O material tem o objetivo de contribuir com o fortalecimento do debate e da luta por Justiça Reprodutiva no Brasil.
|Texto e Fotos: Fran Ribeiro| Comunicação SOS Corpo
Foi lançado no último dia 05 de setembro, na sede do SOS Corpo, em Recife, o Mapa de Argumentos Feministas. Elaborado por educadoras do Instituto, o Mapa é uma ferramenta que tem o objetivo de contribuir com o fortalecimento do debate e da luta por Justiça Reprodutiva no Brasil.
O material político-pedagógico foi lançado durante a edição da Ação Cultural Feminista do mês de setembro, que teve como tema principal, o enfrentamento ao fundamentalismo no contexto das eleições municipais. O debate público contou com a participação de ativistas de diferentes movimentos e organizações que refletiram sobre o tema, aprofundando questões que permeiam o cotidiano das cidades diante do avanço da ideologia da extrema-direita, que se ancora no fundamentalismo religioso para manter sua hegemonia e estratégia para a disputa por mandatos legislativos e executivos.
As pessoas participantes destacaram também o perfil do público evangélico no Brasil e os desafios que os movimentos sociais em geral precisam enfrentar para fazer o diálogo com a comunidade evangélica, e apresentaram caminhos possíveis para construir essas pontes. Compuseram a mesa Denise Mascarenhas, do Católicas Pelo Direito de Decidir; Jackson Augusto, coordenador nacional do Movimento Negro Evangélico e militante da Coalizão Negra Por Direitos; Simony dos Anjos, da Rede de Mulheres Negras Evangélicas; e Jolúzia Batista, do CFEMEA. A educadora do SOS Corpo, Natália Cordeiro, fez a mediação do debate.
Mapa de Argumentos Feministas apresenta caminhos para conversar sobre Justiça Reprodutiva
Resultado do Diálogos por Justiça Reprodutiva, realizado em junho deste ano na cidade de Recife, o Mapa de Argumentos Feministas é uma construção coletiva. A partir de argumentos compartilhados no primeiro encontro, em que estiveram reunidas diversos sujeitos do movimento feminista de Pernambuco, mulheres de movimentos e organizações feministas, movimentos sociais em geral e pré-candidaturas do nosso campo político, para aprofundar reflexões e compreensões em torno do Justiça Reprodutiva.
Tendo como base o acumulado da luta por Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos no Brasil, o Diálogos teve como objetivo debater sobre a relação entre Justiça Reprodutiva e Executivo e Legislativo municipais, além de entender quais são os desafios para o enfrentamento do fundamentalismo. O Mapa de Argumentos Feministas foi feito para ser um instrumento de incidência política.
Oriundo do feminismo negro, o conceito de Justiça Reprodutiva é capaz de unir as lutas por justiça social e por direitos sexuais e reprodutivos, por partir da crítica à maneira como a discussão sobre direitos sexuais e direitos reprodutivos é feita em alguns países e setores dos movimentos feministas, que desconsideram as desigualdades de raça, sexualidade, classe social, por exemplo, provocadas pela interseccionalidade entre as estruturas de opressão como o racismo, o capitalismo e o patriarcado. São essas estruturas que constroem condições desiguais de escolha para as pessoas no que diz respeito às suas vidas e à reprodução. A luta por Justiça Reprodutiva pressupõe que a autodeterminação sexual e reprodutiva só poderá existir com o fim de todas as formas de desigualdade.
Argumentos Feministas e Justiça Reprodutiva na Vida Cotidiana: Como o Mapa se organiza
Diante de uma conjuntura política onde setores conservadores e antidemocráticos tem se estabelecido no poder público nos últimos anos, enraizados também nos territórios onde seus modos de atuação são, sobretudo, a partir do discurso “pró-vida” e “pró-família”, que vai de encontro à garantia dos direitos das mulheres, meninas e pessoas que gestam, o Mapa de Argumentos Feministas traduz como a luta por direitos sexuais e reprodutivos está atrelada a diferentes dimensões da vida cotidiana.
São aspectos sociais, econômicos e políticos que determinam as vidas das mulheres e pessoas que gestam e estão diretamente ligados à compreensão feminista de democracia, por envolver a garantia de direitos, como acesso a vagas em creches e escolas públicas, atenção integral e humanizada à saúde, políticas de distribuição de renda, direitos trabalhistas e previdenciários, moradia digna, saneamento básico, segurança alimentar, entre outras políticas públicas que estão sobre a jurisdição dos poderes Executivo e Legislativo.
De acordo com Talita Rodrigues, pesquisadora do campo dos direitos sexuais e reprodutivos e educadora do SOS Corpo, membro da equipe que coordenou o processo do Diálogos Por Justiça Reprodutiva junto com as também educadoras e pesquisadoras do Instituto, Maria Betânia Ávila e Natália Cordeiro, a partir do Diálogos realizado em junho, foi feito um mapeamento de como está a situação de vida concreta, quais são os principais elementos que tocam a Justiça Reprodutiva, mas que estão no cotidiano da vida das mulheres, meninas e pessoas que gestam.
A equipe então se debruçou sobre esses elementos e elaborou a metodologia do Mapa, que tem de um lado a Justiça Reprodutiva na Vida Cotidiana, onde estão os aspectos sociais, econômicos e outros elementos que compõem o cenário de um território, que pode ser qualquer município do Brasil. São elementos que foram centrais na discussão do Diálogos e que não são suficientes para alcançar a Justiça Reprodutiva mas, ao mesmo tempo, são condições para ela.
“Na construção dos argumentos, fomos fazendo a costura de que como, por exemplo, o direito à creche é tanto direito da criança como é direito das mulheres e responsabilidade do Estado, pensando a democratização do cuidado com as crianças, pensando que tendo um lugar onde deixar os filhos, as mulheres têm melhores condições de disputa no mercado de trabalho”, explicou Talita.
Do outro lado do Mapa, estão os Argumentos Feministas em torno do direito ao aborto, entendendo que o direito ao aborto é um direito fundamental também da Justiça Reprodutiva. “Nós resgatamos argumentos que o movimento feminista foi construindo em defesa do direito aborto e também o que a gente denuncia. Elencamos então, nove Argumentos que foram sendo destrinchados. O que o movimento feminista quer dizer quando diz que gravidez foçada é tortura? O que nós, feministas, queremos dizer quando afirmamos que o direito ao aborto é uma questão democrática? Quando a gente diz ‘é pela vida das mulheres, meninas e pessoas que gestam’, o que isso significa? Então nós fomos pegando esses chamamentos e dentro deles, nós fomos trabalhando quais são os argumentos que os fundamentam, a partir da perspectiva de Justiça Reprodutiva”, detalhou a pesquisadora.
Instrumento para incidir nas eleições, mas muito além delas
O Mapa de Argumentos Feministas surgiu com o objetivo de contribuir para qualificar o debate sobre direito ao aborto e Justiça Reprodutiva nas eleições. Pauta histórica do movimento feminista, o aborto é o tema que recorrentemente aparece no período eleitoral, sobretudo, como moeda de troca e criminalização por parte dos fundamentalistas. A ideia, então, foi de produzir um instrumento tanto para subsidiar as candidaturas do campo feminista durante as eleições, quanto para informar, sobretudo as mulheres e pessoas que gestam, sobre a relação entre Justiça Reprodutiva, poder municipal e a vida cotidiana.
“Nós queríamos que as candidaturas do nosso campo compreendessem a discussão e a nossa argumentação em defesa desses direitos e da Justiça Reprodutiva para que possam de alguma forma colocar isso também nas suas propostas. O Mapa não é uma plataforma a ser assinada ou um compromisso que vai ser garantido, mas uma maneira de incidir para que essas pessoas possam pensar sobre isso e de alguma forma coloquem isso também no seu projeto. A gente pensou que o Mapa poderia subsidiar também as mulheres que estão no movimento feminista e que estão nos territórios, a compreender qual é a relação entre o poder municipal e a Justiça Reprodutiva na vida cotidiana. E que é o poder municipal que vai definir a qualidade e a existência ou não de creche, de posto de saúde, desses elementos fundamentais e de que o nosso voto vai influenciar diretamente nessas condições que dão mais qualidade ou não para nossas vidas. O Mapa pode ajudar para que elas possam conseguir, a partir do entendimento desse cenário e dos argumentos, identificar os argumentos fundamentalistas, identificar os argumentos da direita que não contemplam o que a gente precisa para melhorar as condições das mulheres e suas famílias. E conseguir avaliar também se aquela pessoa que já estava na gestão e nunca fez nada disso, ‘porque eu vou continuar votando naquela pessoa’?. Então, o Mapa dá para as mulheres uma possibilidade de analisar, a partir dos Argumentos Feministas, um pouco desse cenário eleitoral”, salientou Talita Rodrigues.
Contudo, o Mapa de Argumentos Feministas foi feito para incidir nas eleições, mas vai para além delas. Por trazer elementos que são reflexões teórico-políticas para a luta de movimentos e organizações feministas, o Mapa pode ser usado para consulta individual, mas também trabalhado de maneira coletiva, sendo usado como recurso pedagógico para fazer formação com grupos.
Clique aqui e baixe o Mapa de Argumentos Feministas.
O Mapa de Argumentos Feministas é uma realização do SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia, elaborado por Maria Betânia Ávila, Natália Cordeiro e Talita Rodrigues, com ilustrações da artista visual Luiza Morgado, diagramação e projeto gráfico de Laura Morgado. Este trabalho recebeu o apoio da Fundação Heinrich Böll, Open Society Foundations e Pão para o Mundo.