Nesta quarta-feira, 28 de outubro de 2020, organizações dos movimentos de mulheres da América Latina, realizaram, no âmbito do Fórum Social Pan-amazônico (FOSPA Colômbia 2020), o II Tribunal Ético de Justiça e de Direitos das Mulheres Andinas e Pan-amazônicas. A iniciativa que representa um espaço importante de articulação internacional de movimentos para denunciar casos emblemáticos de violações de direitos das mulheres e dos povos da Pan-amazônia. Este ano, as graves situações de violência e de avanço da política predatória dos governos do Brasil, Perú e da Colômbia foram representados em julgamento transmitido de maneira online pela internet. (Assista a íntegra do Tribunal através de um dos links no final da matéria).
Pelo Brasil, a líder indígena e coordenadora da União de Mulheres Indígenas da Amazônia (UMIAB), Telma Taurepang. Telma que vive no território indígena Mangueira, na região de Amajari, em Roraima, conta da expectativa de ser uma das arguidoras do julgamento. De acordo com a representante do povo Taurepang, o Tribunal é uma possibilidade de relatar as graves situações que os povos indígenas têm enfrentado com o avanço da política de morte do governo Bolsonaro-Mourão sobre os territórios indígenas na Amazônia brasileira.
“Os povos indígenas passaram por vários vírus e um dos piores que hoje precisamos enfrentar é o governo federal, que não disponibiliza recursos aos povos indígenas, para cuidar da nossas vidas e para cuidar na própria casa, que é a nossa Amazônia e que produz oxigênio e água não só para os povos indígenas. Então é muito difícil para nós povos e mulheres indígenas passar por uma pandemia sem nenhum tipo de assistência. Nunca tivemos políticas públicas voltadas a nós. Nunca tivemos acesso a uma saúde e educação de qualidade. Nós sempre tivemos à frente, para combater o sistema. Esse sistema corrupto que se instalou dentro do Brasil desde a colonização”, contou Telma Taurepang ao SOS Corpo em entrevista por telefone.
De acordo com a líder indígena, em seu testemunho perante ao Júri composto Ketty Marcelo López, liderança indígena do povo Ashaninka, ex-presidenta da Organización Nacional de Mujeres Indígenas Andinas y Amazónicas del Perú (ONAMIAP) e coordenadora nacional da Organización de Mujeres Amazonicas Ashaninka de la Selva Central (OMIASEC); Laylor Vanessa García Gómez, advogada e mestranda em Estudos Amazônicos da Universidade Nacional da Colômbia (Colômbia), e Maria Betânia Ávila, militante feminista da Articulação de Mulheres Brasileira, da Articulación Feminista Marcosur e uma das fundadoras do SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia (Brasil), serão apontados uma série denúncias como: o contexto sociopolítico que se insere a política destrutiva de Bolsonaro, especialmente sobre o território da Amazônia; as queimadas e aumento do desmatamento, bem como a falta de política para a demarcação das terras indígenas, o avanço da especulação do agronegócio com a violência da indústria da mineração, da grilagem de terras; o aumento da violência, assédio tráfico e do trabalho das mulheres nos territórios explorados pelo grande capital, e ainda, a total situação de desproteção durante a pandemia de covid-19, com o grande número de indígenas mortos por contaminação criminosa e pela falta de acesso ao sistema de saúde pública. Assista no vídeo abaixo:
O que é um Tribunal Ético de Justiça das Mulheres?
Os Tribunais éticos têm sido uma experiência importante na trajetória de movimentos de mulheres um espaço de construção de denúncia para a sociedade em geral, para os governos, para os espaços de governança global sobre os impactos do modelo extrativista e predatório sobre os territórios e sobre as mulheres, de maneira particular, como explica Verônica Ferreira, militante feminista da Articulação de Mulheres Brasileiras, da Articulación Feminista Marcosur e da coordenação do SOS Corpo.
Os Tribunais de mulheres surgem com princípios fundamentais de serem espaços éticos-políticos para amplificar a voz das mulheres que vivem e sofrem os impactos deste modelo predatório capitalista, patriarcal, racista e colonial e permitem que a experiência das mulheres e a resistência dos movimentos de mulheres nos territórios sejam articulados a partir de causas em comum.
“Para nós da AMB e da AFM os tribunais éticos e políticos de mulheres são uma metodologia muito cara para nossos movimentos, no sentido de permitir e propiciar a realização de denúncias sobre as violações de direitos e a ofensiva desse sistema patriarcal, racista e capitalista contra nós mulheres, nossos territórios e nossos corpos que são os nossos primeiros territórios de existência. É uma metodologia que permite compartilhar a experiência de opressão e de exploração, de violação enfrentada, e também amplificar a resistência que as mulheres realizam. O Tribunal tem sido um espaço importante de articulação, de construção de alianças de diferentes movimentos de mulheres, em torno de causas comuns especialmente no campo do trabalho e da luta por justiça socioambiental, nesse momento tão crítico que o desenvolvimento capitalista, racista e patriarcal avança contra nossos territórios de maneira muito violeta”, comentou Verônica Ferreira.
Somando forças às organizações indígenas brasileiras como a UMIAB e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), organizações do movimento feminista brasileiro, como a AMB, querem endossar a denúncia coletiva da ofensiva do governo Bolsonaro-Mourão contra os povos indígenas e os territórios de preservação ambiental no país, e de sua política que tem negado a possibilidade de existência das populações indígenas e tradicionais. A denúncia destaca ainda a violência da política do Estado, seja por sua omissão em garantir a assistência básica aos povos durante a pandemia, seja pela autorização do uso da violência por grupos armados contra os povos indígenas e suas lutas, atingido de maneira particular as mulheres.
O veredicto do julgamento pelo Júri do II Tribunal Ético de Justiça das Mulheres Andinas e Pan-amazônicas será proferido durante a abertura do IX Encontro Virtual Internacional do Fórum Social Pan-Amazônico FOSPA que será realizado a partir de 12 a 15 de novembro. Informações: http://www.forosocialpanamazonico.com/pt/