No dia 02 de março, na Ação Cultural “Qual a força do feminismo em 2023?”, mais de 60 mulheres de diferentes organizações e movimentos feministas da cidade chegaram a uma análise em comum: precisamos radicalizar nossas lutas para enfrentar os desafios postos pela conjuntura!
Na noite da quinta-feira, 02 de março, na Ação Cultural “Qual a força do feminismo em 2023?”, mais de 60 mulheres de diferentes movimentos feministas e de mulheres da cidade estiveram presentes na sede do SOS Corpo para analisar a conjuntura de Pernambuco em uma perspectiva situada a partir do feminismo antirracista.
Com as contribuições de militantes e pesquisadoras do nosso campo, o debate identificou os principais desafios postos ao movimento. Natália Cordeiro, cientista política, militante do Fórum de Mulheres de Pernambuco e educadora do SOS Corpo, destacou o contexto em que se encontram as políticas públicas de combate à violência contra as mulheres, como a luta feminista pela pauta tem sido assimilada pela direita, pelo setor privado e como isso esvazia o sentido da radicalidade da luta, característica imposta pelo movimento feminista desde a década de 1970, através de campanhas clássicas como a “Quem ama não mata”.
De acordo com a educadora, esse é um dos motivos pelo qual a conjuntura do enfrentamento à violência contra as mulheres não muda, pois a radicalidade da luta foi perdendo sua potência pela acomodação de interesses. E mesmo que seja um tema que aparece cotidianamente, não significa, de fato, que as mudanças estruturais necessárias para erradicar um problema que atinge todas as mulheres, mas especialmente as mulheres negras, trans e indígenas em situação de empobrecimento, aconteçam. E isso é constatado pelos números assustadores de casos de violência, mas que não são surpreendentes.
“Pensando a nossa força pra 2023, eu digo que é hora da gente retomar a radicalidade da luta em torno do enfrentamento da violência contra as mulheres, retomar essa dimensão do caráter patriarcal, racista e capitalista, que operam articuladamente para vitimar, sobretudo as mulheres negras, as mulheres trans. Então a gente precisa retomar o protagonismo dos movimentos feministas nesse debate, a gente precisa não só repensar teoricamente a violência, mas principalmente, repensar como a gente faz incidência à luta política em torno do enfrentamento à violência contra as mulheres”, destacou.
Outro desafio pautado no debate foram os impactos que as chuvas podem causar em territórios já vulnerabilizados. A previsão é que o inverno em Pernambuco seja marcado novamente por enormes volumes de chuva, superiores aos números registrados em 2022, o que gera um alerta aos movimentos. De acordo com Gilmara Santana, da Articulação de Negras Jovens Feministas e pesquisadora em Clima e Gênero, além de olhar para os impactos é preciso que o movimento feminista fortaleça a crítica ao modelo desenvolvimentista que é defendido pelos governos, especialmente o governo federal. O modelo de desenvolvimento industrial é racista e gera os impactos ambientais que atingem, sobretudo, a população preta e periférica, que está suscetível à viver em áreas de risco por consequência da especulação imobiliária e pela falta de políticas de moradia digna.
“Na vivência a gente visualiza que são as pessoas, as mulheres negras e toda a população negra e periférica que vivem em situações de risco que são mais afetadas. E é importante destacar que a mídia e as grandes empresas trazem junto a esse imaginário de mudanças climáticas, o processo de culpabilização da sociedade pelo que está acontecendo. De que as pessoas que tão ali na periferia, se aquele acúmulo de lixo tá lá é porque é culpa das pessoas e não por um contexto muito maior”, destacou Gilmara Santana, que reforçou ainda como o discurso fundamentalista religioso contribui para a cristalização de uma desigualdade que é social e estrutural, como sendo uma consequência divina e imutável.
É também a ramificação do fundamentalismo religioso sobre as instâncias de poder governamental e das instituições públicas em Pernambuco, um dos desafios que estão postos na conjuntura para o movimento feminista, especialmente se tratarmos da luta pela legalização do aborto e por justiça reprodutiva. Para Lara Buitron, que representa a Articulação de Mulheres Brasileiras na Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto, mesmo que em um contexto nacional a perspectiva de diálogo é possível, o momento da luta ainda é de resgatar as conquistas e resistir aos ataques que virão, diante de um Congresso Nacional e Assembleia Legislativa de Pernambuco mais conservadores do que nunca.
“Acho que esse ano a gente tem pensado no Governo Federal, no governo Lula, uma oportunidade que a gente não tem desde 2016 que é a do diálogo. Esse é o momento onde a gente tem a oportunidade de dialogar, o que não significa que as nossas agendas vão ser cumpridas pelo Governo. É um pouco triste, mas é muito bom comparado com o que a gente estava vivendo antes. Nesse sentido a gente tem um grande desafio nacional que é lidar com o nosso Congresso. E pensando na ALEPE, a gente não vê uma coisa muito diferente não. A gente conta literalmente nos dedos com quem a gente pode contar lá dentro. Então, acho que a gente tem nesse sentido, se a gente pensar a luta pelo avanço na questão institucional, mesmo da criação de políticas públicas, do fortalecimento da assistência básica e de serviço do aborto legal, a gente não tem uma perspectiva muito boa de futuro não, mas ele é possível agora, pois a gente pode dialogar”, avaliou Lara Buitron.
A perspectiva na conjuntura nacional e local é de ataques à autodeterminação reprodutiva das mulheres, com projetos e frentes parlamentares propostos pelos fundamentalistas. Na ALEPE, eles são maioria na Frente em Defesa da Família e de Saúde Mental. “Eu acho que a gente vai receber bastante porrada, vai ter que barrar inúmeros projetos de leis absurdos. A gente vem de uma experiência do ano passado de uma tentativa de instaurar a semana de combate ao aborto, pelos fundamentalistas”, ressaltou Lara.
“A bancada fundamentalista nunca teve tanto poder junto ao executivo”
Algo que tem chamado atenção na conjuntura é como está se desenhando a base de apoio político da Governadora Raquel Lyra (PSDB) no Legislativo. Mesmo tendo ficado em silêncio durante a campanha sobre ser ou não apoiadora de Bolsonaro, Raquel recebeu apoio de todos os partidos conservadores e bolsonaristas no segundo turno, o que fez com que ela consolidasse uma base sólida para se eleger. Atualmente na ALEPE, as negociações estão a todo vapor e a bancada fundamentalista já dá sinais de que não irá abrir mão do seu poder e influência sobre o Executivo.
Se no governo do PSB, que esteve à frente da gestão executiva durante 16 anos, a base aliada na Assembleia era favorável, atualmente, o PSDB enfrenta disputas internas para conseguir impor seu modelo de gestão. E a força fundamentalista é um peso considerável nessa balança. Tanto que pautas e projetos de lei que são de interesse público, como a semana de combate ao aborto e a destinação de verbas do SUS para comunidades terapêuticas, que foram barradas durante a gestão do PSB, muito provavelmente serão aprovadas agora que a base aliada do PSDB é maciçamente fundamentalista. Isso significa que o movimento feminista e vários outros movimentos precisarão se manter nas ruas para fazer pressão.
“A gente está numa situação que é gravíssima. E que o retrato ainda não está bem desenhado, ou seja, vai ficar pior”, alertou Mônica Oliveira, da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco.
“Vai ser o nosso papel seguir fazendo as leituras dos impactos dessas influências. Porque o impacto é nas costas dessa população preta, pobre, periférica. Precisamos fazer a crítica ao governo, que vai aprofundar o modelo de gestão e de desenvolvimento que vem sendo operado desde os governos do PSB. Um modelo que gera e alimenta desigualdade. E as questões ligadas ao fundamentalismo, que já foram destacadas aqui, ficaram evidentes no processo de exoneração do secretário executivo de políticas sobre drogas. É o exemplo mais explícito da força dos fundamentalistas junto à Raquel Lyra. Isso porque ela está angariando os apoios para operar dentro do legislativo. A bancada fundamentalista nunca teve tanto poder junto ao executivo, como tem agora”, analisou Mônica Oliveira.
Para as convidadas e mulheres presentes no debate a reflexão coletiva foi a mesma: nunca foi tão necessário que o movimento feminista volte à sua tarefa histórica de radicalização.
“Precisamos retomar as estratégias, radicalizar, porque a gente não tem nada a perder. Precisamos empurrar a esquerda para a esquerda e empurrar para nossa pauta, nós temos que radicalizar”, reforçou Mônica Oliveira.
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