“Nós, que acreditamos na liberdade não podemos descansar até que ela venha” – Ella Baker

Um suspiro em tempos difíceis. Essa sensação tomou corpos, mentes, redes e deu o tom das vozes que se multiplicaram nas últimas semanas em diferentes cidades ao redor do mundo com a performance “Un Violador En Tu Camino”, do  grupo performático interdisciplinar de mulheres, o Las Tesis. Inspiradas nos escritos de pensadoras feministas, as artistas levaram para as ruas chilenas o hino que denuncia e nomeia nossos antagonistas na violência patriarcal em nossos cotidianos.

A potência da ação artivista virou o fenômeno porque ela explicita o caráter estrutural da violência contra as mulheres. Em um mês, a performance chegou em todos os continentes. No Brasil, percorreu diferentes regiões e ganhou atenção para questões particulares. Como a de um Estado racista que eugeniza as cidades e mata a cada 23 minutos jovens negros nas periferias. A violência é expressa estruturalmente numa articulação profunda entre o patriarcado, o racismo e o capitalismo. O violador é Estado, o Judiciário, a Polícia. É também quem se beneficia desse sistema-mundo. “Marielle presente! O assassino dela é amigo do presidente!”.

Mulheres de diferentes idades, ligadas ou não à movimentos feministas, replicaram a performance, mostrando que a culpa pela violência nunca é nossa e que a retórica de que a culpa é da roupa ou do lugar onde transitamos também é refutada. A violência patriarcal é expressa numa estrutura que tem o racismo como um conformador, como se pode ver nos índices de feminícidio, onde 63% das vítimas são mulheres negras. Uma violência que furta direitos de ir e vir, de existir em plenitude e com cidadania, em cidades que garantam nosso bem viver. Estar em situação de pobreza e fome, sem direitos à moradia, acesso à água de forma gratuita, à uma alimentação sem veneno, à educação pública e de qualidade, à um sistema de saúde público e universal e à condições de trabalho dignos são também expressões da violência como estrutura do capitalismo-racista-patriarcal. Ela tolhe direitos e a democracia.

A performance do Las Tesis, feita a primeira vez em 25 de novembro em Valparaíso, no Chile, foi para denunciar o estupro como uma arma de guerra. Para denunciar como a tortura é um instrumento amplamente usado pelo braço armado do Estado, mesmo sendo condenado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Com os olhos vendados, elas denunciaram como os canabineros (a polícia chilena) violenta quem está nas ruas resistindo ao governo neoliberal. A partir da música, da dança e do corpo, potentes ferramentas de expressão da cultura, as mulheres e dissidências levantaram mais uma vez a bandeira da resistência, colocando a arte como instrumento de denúncia política que amplia o sentido da luta em tempos de repressão. É o meio de expressão possível frente aos avanços sombrios da ultradireita.

Nós, que acreditamos na liberdade, como nos incita Ella Baker, entendemos que o caminho para ela deve ser feito com luta e o artivismo é um instrumento de força para que ela se amplie. A liberdade se expressa no cotidiano, é construída coletivamente através do afeto, da raiva como potência de ação, na defesa da alegria e do amor. Que em 2020 possamos, enquanto eles se sustentam pelo ódio, nos munir de empatia e de arte para contra-atacar, para que no fim, possamos dançar em cima dos escombros dos sistemas que derrubaremos*!

*Frase inspirada pela música DevidaMente Controlada, da multiartista brasileira, indígena da etnia Mapuche, Brisa Flow.

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