Audiência de continuação previa o pronunciamento do Governo de Pernambuco e da Prefeitura de Recife sobre a efetivação de políticas públicas de combate ao feminicídio, transfeminicídio e lesbocídio, mas gestores não apresentaram nada concreto.
Na manhã da última quarta-feira, 14 de junho, na sede do Ministério Público de Pernambuco, aconteceu a Audiência de continuação da Audiência Pública pleiteada pela Campanha Levante Feminista Contra o Feminicídio. Realizada em abril passado, a Audiência Pública reuniu mais de 164 pessoas, entre representantes de diversos movimentos, organizações, coletivos de mulheres e feministas do estado, além de gestores, vereadores, delegados, representantes de coordenadorias e de secretarias de 42 municípios.
O objetivo da Audiência realizada em abril foi de fazer uma avaliação sobre a efetivação das políticas públicas de enfrentamento ao feminicídio, ao lesbocídio e transfeminicídio em Pernambuco. Na ocasião, a Campanha Levante Feminista apresentou um Documento Crítico sobre a situação das políticas de enfrentamento, com reivindicações de melhorias da qualidade dos serviços e dos equipamentos direcionados às mulheres em situação de violência.
Baixe o Documento Crítico que foi entregue aos gestores estaduais e municipais na Audiência Pública de abril:
Na quarta-feira (14), foi realizada a Audiência de Continuação do processo de mediação feito pelo Ministério Público. Com a presença de representações dos movimentos que integram a Campanha, bem como de movimentos de outras cidades, a expectativa era de que o governo do estado e a prefeitura de Recife apresentassem respostas às reivindicações feitas pelos movimentos feministas articulados pela Campanha.
Ambas as Audiências foram mediadas pelo Dr. Westei Conde y Martin Júnior, 7º Promotor de Justiça de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos do Ministério Público de Pernambuco, que abriu a sessão destacando a importância das Audiências, por estabelecer um diálogo entre a sociedade civil com os gestores públicos, a fim de garantir uma melhor avaliação sobre a situação das políticas públicas de Estado para o enfrentamento do feminicídio, lesbocídio e transfeminicídio. O Promotor também destacou que este é um primeiro momento para que governo e municípios respondessem às reivindicações apresentadas desde a Audiência realizada no mês de abril.
Estiveram presentes representantes da Secretaria da Mulher do Recife, da Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco, do Departamento da Mulher da Polícia Militar do Estado de Pernambuco e da Secretaria de Estado da Defesa Social. Contudo, nada efetivo foi apresentado pelas representações, apenas propostas que ainda estão no campo do planejamento e sem previsão de execução. De acordo com a representante do governo, não há orçamento previsto na Secretaria da Mulher do Estado para políticas públicas para as mulheres, para as manutenções ou criações de abrigos e lugares de acolhimento para as mulheres vítimas da violência. Ainda segundo a gestora, o governo tem se organizado para garantir que haja orçamento específico nos próximos anos.
No âmbito municipal, de acordo com a representante da Secretaria da Mulher de Recife, a gestão ainda está organizando e planejando a regulamentação e monitoramento das políticas públicas existentes no enfrentamento a violência contra as mulheres. Já a representante do Departamento da Mulher da Polícia Militar informou que quatro novas delegacias especializadas no atendimento às mulheres foram criadas nos últimos anos, totalizando 15 em todo o Estado. Mas ressaltou que há ainda um déficit no atendimento especializado às vítimas, especialmente pela falta de treinamento e formação dos agentes lotados nessas delegacias.
A representação da Secretaria de Defesa Social apresentou estatísticas e dados atuais sobre os crimes registrados, após a entrega do documento elaborado pela Campanha Levante Feminista na Audiência de abril. Segundo o gestor, a partir disso, foi criada a pasta de crimes contra pessoas LGBTQIA+, mas representantes da Campanha questionaram a falta de dados sobre raça/cor e da especificação sobre transfeminicídios e lesbocídios nas estatísticas apresentadas, reivindicações presentes no Documento Crítico apresentado pelos movimentos.
A falta de resposta efetiva dos gestores públicos não foi de tudo uma surpresa, principalmente se pensar que estadualmente a gestão de Raquel Lyra não tem mostrado celeridade em apresentar soluções para problemas latentes no Estado, como avalia Analba Brazão, educadora e pesquisadora do SOS Corpo e uma das articuladoras da Campanha Levante Feminista Contra o Feminicídio.
“Na verdade a gente imaginava mais ou menos que não iam ter muitas respostas nesse retorno e foi isso que aconteceu. A gente não teve muita resposta nem dos gestores das Secretarias responsáveis da Prefeitura de Recife, nem dos gestores das Secretarias e Órgãos do Governo estadual. Eles elucubraram dizendo que estão fazendo, que estão pensando, falaram que não tem orçamento específico e em todas as questões que reivindicamos no Documento Crítico, a gente solicita que sejam divulgados os orçamentos previstos pelas gestões para cada uma delas. Porque, afinal, se tem política, se tem a pretensão de ter uma política de enfrentamento à violência contra as mulheres no estado e nos municípios, ela precisa de ter orçamento para ser implementada. E essa, que seria uma resposta básica às reivindicações que fizemos na primeira Audiência, nós não tivemos”, avaliou Analba Brazão.
Diante da falta de respostas concretas, o Promotor Dr. Westei Conde foi enfático ao destacar às gestoras e gestores presentes de que a construção do Plano Estadual de Enfrentamento à Violência contra a Mulher e o Combate ao Feminicídio, Transfeminicídio e Lesbocídio é tarefa e responsabilidade do estado e o papel do Ministério Público no controle social é cobrar, fiscalizar junto com a sociedade civil a sua execução.
A partir disso, foram definidos alguns encaminhamentos de competência da Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco, que terá que apresentar até o último dia útil do mês de junho documentos que indiquem a construção do Plano Estadual de Enfrentamento ao Feminicídio, Transfeminicídio e Lesbocídio, bem como qual é o orçamento estadual para a implementação de políticas públicas para este fim. O documento deverá ser entregue às representantes da Campanha Levante Feminista Contra o Feminicídio, que terá o prazo de dez dias úteis para fazer a análise.
Para Silvia Dantas, militante do Fórum de Mulheres de Pernambuco, um dos movimentos que constroem estadualmente a Campanha Levante Feminista, é preocupante que quatro meses desde o início da nova gestão estadual, não se tenha uma política desenhada para ser colocada em execução.
“Infelizmente o Governo do estado não apresentou ainda a política de enfrentamento à violência e ao feminicídio em Pernambuco. O que foi decepcionante, porque já houve uma Audiência Pública na ALEPE, houve uma Audiência Pública promovida pela Campanha e Ministério Público de Pernambuco em abril, essa audiência de hoje (14 de junho) é a continuidade da Audiência anterior e o governo não apresentou qual é a política que o Governo está construindo na sua gestão. A gente está em junho de 2023 e o governo não apresentou absolutamente nada. Existe uma lei estadual que define os objetivos e as diretrizes da política de enfrentamento ao feminicídio em Pernambuco e a gestão atual governo não apresentou nada do que pretende fazer em relação às diretrizes propostas por essa política que está em lei”, destacou Silvia Dantas.
Uma nova Audiência está prevista para acontecer no dia 02 de agosto deste ano. Nós do SOS Corpo seguimos acompanhando este processo.
Texto: Fran Ribeiro/SOS Corpo