Nenhuma de nós, nenhuma
Vai aguentar sozinha
Fiquem juntas!
É preciso procurar as outras
É preciso ser procurada pelas outras
Fiquem juntas!
Uma chora,
A outra enxuga
Outra cai
A uma levanta
Fiquem juntas!
Nenhuma de nós
Nenhuma
Vai aguentar sozinha
Precisamos mais do que nunca
Ter sempre uma mulher por perto.
Fiquem Juntas!Cidinha Oliveira
Era domingo, 10h da manhã e a sede do SOS Corpo já estava movimentada. O auditório do Centro Cultural Feminista começava a ser ocupada com a presença de diferentes mulheres que chegaram naquele dia 06 de outubro com as mais variadas vontades, mas uma em comum: estar juntas na resistência a partir da diversidade de suas existências. Era o início de um dia de artivismo, diálogos, afetos, feminismo e revolução.
Pode parecer utopia, mas é o sentimento da transformação que nos move. E foi a partir do entendimento da potência da arte como instrumento de revolução político-cultural que coletivos feministas de atuação em diferentes campos de luta na cidade de Recife se reuniram na ação #OcupaCCF, que marca o início de um novo momento do Centro Cultural Feminista do SOS Corpo, espaço inaugurado em 2011 e que tem o objetivo de ser um espaço aberto à criação de pensamento, de memória, de expressão de linguagens e de resistência política e cultural na cidade.
Com o tema “Artivismo para combater o fascismo” a ação organizada de forma coletiva e colaborativa pelas coletivas MULEsta, Pixegirls, Mulheres do Audiovisual de Pernambuco, Filhas do Vento, Slam das Minas PE e o próprio SOS Corpo contou com a presença de mulheres, homens, afeminadas, crianças e de outros coletivos que reafirmaram a importância da coletividade como forma de resistir aos avanços da política ultraneoliberal que tem mercantilizado cada vez mais nossas vidas, corpos, vivências e territórios no país. O #OcupaCCF foi uma atividade marcada pela ação política-cultural antirracista, anti-patriarcal e anti-capitalista.
“Essa ocupação articulou artesãs e afroempreendedoras da cidade, artistas visuais, poetisas, mulheres da música para fazer um artivismo de resistência, um artivismo feminista político militante contra o fascismo. Essa casa é um espaço público de todos, todas e de todes. É uma casa feminista e é um espaço aberto que acolhe, organiza e que luta pelos direitos das mulheres. Feminismo para nós é um movimento autônomo e coletivo, um movimento para a transformação. O Centro Cultural Feminista é um espaço para se expressar nesse momento em que o nosso direito de expressão está sendo desprezado. Estamos vivendo um período de muito autoritarismo no nosso país e que as forças que estão no poder tem tirado os direitos que foram conquistados com muita luta popular há muito tempo”, apontou Carmen Silva, que integra o SOS Corpo.
A importância do artivismo como potência de ação contra o fascismo foi também salientada por Flávia Clemente, que integra o coletivo Filhas do Vento durante a roda de diálogo que discutiu o tema da ação. Fascismo esse que tem se expressado nos últimos tempos em sua forma mais voraz, aliada a um fundamentalismo religioso que se expressa pelo ódio e pela caça aos direitos de existir de mulheres, pessoas negras, LGBTQIs, pobres. Para ela, mulher negra, o artivismo se potencializa quando ancorada pela ancestralidade. “No Brasil o fascismo assume algumas características, como o moralismo e um fundamentalismo religioso potente, que busca silenciar todas as diferenças e a perpetuação da diferença de classe, da diferença sexual, da diferença racial e étnica, e de gênero. Mas aí, habitando corpos ancestrais negros, a gente traz que a resistência é ancestral, pensando o artivismo como potência para enfrentar um contexto diante desses marcadores”, declarou Flávia.
Ancestralidade que se fez presente com as artes produzidas pela Feira das Mulheres Pretas. Coletivo que se reuniu a primeira vez no Encontro Estadual de Mulheres Negras de Pernambuco realizado em 2018, a Feira reúne atualmente 16 afroempreendedoras e artesãs integrantes de várias organizações e espaços autoafirmativos produzem e comercializam produtos e serviços relacionados à cultura negra, como artes, bijuterias, turbantes, roupas, calçados, cadernos artesanais.
Também fizeram parte da feira solidária as mulheres do grupo Espaço Mulher, do bairro de Passarinho, a exemplo de Evandra Dantas da Silva. Mulher negra e periférica, Vânia, como também é conhecida a artesã, trabalhou anos como doméstica. Na banquinha tinham camisas e bolsas produzidas pelo grupo que ela integra. Ela encontrou no artesanato uma oportunidade de ter uma nova forma de renda para enfrentar o desemprego. Foi quando aprendeu a costurar. “Na vida a gente vai aprendendo as coisas devagarinho, cada coisa a gente aprende de uma vez”, contou. “Feminismo pra mim é a gente tá sempre na rua lutando pelos direitos da gente. O povo acha que feminismo é a mulher ter cabelo no suvaco, mas não. Feminismo é ter todas as mulheres juntas e misturadas brigando por um objetivo só. O fortalecimento de uma pelas outras. E lutar pelos direitos da gente, né? E a gente tem direitos, e muitos. E que ultimamente a gente está perdendo todos”, falou enquanto trabalhava na costura de uma nova peça.
Em um governo ultraneoliberal e que está jogando muita gente no desemprego, piorando cada vez mais as condições do trabalho informal das mulheres, as mais atingidas pelo desemprego e pela precarização do trabalho, fortalecer os espaços que incentivem suas autonomias financeiras fazem parte da prática feminista antifascista, que questiona o modelo de empreendedorismo individualista reforçado pelo sistema capitalista, como aponta Lara Buitron, militante feminista da coletiva MULEsta.
“Acho que a gente está num processo de violência neoliberal onde é vendido o tempo todo uma falsa autonomia, especialmente num contexto de queda das leis trabalhistas e do aumento dos valores para o microempreendedor individual. O que a gente está tentando fazer aqui quando trazemos as mulheres para expor suas artes, seus produtos, suas comidas, o que elas fazem para sobreviver…acho que a gente vai de encontro a essa política do esquecimento mesmo, e que ali são pessoas que estão produzindo seus próprios produtos para sobreviver, não são empresários. Trabalhador não é empresário. E acho que esse processo de trazer elas para ocupar o espaço do Centro Cultural Feminista, onde tem uma circulação de público diferente, pessoas de vários lugares, somos coletivos de públicos muito diferentes, o que torna essa iniciativa muito interessante, na verdade, a gente está fortalecendo o processo de autonomia financeira mesmo, de se autogerir. Se a gente pode ajudar a nossa companheira a viver um pouco melhor a gente precisa fazer isso”, avaliou Lara.
Além da roda de diálogo e da Feira, a programação contou com espaço recreativo para crianças, oficinas, varal poético com poesias de Fran Nascimento (Coletivo Fora da Métrica-CE) , exposição das artistas visuais Nayara Alves (Nefertiti Arte Ancestal), Ianah Maia, Lia Letícia, Marcela Lins, Luiza Morgado (Zaz) , apresentações musicais de Ana Benedita, Cléa Santos, Mayra Clara, FemiGANG, intervenção poética do SLAM das Minas PE, e as participações da DJ Cris Cavalcante e da batucada feminista do Fórum de Mulheres de Pernambuco.
A existência desse governo coloca para nós a exigência de estarmos muito mais organizadas, articuladas, não só para o movimento feminista, mas para todos os movimentos sociais. A nossa resistência precisa ser junta. Precisamos estar juntas e juntas com todo mundo. É um momento de resistência – Carmen Silva.