#58ANOSDOGOLPE MILITAR: EM DEFESA DA MEMÓRIA E DA VERDADE!

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Por Silvia Camurça, SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia, para a Audiência Pública sobre o Direito à Memória e à Verdade, do requerimento Nº 1986/2022, de autoria do mandato da Vereadora Cida Pedrosa, realizada no dia 31 de março de 2022, no marco dos 58 anos do Golpe Militar no Brasil.

Saudamos a iniciativa de fazer uma Sessão desta na data de hoje, para poder repor a verdade sobre a ditadura empresarial-militar instalada no Brasil no Golpe de 1º de abril de 1964, enaltecida como “a gloriosa” de 31 de março, uma farsa plantada pelos doutrinários Clubes Militares.

Em nome da Memória e da Verdade, muita coisa já foi resgatada pelas pessoas que falaram antes de mim, inclusive informações sobre o que se passou em Pernambuco na ditadura, lembranças importantes. E eu quero contribuir trazendo aqui memória dos embates quando foi lançado o PNDH3 em 2009, após várias conferências.

O texto do Plano Nacional de Direitos Humanos, o PNDH3, que hoje a gente conhece e que inspira essa Audiência, não é o texto inicialmente lançado pelo Governo Lula. O texto lançado pelo Governo Lula foi alvo de ataque que reuniu as principais forças da aliança ultraconservadora que hoje está no poder. E foi numa Audiência Pública que muitos movimentos puderam confrontar esses ataques e enfrentar essas forças. Estavam os militares, insatisfeitos com o capítulo sobre o Direito à Memória e à Verdade, que é um dos eixos do PNDH3. Estavam os latifundiários modernos, do agronegócio, questionando o Direito dos Povos Originários. A grande mídia estava presente, representada pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão (ABERT), questionando aspectos do capítulo sobre Direito à Comunicação, e muitos, muitos, fundamentalistas religiosos cristãos e suas bancadas parlamentares, que opunham-se aos Direitos Sexuais e Reprodutivos e à revisão da legislação punitiva ao Aborto, que é um compromisso internacional do governo brasileiro dos anos 1990, e que é um a política fracassada, a criminalização. Política que nem reduz o número de abortos e nem ajuda a salvar a vida de crianças e mulheres.

Contra o PNDH3 estavam, enfim, toda a bancada de direita do Congresso Nacional, defendendo todo os tipos de interesses empresariais, reunindo todas as ideias antifeministas, pela supremacia branca e aliançando todos aqueles que negam direitos, a bancada anti-direitos, que também cresceu e está ativa hoje no Congresso Nacional. Essas mesmas forças políticas que hoje estão no poder, deram “o golpe do impeachment” e depuseram a Presidenta Dilma, sustentaram o governo Temer anti-popular, e atuaram articuladamente nas eleições de 2018 para alçar ao poder o grupo que vemos hoje atuar de forma anti-direitos e com forte negacionismo.

Essas forças vieram a público juntas, de mão dadas, pela primeira vez após a ditadura na discussão do PNDH3 no Congresso. Entre 2009 e 2011 elas fizeram várias intervenções contra aprovação e implementação desse Plano Nacional de Direitos Humanos. Esta é a contribuição para a Memória que em nome do SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia, trago com muito orgulho nesta Audiência. Uma contribuição de resgate de memórias – eu estava lá – e de verdades, pra gente não ficar alienadas e alienados do nosso passado recente, e não poder olhar o nosso presente com uma crítica do que já vivemos.

Mas essa Audiência pede também ideias para a promoção da Verdade e da Memória aqui na cidade de Recife e em Pernambuco. Conversando entre nós no coletivo feminista que é o SOS Corpo, nós vimos alguns pontos e eu acrescento ainda outros, com base no que foi colocado aqui. Acho muito importante preservar por muito tempo a estrutura sobre Memória e Verdade na arquitetura da administração pública de Pernambuco e de Recife. Não há ainda no Estado, mas há na Prefeitura e eu acho muito importante que ela seja preservada nos próximos anos, quando vamos seguir combatendo o bolsonarismo, com todas essas forças aliadas contra nós.

Na Calçada da Memória, da Rua da Aurora, é necessária a revitalização do Monumento Tortura Nunca Mais, mas também é muito importante rememorar assassinatos e não só na tortura, mas todas as formas de repressão durante a Ditadura Militar. Pois há muitos fatos que ainda são desconhecidos do público novas gerações. Nesse sentido, é preciso rememorar os conflitos daquele período e como eram muitas vezes solucionados pela força. Porque a Calçada da Memória não pode se render nem à disputa de narrativas e nem às guerras culturais.

Porque as guerras culturais, na verdade, são as lutas de classe, as lutas de gênero, as lutas contra o racismo, são lutas por direitos. Que no âmbito da ideologia aparecem como narrativas, mas existem alguns fatos que destroem as narrativas, como já dizia Cazuza, “tuas ideias não correspondem aos fatos”. A ideia de disputas de narrativas precisa ser destruída pela Memória e a Verdade. Parece que não existe mais a verdade concreta, tudo depende de como se narra. É uma narrativa contra a outra e onde fica a verdade concreta dos fatos? Então, é importante que a Calçada da Memória ganhe uma perspectiva de História, não como um resgate de disputa de narrativas ou de guerras de outro tipo, mas como a História da luta dos oprimidos pela democracia, pelos direitos, pela igualdade.

Também acho que é muito importante que a Câmara possa vir a interagir com o Memorial da Democracia, iniciativa do Governo do Estado, no parque da Tamarineira, ainda mais quando a atual administração estava há pouco tempo anunciando privatizar os parques e praças de Recife. Numa gestão privatista é preciso ver como a democracia vai ser considerada neste memorial. Não nos interessa a democracia na perspectiva liberal, muito menos a memória de uma democracia formal de quantos governadores foram eleitos ou de quantas parlamentares, mesmo que tenham sido mulheres ou negras. Nos interessa a memória da luta pela democracia, da luta pelos direitos, da luta dos momentos em que a gente avançou, dos momentos em que teve retrocessos, das forças que estavam em embate. É muito importante este Memorial estar lá onde nasceu o Movimento de Cultura Popular (MCP) porque a repressão à Cultura Popular, ao próprio Frevo, está ausente no Museu do Frevo. A Memória e a Verdade tem que estar em todos os espaços.

A repressão às religiões de matriz africana, faz parte da história da formação de Pernambuco. A repressão ao povo negro, ao quilombos e a sua luta de resistência formaram Pernambuco. O massacre aos povos indígenas, Pernambuco tem ainda muitos povos indígenas na resistência. O direito à Memória e à Verdade é a memória da dominação e das resistências, das conquistas e das perdas, é parte da luta democrática, isto é democracia. É poder fazer a luta por direitos e desenhar o país que nós queremos com liberdade de ação política e não com repressão.

Em Pernambuco, as ligas camponesas como experiência de auto organização camponesa é algo muito importante. Assim como em Recife é preciso Memória e Verdade sobre as muitas lutas entre Sobrados e Mocambos. Mas não como alegoria, como expressão das lutas das famílias dos sobrados contra o povo dos mocambos, a luta pelo direito à cidade que está muito viva entre nós, inclusive nesta gestão, com movimentos se opondo à muitas iniciativas privatistas.

Promover a Memória é enfrentar essas forças negacionistas da verdadeira informação sobre os fatos reais documentados que marcam as lutas sociais em nosso Estado e em nossa cidade. Eu desejo coragem, disposição, perseverança e uma perspectiva de História, de Memória e de Verdade aliada à grande massa da população brasileira e não às suas elites.

A gente entende que é preciso avançar em ações dinâmicas na Calçada da Memória, organizando campanhas nas escolas, principalmente durante em datas importantes, como no dia do trabalho, no dia da mulher, no dia do índio…mas lembrando que todo dia era dia de índio (Baby Consuelo) e que houve massacres e que há resistências.

É preciso ter campanhas sobre memória e verdade muito mais dinâmicas para além do período da ditadura, mas sem esquecer desse gravíssimo momento da longa noite que se abateu sobre a democracia por 20 anos no Brasil.

Reconhecemos no SOS Corpo, que a democracia no Brasil é muito frágil porque até o primeiro presidente e o primeiro vice presidente eleitos eram militares, que a presença dos militares sempre esteve aí, que é uma democracia tutelada, plena de muitos golpes, como já resgatado nesta Audiência.

Reconhecemos as forças do poder econômico, político, midiático, controlando e influenciando a vontade popular. Mas reconhecemos que a vontade popular é a fonte da democracia e de uma sociedade democrática.

E que uma sociedade democrática é muito mais do que um país com eleições sistemáticas.

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