígenas e suas sintonias com as outras sociedades (brancos)? É certo o argumento da cultura para justificar as relações de subjugação das mulheres nas sociedades indígenas? Existe relação de poder, subjugação, nas sociedades indígenas?

As evidências se diferenciam de acordo com as práticas culturais de cada povo indígena. Cada povo tem suas formas internas de se organizar socialmente, porém desde a década de 1970, início da criação das primeiras organizações indígenas, as mulheres indígenas, de forma complementar, fizeram parte do movimento de mulheres para fora.

Com o tempo as mulheres indígenas foram sentindo necessidade de serem sujeitas nas lutas e também reivindicar direitos que dizem respeito à vida das mulheres e foram construindo o espaço político das organizações somente de mulheres. A partir da influência do movimento de mulheres e do feminismo do campo popular.

Recentemente, na roda de diálogo “Movimento Feminista e de Mulheres: conquistas e desafios no contexto atual”, com indígenas da região norte do Maranhão, do povo Guajajara (Tenetehara), a fala das companheiras mulheres indígenas era recheada de sentido feminista, na essência da palavra, de sentido de emancipação.

Existe um sentir feminista entre as mulheres indígenas.

Não é à toa que estamos nos libertando da condição de sujeitas da complementariedade do movimento indígena misto e construindo, a duras penas, as organizações de mulheres indígenas, o espaço político específico que possibilita a reflexão de gênero entre as mulheres indígenas e de luta por direitos iguais.

Nós temos a nossa articulação regional, União de Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira – UMIAB. Fazemos parte do EQMAN como mulheres latino-americanas e através de parcerias do movimento amazônico. Hoje os espaços que a gente conquistou com as nossas lutas são espaços primeiros dentro de nossas comunidades, a mulher tem voz. Isto não é generalizado ainda, mas em algumas comunidades a mulher tem voz ativa, já é liderança, é cacique, já é agente de saúde, assume o papel de professora. Então essas questões básicas são fundamentais para que a mulher entenda e ocupe o espaço dentro de sua comunidade. A partir daí se torna mais fácil que essa mulher saia do seu contexto local para uma realidade maior, em nível nacional e internacional, isto é importante.

No nosso ponto de vista, referente ao feminismo, a princípio, a nossa luta foi para ter acesso a nossa participação nas discussões políticas dentro do próprio movimento indígena dentro das comunidades, para garantir que a própria mulher seja e faça a defesa dos seus direitos. Recentemente, quando a maioria das mulheres começa a entender a importância da sua participação no outro âmbito de discussão, nos níveis municipal, estadual e federal, foi preciso que mais mulheres indígenas se empoderassem e se apropriassem de mais discussões. Então, foi muito lento o crescimento da participação das mulheres indígenas porque primeiro precisamos ter o domínio, entendimento de tudo o que é discutido em nível nacional, regional e local. Nosso entendimento indígena, nosso modo de vida e a nossa realidade são diferentes. Foi necessário primeiro nós aprendermos a ver com mais cuidado como é que as coisas funcionam fora de nossas aldeias, saber as responsabilidades de governos…

Mulher indígena no 14º Acampamento Terra Livre, realizado em Brasília, em 2017. Foto: Mídia NINJA/Mobilização Nacional Indígena

Com as mulheres, a gente discute amplamente: a questão ambiental, a questão territorial, a questão da sustentabilidade dentro de nossas terras; a segurança alimentar, a segurança mesmo contra a violência externa. Tudo isto nós temos discutido. Assim muito pouco ainda nós estamos conversando referente ao feminismo. Mas aumentar a participação das mulheres foi sempre importante. Foi necessário que pelo menos uma ou duas mulheres de cada comunidade pudesse ter esse interesse de sair de suas aldeias e começar a participar das discussões maiores sair do local, participar das discussões de políticas. Foi necessária a nossa
participação como mulheres indígenas.

Como em qualquer sociedade, no nosso mundo indígena existe violência, existe machismo, existem diferentes formas de inserção da mulher indígena no movimento indígena para discussão e participação política. Mas nos temos tido um pouco de cuidado porque nós sabemos que primeiro a gente tem de ter participado em todas essas discussões, dominar os assuntos, entender e valorizar nossas parceiras com outras mulheres, que em nível nacional nos lidamos com várias especificidades de vários povos aqui no Brasil, e isto nos tem ensinado a valorizar as diferentes estruturas e diferentes pontos de vista sobre cada realidade de cada povo indígena. Isto tem sido muito importante. Mas sempre conversamos assuntos referente às mulheres indígenas principalmente num contexto das mulheres indígenas das comunidades indígenas, dentro de suas terras, fora de suas terras e também no contexto urbano, porque a maioria das mulheres também residem nas áreas urbanas, nas áreas metropolitanas das grandes cidades.

Somos poucas ainda, mas a gente precisa chamar mais mulheres e fazer com que elas tenham interesse de se inserir nessas discussões. Assim a gente pode avançar nessa caminhada, nessa luta como mulher indígena.

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