A pandemia e a fome tem cor e tem gênero definidos

A pandemia e a fome tem cor e tem gênero definidos

Rede de Mulheres Negras de Pernambuco distribui cestas de alimentos para famílias na comunidades dos Canos, no município de Paulista, pela Campanha Tem Gente Com Fome, da Coalizão Negra Por Direitos. Fotos: Felipão Brito

Ainda segundo dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, 11% das famílias que hoje passam fome no país são chefiadas por mulheres, enquanto que nas famílias em que o homem é o responsável, esse percentual é de 7,7%. 10,7% de famílias pretas e pardas estão em situação de fome enquanto a situação é a mesma em 7,5% de famílias brancas. Essa desigualdade marcada pelo sistema racista é vista também na quantidade de pessoas negras que estão sendo vacinadas pelo Plano Nacional de Imunização (PNI). Como revelou reportagem do site A Pública, há mais pessoas brancas do que negras vacinadas no Brasil. Até 14 de março, quando o país registrava 4,5% de pessoas imunizadas, cerca de 3,2 milhões de pessoas brancas e 1,7 milhões de pessoas negras haviam tomado a 1ª dose da vacina. A pandemia e a fome tem cor e tem gênero definidos. 

“Essa conta matemática não fecha no sentido de ‘estamos todos no mesmo barco’, como dizem por aí. Há dois barcos diferentes: um barco onde está lotado de recursos, de alimentos, de dinheiro e um outro barco, que só tem gente pobre e preta se afundando. Isso é a realidade”, expôs Rosa Marques, da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco. De acordo com a socióloga, o fim do auxílio emergencial de R$ 600 foi um dos agravantes para que mais mulheres negras e populares estejam em situação de fome e insegurança alimentar. 

Rede de Mulheres Negras de Pernambuco distribui cestas de alimentos para famílias na comunidades dos Canos, no município de Paulista, pela Campanha Tem Gente Com Fome, da Coalizão Negra Por Direitos. Fotos: Felipão Brito

O benefício, conquistado depois de muita pressão dos movimentos sociais junto à oposição no Congresso, foi reduzido a R$300 nos quatro últimos meses de 2020. Após muita lentidão e falta de vontade política do governo Bolsonaro, o pagamento do auxílio foi retomado em 2021, somente no início deste mês de abril, mas com valores muito aquém da realidade das mulheres negras e populares, as que mais precisam de um apoio nesta crise. O atual valor que vai de R$150 a R$375 não condiz com a realidade de alta de preços dos alimentos. A nova rodada do auxílio emergencial ainda deixou mais de 20 milhões de pessoas de fora, mesmo com um saldo R$ 28,9 bilhões nos cofres públicos, previstos no Orçamento Geral da União que destinou mais de R$80 bilhões para conter os efeitos da pandemia, de acordo com estudo do INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos.   

“A importância desse auxílio emergencial, da gente ter uma renda básica nesse momento é fundamental para que as nossas mulheres não sucumbam, porque estamos numa luta para buscar fundos para que a gente consiga o mínimo do mínimo, que é uma cesta básica. E o aluguel quem é que paga? E a roupa das crianças, e a energia quem é que paga? Não há dinheiro para pagar isso?”, questiona Rosa Marques. A militante da Rede de Mulheres Negras lembra ainda que uma Renda Básica Emergencial contribui não apenas para a aquisição de alimentos, mas que também garante a moradia de milhares de famílias. “O auxílio vem contribuir para que a pessoa não vá morar na rua, para que ela não chegue a um estágio em que ela não deixe de se alimentar, mas também, não seja despejada porque a maioria das mulheres negras não tem casa. Elas vivem de aluguel e quando não vivem de aluguel, elas estão nas casas de palafitas na beira dos rios, na encosta dos morros, sobrevivendo.”, enfatizou. 

Rede de Mulheres Negras de Pernambuco distribui cestas de alimentos para famílias na comunidades dos Canos, no município de Paulista, pela Campanha Tem Gente Com Fome, da Coalizão Negra Por Direitos. Fotos: Felipão Brito

A Rede de Mulheres Negras de Pernambuco é uma das organizações que, desde março do ano passado, tem buscado fortalecer mulheres negras de diferentes regiões do estado. Através da inscrição em editais e de parceria com organizações não governamentais e outros movimentos sociais, a Rede tem estabelecido algumas estratégias de ação de solidariedade, com o mapeamento e listagem de mulheres e suas famílias, que estão em situação de grave risco. As distribuições de cestas básicas, como colocado por Rosa Marques, é uma ação ainda muito pequena que a sociedade civil pode fazer, mas tem uma importância profunda pela dimensão da solidariedade de classe, que pode sanar um pouco a fome que milhares de mulheres negras e populares têm enfrentado.  

“As mulheres estão cada vez mais pobres, cada vez passando fome. É de cortar o coração, mas a nossa estratégia continua. Continuamos buscando parcerias, continuamos buscando ações individuais, a exemplo com vaquinhas internas e com vaquinhas em âmbito do Nordeste com parcerias. Estamos agora com a Coalizão Negra Por Direitos, através da campanha Tem Gente Com Fome, que está arrecadando recursos e que estão sendo distribuídos em alguns estados do país. Essas ações são importantes, mas a perspectiva de sanar a fome ainda é muito pequena, porque nós não somos o Estado. Nós não somos o governo federal, nós somos apenas uma Rede que se solidariza umas com as outras, que se solidariza com a população negra. Por isso, é fundamental prestarmos atenção nas próximas eleições e ver quem a gente vota. Todas as pessoas têm uma responsabilidade muito grande em relação a isso. Estamos onde estamos porque continuamos perpetuando a classe branca masculina e latifundiária para dizer que nos representa e não nos representam em nada. O resultado está aí”, avaliou Rosa Marques. 

Saiba mais sobre a campanha Tem Gente Com Fome:

Com o objetivo de chegar em mais de 220 mil família mapeadas nas cinco regiões do país e manter as ações por pelo menos 4 meses, a campanha da Tem Gente Com Fome, que conta com uma articulação de movimentos, redes, coletivos do movimento negro brasileiro através da Coalizão Negra Por Direitos que, com a parceria de organizações como a Anistia Internacional, Oxfam Brasil, Redes da Maré, Ação Brasileira de Combate às Desigualdades, 342 Artes, Nossas – Rede de Ativismo, Instituto Ethos, Orgânico Solidário e Grupo Prerrô, estão tocando a campanha de financiamento para arrecadar recursos para distribuir alimentos a quem mais precisa neste momento. Para saber como doar acesse:

www.temgentecomfome.com.br

Saiba mais sobre as ações:

Rede de Mulheres Negras de Pernambuco: @redemulheresnegraspe

Coalizão Negra Por Direitos: @coalizaonegrapordireitos

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Next Post

Movimentos populares organizam debate sobre conjuntura política no Nordeste

sex maio 7 , 2021
A proposta do evento é construir um posicionamento político unitário dos movimentos sociais do Nordeste, no tocante ao desmonte das políticas públicas e contra a postura genocida do Governo Federal em relação à pandemia e a perseguição aos defensores/as dos direitos humanos.