Entrevistamos Hewrya Lima, presidenta da Associação Mata Sul de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (AMAS LGBT), para sabermos mais sobre a programação do Dia Nacional da Visibilidade Trans em Pernambuco e sobre a importância da articulação em volta da Marsha Trans Brasil.
|Texto: Lara Buitron | Revisão: Fran Ribeiro |
Dia 29 de janeiro é o Dia Nacional da Visibilidade Trans, data estabelecida em 2004 durante o lançamento da primeira campanha de combate à transfobia. A campanha “Travesti e Respeito” teve como objetivo central conscientizar e sensibilizar os servidores públicos da saúde e da educação sobre a violência enfrentada pela população trans e demarcar seus direitos no acesso às Políticas Públicas.
Ano passado, para comemorar os 20 anos da oficialização da data, a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) e o IBRAT (Instituto Brasileiro de Transmasculinidades) organizaram a 1ª Marsha Nacional pela Visibilidade Trans, em Brasília. Em 2025 tivemos a 2ª edição da Marsha, que não aconteceu no próprio dia 29. A estratégia das instituições organizadoras foi de articular um encontro alargado, que começou dia 25 de janeiro (sábado) e se encerrou com o lançamento da pesquisa “Índice de Monitoramento dos Direitos LGBTQIA+ no Brasil”, produzida pelo Instituto Matizes, em parceria com a ANTRA e com a Secretaria Nacional LGBTQIA+, no dia 28 de janeiro (terça-feira).
Neste ano a Marsha contou com oficina de vogue, sarau, lançamento de publicações e pesquisas, shows da atriz e cantora Linn da Quebrada, do rapper Gabrélu e da atriz, cantora e poeta de Bixarte, entre outras atrações. Nesta 2ª Marcha também foi dado um importante passo para organização política da comunidade transmasculina, com a realização do 1ª Fórum Nacional de Transmasculinidades Negras. Para conferir a programação completa e o que rolou durante a 2ª Marsha acesse o instagram da Marsha Trans BR.
Além da movimentação em Brasília, os movimentos trans seguiram a tradição de fazer atividades em seus territórios. Em Recife, por exemplo, está rolando desde o dia 27 de janeiro, a XVII Semana Nordestina da Visibilidade Trans, promovida pela AMOTRANS com apoio da ANTRA, FONATRANS, Projeto Pajubá e ABONG. Também a Coletiva Akuenda, em parceria com o coletivo Sarau do Bosque, está promovendo nesta quarta-feira, 29 de janeiro, o Sarau da Visibilidade Trans, na Universidade Federal Rural de Pernambuco.
No dia dia 30 de janeiro, a AMAS LGBT (Associação Mata Sul De Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) estará promovendo o 1º Seminário da Visibilidade de Travestis e Pessoas Trans da Mata Sul de Pernambuco. O evento acontece em parceria com a Rede LGBT do Interior de Pernambuco, a AMOTRANS, a ABONG e o Fundo Elas+. O seminário tem como tema “Enfrentamento à Transfobia na Mata Sul de Pernambuco” e acontecerá na cidade de Palmares, onde fica a sede da AMAS LGBT.
Neste janeiro da Visibilidade Trans, entrevistamos Hewrya Lima, presidenta da AMAS LGBT, sobre a situação das pessoas trans na Zona da Mata Sul de Pernambuco, para conhecer mais sobre a AMAS LGBT e sobre o Seminário deste ano. Na entrevista, aprofundamos sobre a importância da Marsha Trans e do 29 de Janeiro para a luta.
SOS Corpo: Como funciona a Associação LGBT da Mata Sul de Pernambuco, onde ela fica, como participar e quais suas ações e objetivos?
Hewrya Lima: A gente tem o objetivo de fortalecer as políticas públicas, principalmente para a população LGBTQIA+ no combate à lgbtfobia, na construção de ações para a promoção de inclusão, dignidade e respeito. Temos ações voltadas ao advocacy, na construção das definições das políticas, ações culturais por uma cultura LGBTQIA+, na promoção da dignidade das pessoas trans e travestis. Como, por exemplo, a retificação de nome social, de nome e gênero, com o programa Retifica Mata Sul, que é um programa contínuo que a gente tem, em parceria com a Defensoria Pública do Estado.
Também dialogamos com as escolas na implementação de uma inclusão, de uma inclusão de alunos, de diversidade nas escolas do estado, dialogamos também com algumas escolas do município de Palmares.
Estamos também construindo a casa AMAS, que é uma casa de acolhimento para a população LGBTQIA+, localizada na cidade de Palmares.
Essas são algumas das ações que a gente faz, como seminários, palestras e Audiências Públicas para fortalecimento da dignidade dessas pessoas.
S: Para complementar a pergunta anterior, a partir da própria história e ação da AMAS, queríamos saber um pouco mais sobre a situação da comunidade LGBT, mas em especial das pessoas trans, na Mata Sul de Pernambuco.
HL: Pela AMAS LGBT estar localizada em uma região totalmente colonizada pelos senhores de engenho, é importante frisar que o fundamentalismo aqui ele é muito potente e ele priva a existência das pessoas trans e travestis. E as ações que a AMAS vem construindo aqui são de extrema importância para essa desmistificação do preconceito enquanto esses corpos trans, travestis e corpos dissidentes de gênero, a gente vem construindo diálogo, ações de advocacy, voltado para o enfrentamento a transfobia, à lgbtfobia em geral, mas em especial à transfobia.
Fazemos também ações de retificação de nome com o nosso programa contínuo, o Retífica Mata Sul. A gente vem também contribuindo com o processo de construção de políticas públicas aqui na região, participando do Conselho de Saúde, Conselho de Assistência e Conselho da Mulher, para amenizar esse pânico moral que foi construído pelo conservadorismo.
S: O dia 29 de janeiro é o Dia da Visibilidade Trans. Ano passado a data completou 20 anos de existência e para demarcar as duas décadas aconteceu, em Brasília, a 1ª Marsha Nacional pela Visibilidade Trans. Qual é a importância de uma data como essa? Nesses 21 anos, o que foi que mudou na situação das pessoas trans no Brasil?
HL: O 29 de janeiro é considerado uma data tão especial para a população LGBTQIA+ do Brasil, essa data é super importante, tendo em vista que foi lá em 2004 que a comunidade organizada de travestis decidiu ir a Brasília reivindicar seus direitos. Já fazem 20 anos dessa resistência e a gente ainda tá lutando pelo poder existir, como a gente diz, ainda estamos embrionárias no poder existir, no ser quem somos.
Mas a gente teve avanço, teve avanço na política com eleições, tanto eleições municipais como as eleições federais e estaduais, a gente viu um crescimento dessa população travestis e pessoas trans entrando na Câmara de Vereadores, no Senado Federal, em Brasília.
Então é importante! É importante a nossa luta, é importante esse dia 29 de janeiro considerado o Dia Nacional da Visibilidade de Pessoas Trans e Travestis. É importante a gente lutar em parceria com as mulheres cisgênero, para que a gente fortaleça não só a questão das pessoas trans e travestis, mas sim a questão das mulheridades, que é atacada. Seja um corpo trans, um corpo travesti, enquanto uma mulher negra, periférica, um corpo indígena, enquanto um corpo quilombola, a mulher sempre está no alvo dos ataques, às vezes maquiado de proteção. A gente vê muito discurso de “estamos protegendo as mulheres biológicas, estamos protegendo as mulheres cis”, mas não tem proteção! Isso é uma forma que o fundamentalismo vê para nos atacar e conseguir, politicamente, estar em posição de comando e de poder.
S: A gente sabe que ano passado você foi pra Brasília, para participar da 1ª Marsha, queríamos que você contasse um pouquinho pra gente como foi, o que rolou além da marcha em si, contar um pouco da experiência de estar nesse espaço tão importante, em uma comemoração histórica.
HL: A primeira Marsha Trans, em Brasília, foi super importante, recebi o convite da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos) para participar enquanto representante do estado de Pernambuco na conferência de educação e por uma feliz coincidência foi no mesmo no mesmo dia da Marsha, né? Tive o prazer de poder participar da marcha, de poder participar da Audiência e do lançamento do Dossiê da Violência dos Corpos Trans de 2024. E teve uma grande significado para mim enquanto pessoa, enquanto Hewrya Lima, e para mim enquanto militante, enquanto coordenadora da Rede LGBTQIA+, enquanto presidente da AMAS LGBTQIA+. Foi de extrema importância esse momento de fortalecimento e construção, vi parceiras que fazia tempo que eu não via lá na luta, vi pessoas aliadas nessa construção.
A Marsha também é a parte política dos nossos corpos e tá em Brasília nessa caminhada com milhares de mulheres trans, pessoas trans, homens trans, travestis e aliades só fortalece. E dizer ao Congresso que a gente quer sim nossos direitos! A gente não vai voltar atrás, a gente não vai sucumbir à esse fundamentalismo que tenta nos aniquilar!
S: Por fim, companheira, tem alguma coisa a mais que você queira colocar que acha que é importante falar?
HL: Quero deixar aqui registrado a importância dessa coletividade de lutas de mulheridades, cada uma com suas especificidades, mas eu acho que é importante. É importante a gente aliar força, importante o movimento trans e travesti tá ligado aos movimentos de mulheres cisgeneras, na questão dos movimentos e das políticas sobre mulheres. É importante porque só assim a gente vai desmistificar esse horror que foi plantado na sociedade de que somos pessoas negativas na sociedade, que somos pessoas que querem destruir e tirar direitos e não é isso! A gente tá querendo buscar direitos e que os nossos direitos sejam garantidos.