Nota escrita por Gabriel Casnati e publicado originalmente no site da REBRIP no dia 04 de julho de 2019.
Noticiada na semana passada, a assinatura do Acordo de Livre Comércio entre Mercosul e União Europeia representa para o Brasil e demais países do Mercosul mais um duro golpe na soberania nacional, nos direitos sociais e nos projetos de desenvolvimento inclusivo e sustentável.
Em primeiro lugar, no contexto brasileiro, este acordo precisa ser entendido como parte do projeto de golpe institucional ainda em curso, pois abre as portas dos países do Mercosul para uma enxurrada de produtos e serviços empurrados pelas grandes empresas transnacionais europeias, o que serve como grande impulso para a onda privatizante que constitui uma das motivações fundamentais do golpe, iniciado em 2016. Em segundo lugar, a conjuntura que circula a assinatura do acordo é a pior possível. De um lado, a União Europeia, em crise desde 2008, vê na expansão dos interesses de suas transnacionais em direção ao Mercosul e outras regiões uma parte da solução para seus graves problemas sociais, ambientais, econômicos e políticos, ainda mais neste momento em que se encontra constrangida e quase paralisada pela guerra comercial entre China e EUA. Do outro lado, o Mercosul, com seus dois principais países negociadores, Brasil e Argentina, marcados por fragilidades políticas e econômicas, por gestões neoliberais e autoritárias e por uma submissão a interesses estrangeiros.
Nessas condições, o Mercosul assinou o acordo motivado por supostos benefícios na área agrícola. Essa postura revela a influência dos setores ruralistas, que compõem a base aliada dos governos de Brasil e Argentina e que são as forças por trás do desmonte das políticas de proteção ambiental, da explosão do uso de agrotóxicos e da agenda de extermínio dos povos indígenas e tradicionais. Como resultado, abre-se mercado para exportações do agronegócio, com um alto custo humano, e como forma de recolocar o Mercosul mais uma vez para cumprir seu “destino” primário exportador, pois a contrapartida é a redução de tarifas para bens industriais europeus, favorecendo assim a desindustrialização do Mercosul.
De fato, o governo brasileiro, que já vendeu a Embraer e entregou o pré-sal em fatias, e que está debilitando o BNDES como parte das estratégias desindustrializantes, vai inexoravelmente cumprindo seu roteiro de renúncia e entrega aos grandes interesses transnacionais de qualquer perspectiva de desenvolvimento nacional e regional.
Como era de se esperar, a reta final do acordo foi negociada sem nenhuma transparência e sem debate político, impedindo o acompanhamento crítico da sociedade civil e da população que será afetada. Ainda não se conhecem os detalhes do texto, nem o quão excessivas foram as concessões feitas pelo Mercosul. Mas é possível entrever impactos relacionados à abertura no setor de serviços, que irá impactar inclusive serviços públicos como água, educação, saúde; à abertura em compras governamentais que limita o uso de poder de compra do estado para direcionar políticas públicas; à imposição de medidas de fronteiras que podem dificultar a circulação de medicamentos genéricos; e à disparidade entre os blocos em economia digital, impactando em políticas de segurança de dados.
A Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP), acompanha essa negociação desde 1999 e tem denunciado as armadilhas do modelo de “livre comércio” que o acordo propaga. Em diversas oportunidades oferecemos aos negociadores informações técnicas para embasar posições contrárias às demandas europeias. Também articulamos movimentos regionais contra o acordo. Depois de anos de resistência, os governos do Mercosul enfim cederam. Por isso é hora de convocar os movimentos sociais a unificar a resistência regional para impedir a ratificação do acordo nos parlamentos nacionais!