Por Déborah Guaraná*
Em Pernambuco a história do movimento lésbico começa na casa de Josenita Duda. No final da década de 70 e 80, as mulheres se destacaram por esse processo de pensar, articular e fazer o movimento. Josenita Duda desde cedo se dizia uma mulher entendida e transgredia os espaços. Ela fez parte do movimento negro, do movimento de libertação da igreja católica liderada por Dom Helder Câmara, aqui em Recife. Depois das reuniões ou festas da igreja, reunia a juventude transgressora, nordestina, sem-teto, severinos, procurando uma sombra às suas cabeças, libertando territórios e corpos, combatendo os preconceitos com pura liberdade.
Hoje conhecemos ela como Jô de Camaragibe, moradora do bairro desde antes dele ser registrado como município. Jô participou da construção da região inteira, participou das ocupações e organizou a primeira feira livre de Camaragibe. A história do bairro se entrelaça com as de outras duas ocupações Vila Arrais, localizada na Várzea, e Brasília Teimosa, em Boa Viagem.
Já a história do movimento gay e lésbico em Recife, inspirada em Secos e Molhados tanto quanto na Jovem Guarda, tem início no quintal da casa da adolescente Josenita Duda. A anfitriã da festa Metamorfose recebia algumas convidadas com uma bebida chamada Xoxota, cuja receita permanece em segredo. A inspiração para o nome da festa vem da música de Raul Seixas e das performances teatrais e musicais que faziam os meninos e meninas no quintal da casa de seu pai. Entre amores livres entre as diversas bandeiras de lutas, o movimento homossexual nasceu em festa, em plena ditadura. E depois da democratização se institucionalizou como grupo organizado.
Defensora do amor livre, Jô conversou comigo sobre preconceitos, liberdades, amores, juventude, ocupação, sobre como foi importante desenvolver junto com outros jovens autonomia econômica e sexual, vibrou com histórias do movimento estudantil, do movimento hippie “esse povo do paz e amor”, contou-me de sua candidatura à vereadora pelo PT, partido do qual participou da fundação. Enquanto isso, Jô ía e vinha, mergulhada também em memórias sobre o fim do mundo e o seu medo da tecnologia e vigilância.
Depois de duas horas de papo, ela reclamou da minha pressa. Eu alertei “Tá na sua hora, não na minha!” Ela tinha hora marcada para ir à Universidade Federal de Pernambuco, assistir a defesa da tese de mestrado da Ana Carla Lemos, pesquisadora social do movimento lésbico em Pernambuco, uma das entrevistadas para este vídeo.
Ana Carla fez a historiografia recente dos movimentos lésbicos em Pernambuco, estudando a organização e memória. Ela pesquisou desde a década de 70, quando se iniciou o período que ela denomina como de construção da identidade dos sujeitos, período onde destaca a importância das mulheres no acolhimento a todos os indivíduos, não apenas as lésbicas. E sua historiografia vai até o ano de 2006 – vinte anos depois do primeiro Seminário Nacional de Lésbicas (Senale).
*Déborah Guaraná é comunicadora e integrante do coletivo político profissional SOS Corpo. Integrante do Fórum de Mulheres de Pernambuco, da Articulação de Mulheres Brasileiras e da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas.
Um viva bem grande pra Jô que sempre planta me nós a dúvida sobre nossa “lucidez” e sobre “partilhar”, sobre o que não temer e do que se deve ter medo. Muito amor por essa companheira maravilhosa!