Em mais uma etapa do intercâmbio Labora, o SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia recebeu a companheira Lucileide Mafra do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos, Arrumadores e Camareiros dos Municípios de Belém e Ananindeua do Estado do Pará (SINTDAC/PA).
|Texto: Lara Buitron | Revisão: Fran Ribeiro, Daniela Rodrigues e Rivane Arantes|
O primeiro dia do intercâmbio caiu justamente no dia das (os/us) namoradas (os/es), dia 12 de junho, que (não por acaso) foi também nossa “sala de reboco” feminista, com a Ação Cultural Feminista – Amores Subversivos. A companheira, Lucileide, recepcionada pelas coordenadoras do SOS Corpo Fabiana Alencar e Rivane Arantes, chegou bem na hora da roda de diálogo sobre o amor que subverte as normas do patriarcado e floresce em liberdade, seguido do Forró Feminista de Amanda Ganimo.
Já no dia 13 de junho, Lucileide pôde conhecer melhor a sede do SOS Corpo, onde foi possível intercambiar e compartilhar sobre as formas de atuação, incidência e ação política do Instituto e do Sindicato, os contextos locais, os desafios e as formas de luta coletiva. Esse diálogo sobre as origens, dificuldades, horizontes políticos e formas organizativas do SINTDAC/PA e do SOS Corpo foi muito importante para trocar saberes, metodologias e perceber onde nos aproximamos no mesmo campo político, onde nos somamos na luta por direitos das mulheres.
“É um sonho de ter conhecido, ver de perto e vivenciar o trabalho do SOS Corpo. Como a Luísa Batista disse: ‘o SOS Corpo, o nome já diz tudo, é socorro, né? Então é o socorro dos movimentos, é o socorro dos diversos movimentos e coletivos de mulheres, né? Como ela mesmo falou, que o SOS Corpo tem um trabalho de parceria muito grande aqui com o sindicato e a questão das diversas áreas que vocês atuam como, de pesquisa tratando do feminismo, discutindo melhorais e qualidade de vida, direitos trabalhistas, direitos sociais, direitos de reprodução, feminista como um todo” – destacou a sindicalista.
Ainda no dia 13, no turno da tarde, aconteceu uma Audiência Pública na Câmara de Vereadores do Recife, chamada pela Vereadora Elaine Cristina (PSOL). O objetivo foi discutir a situação da comunidade de Passarinho, para tratar sobre os direitos básicos à saúde, mobilidade e educação. Passarinho é um bairro que está em área de litígio entre os municípios de Recife, Olinda e Paulista, e é justamente por isso que sua situação é tão complexa. Falta tudo: posto de saúde, ônibus, escola, creche etc. Reconhecidamente é o bairro mais pobre do Recife, conta com mais de 20 mil moradores/as, uma parte chegou no território após serem expulsos/as do Morro da Conceição na década de 1980, quando ele era pura mata fechada.
É a partir desse contexto que nasce a Associação Grupo Espaço Mulher de Passarinho, um grupo de mulheres, majoritariamente negras, que tocam a luta por direto à moradia e à cidade com o Ocupe Passarinho. O Ocupe nasce em 2015, pautando direito à moradia, em um momento em que mais de 5 mil famílias estavam sob ameaça de despejo, a partir da luta e organização da comunidade, reunindo a discussão política com ações de artivismo, construído principalmente pelas mulheres do Grupo Espaço Mulher. Quase 10 anos depois do primeiro Ocupe Passarinho a situação do bairro não melhorou muito, o despejo foi vencido, mas, a negação dos direitos básicos da população de Passarinho permanece.
Na Audiência foi possível apresentar Lucileide à Ediclea Santos, uma das lideranças do Grupo Espaço Mulher. Desse encontro, Lucicleide observou: “sua bandeira de luta é principalmente por questões básicas, porém, são essenciais para os moradores da comunidade de Passarinho, mas que o poder público faz questão de ignorar.” Nossa convidada paraense teve a oportunidade de conhecer não só a luta histórica das mulheres de Passarinho, mas também de conhecer vários outros coletivos feministas, do campo da defesa dos direitos humanos, do direito à cidade, além de outras associações e articulações, como a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, bem como suas formas e estratégias diversas de resistência que integram o feminismo e o movimento negro.
“é uma necessidade, a gente vê assim que não é cada um por si, ali nós vimos que é um por todos e todos por um, né? Os movimentos estavam ali muito conscientizados do seu papel na sociedade, de ver uma comunidade melhor para todos. E não de forma individual… e o importante é que essas pessoas acreditam nessa luta, acreditam em mudanças futuras, é por isso que elas estão aí, e para mudar essa realidade a gente precisa estar junto… tem uma frase que eu gosto muito que é assim: ‘se você quer ir rápido, vá sozinho, mas se você quer ir longe, vá junto’.” – reforçou Lucileide Mafra.
No último dia do intercâmbio, 14 de junho, realizamos uma atividade do SOS Corpo em conjunto com o Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Pernambuco cuja sede é no Recife. Começamos o dia com um café da manhã coletivo de boas-vindas, em seguida aconteceu uma roda de diálogo onde as trabalhadoras domésticas recifenses puderam falar sobre as dificuldades, desafios e enfrentamentos das trabalhadoras domésticas e do sindicato aqui, e escutaram um pouco sobre a situação das companheiras paraenses, a partir da conversa com Lucileide. Além da troca sobre a relação de ambos os sindicatos, a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD) e os movimentos e organizações parceiras (especialmente as feministas), em torno do funcionamento interno, da divisão de tarefas entre as diretoras, dos desafios organizativos etc., as companheiras também compartilharam os serviços que prestam às sindicalizadas e à sociedade em geral. O SOS Corpo também “bebeu” dessas fontes de conhecimento e experiência e pode, igualmente, compartilhar suas visões, modos de atuar em parceria e, os desafios da luta pelos direitos humanos em geral, e os direitos do trabalho em particular, para o conjunto das mulheres, em particular, nesse contexto de agudização da precarização das condições de trabalho e vida das mulheres.
“a experiência desse intercâmbio só vai enriquecer cada vez mais as nossas lutas e a luta do sindicato das trabalhadoras domésticas aqui de Pernambuco, não difere muito da nossa luta lá no Estado do Pará, a gente teve muitos avanços” – destacou Lucicleide.
Os desafios apresentados pelo SinDoméstica/PE não são tão diferentes das dificuldades apresentadas por Lucileide sobre o SinDomestica/PA, por ser um trabalho exercido dentro das casas há uma dificuldade grande de se acessar as trabalhadoras domésticas, transformando o próprio contato com elas e, consequentemente, a renovação das lideranças sindicais, bem como a realização dos direitos previstos na “equiparação de direitos”, um dos principais desafios da categoria. A fiscalização das condições de trabalho e da formalização dos acordos trabalhistas, assim como a própria fragmentação da categoria entre diaristas, cuidadoras e mensalistas, são também questões e elementos centrais nas dificuldades e/ou desafios das trabalhadoras domésticas organizadas, e que impactam na possibilidade de se fazer a luta.
No turno da tarde, ainda na sede do Sindicato, foi feita a oficina “Minha experiência como trabalhadora doméstica no mundo: o que eu digo às companheiras?”, a partir dos Roteiros para Pensar o Brasil com Lenira Carvalho, roteiros pedagógicos publicados pelo SOS Corpo em parceria com a Parabelo Filmes e o Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (CECULT-UFRB), com o apoio da Fundação Friedrich Ebert Brasil e Fundação Open Society. Ao longo da vida e da trajetória de luta de Lenira Carvalho, grande liderança das trabalhadoras domésticas brasileiras, ela elaborou um pensamento crítico profundo sobre a sociedade brasileira. Os roteiros pedagógicos, em conjunto com o livro “A luta que me fez crescer e outras reflexões” e, o documentário “Digo às companheiras que aqui estão”, também produzido pela Parabelo Filmes e SOS Corpo, têm o objetivo de espalhar o pensamento de Lenira e são convites para seguirmos pensando sobre o país, a partir do seu legado e do lugar que o trabalho doméstico ocupa na nossa sociedade. São doze roteiros temáticos para serem usados em sala de aula ou espaços de formação política que articulam o filme e o livro como recurso pedagógico, onde se apresenta o pensamento e a história de Lenira.
A oficina começou com a exposição do filme “Digo às companheiras que aqui estão”, seguida por uma conversa sobre o que se passou no documentário, destacando aquilo que mais chamou à atenção de todas. Esse momento tomou como referência a experiência pessoal de cada uma, seja no envolvimento com a luta das trabalhadoras domésticas, seja sobre o seu processo subjetivo de construção da consciência política.
Mais uma vez a experiência do intercâmbio do Fundo Labora foi muito rica, contribuindo para aproximar os sindicatos e as organizações parceiras do campo feminista, o próprio debate em torno do lugar da luta de classe e como ela também é constituída pela luta contra o patriarcado e o racismo, construindo pontes entre realidades e contextos distintos, colaborando ainda para ampliar as reflexões e saberes sobre a realidade do trabalho doméstico no Brasil, possibilitando assim, desenhar novos futuros para a permanência da luta coletiva.