A pandemia e a fome tem cor e tem gênero definidos
Ainda segundo dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, 11% das famílias que hoje passam fome no país são chefiadas por mulheres, enquanto que nas famílias em que o homem é o responsável, esse percentual é de 7,7%. 10,7% de famílias pretas e pardas estão em situação de fome enquanto a situação é a mesma em 7,5% de famílias brancas. Essa desigualdade marcada pelo sistema racista é vista também na quantidade de pessoas negras que estão sendo vacinadas pelo Plano Nacional de Imunização (PNI). Como revelou reportagem do site A Pública, há mais pessoas brancas do que negras vacinadas no Brasil. Até 14 de março, quando o país registrava 4,5% de pessoas imunizadas, cerca de 3,2 milhões de pessoas brancas e 1,7 milhões de pessoas negras haviam tomado a 1ª dose da vacina. A pandemia e a fome tem cor e tem gênero definidos.
“Essa conta matemática não fecha no sentido de ‘estamos todos no mesmo barco’, como dizem por aí. Há dois barcos diferentes: um barco onde está lotado de recursos, de alimentos, de dinheiro e um outro barco, que só tem gente pobre e preta se afundando. Isso é a realidade”, expôs Rosa Marques, da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco. De acordo com a socióloga, o fim do auxílio emergencial de R$ 600 foi um dos agravantes para que mais mulheres negras e populares estejam em situação de fome e insegurança alimentar.
O benefício, conquistado depois de muita pressão dos movimentos sociais junto à oposição no Congresso, foi reduzido a R$300 nos quatro últimos meses de 2020. Após muita lentidão e falta de vontade política do governo Bolsonaro, o pagamento do auxílio foi retomado em 2021, somente no início deste mês de abril, mas com valores muito aquém da realidade das mulheres negras e populares, as que mais precisam de um apoio nesta crise. O atual valor que vai de R$150 a R$375 não condiz com a realidade de alta de preços dos alimentos. A nova rodada do auxílio emergencial ainda deixou mais de 20 milhões de pessoas de fora, mesmo com um saldo R$ 28,9 bilhões nos cofres públicos, previstos no Orçamento Geral da União que destinou mais de R$80 bilhões para conter os efeitos da pandemia, de acordo com estudo do INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos.
“A importância desse auxílio emergencial, da gente ter uma renda básica nesse momento é fundamental para que as nossas mulheres não sucumbam, porque estamos numa luta para buscar fundos para que a gente consiga o mínimo do mínimo, que é uma cesta básica. E o aluguel quem é que paga? E a roupa das crianças, e a energia quem é que paga? Não há dinheiro para pagar isso?”, questiona Rosa Marques. A militante da Rede de Mulheres Negras lembra ainda que uma Renda Básica Emergencial contribui não apenas para a aquisição de alimentos, mas que também garante a moradia de milhares de famílias. “O auxílio vem contribuir para que a pessoa não vá morar na rua, para que ela não chegue a um estágio em que ela não deixe de se alimentar, mas também, não seja despejada porque a maioria das mulheres negras não tem casa. Elas vivem de aluguel e quando não vivem de aluguel, elas estão nas casas de palafitas na beira dos rios, na encosta dos morros, sobrevivendo.”, enfatizou.
A Rede de Mulheres Negras de Pernambuco é uma das organizações que, desde março do ano passado, tem buscado fortalecer mulheres negras de diferentes regiões do estado. Através da inscrição em editais e de parceria com organizações não governamentais e outros movimentos sociais, a Rede tem estabelecido algumas estratégias de ação de solidariedade, com o mapeamento e listagem de mulheres e suas famílias, que estão em situação de grave risco. As distribuições de cestas básicas, como colocado por Rosa Marques, é uma ação ainda muito pequena que a sociedade civil pode fazer, mas tem uma importância profunda pela dimensão da solidariedade de classe, que pode sanar um pouco a fome que milhares de mulheres negras e populares têm enfrentado.
“As mulheres estão cada vez mais pobres, cada vez passando fome. É de cortar o coração, mas a nossa estratégia continua. Continuamos buscando parcerias, continuamos buscando ações individuais, a exemplo com vaquinhas internas e com vaquinhas em âmbito do Nordeste com parcerias. Estamos agora com a Coalizão Negra Por Direitos, através da campanha Tem Gente Com Fome, que está arrecadando recursos e que estão sendo distribuídos em alguns estados do país. Essas ações são importantes, mas a perspectiva de sanar a fome ainda é muito pequena, porque nós não somos o Estado. Nós não somos o governo federal, nós somos apenas uma Rede que se solidariza umas com as outras, que se solidariza com a população negra. Por isso, é fundamental prestarmos atenção nas próximas eleições e ver quem a gente vota. Todas as pessoas têm uma responsabilidade muito grande em relação a isso. Estamos onde estamos porque continuamos perpetuando a classe branca masculina e latifundiária para dizer que nos representa e não nos representam em nada. O resultado está aí”, avaliou Rosa Marques.
Saiba mais sobre a campanha Tem Gente Com Fome:
Com o objetivo de chegar em mais de 220 mil família mapeadas nas cinco regiões do país e manter as ações por pelo menos 4 meses, a campanha da Tem Gente Com Fome, que conta com uma articulação de movimentos, redes, coletivos do movimento negro brasileiro através da Coalizão Negra Por Direitos que, com a parceria de organizações como a Anistia Internacional, Oxfam Brasil, Redes da Maré, Ação Brasileira de Combate às Desigualdades, 342 Artes, Nossas – Rede de Ativismo, Instituto Ethos, Orgânico Solidário e Grupo Prerrô, estão tocando a campanha de financiamento para arrecadar recursos para distribuir alimentos a quem mais precisa neste momento. Para saber como doar acesse:
Saiba mais sobre as ações:
Rede de Mulheres Negras de Pernambuco: @redemulheresnegraspe
Coalizão Negra Por Direitos: @coalizaonegrapordireitos