E se fizéssemos o exercício filosófico de repensar o que cada termo e conceito que usamos no dia a dia da militância feminista diz e os implicasse numa reflexão sobre o que cada um deles significa na nossa vida prática? Esse desafio foi lançado pela filósofa e teóloga feminista Ivone Gebara na conferência de abertura da edição de julho do curso Caleidoscópio: Corpos Livres, Estado Laico – Feministas contra o fascismo e o fundamentalismo, organizado pelo SOS Corpo.
Ao lado de Vera Baroni, da Rede de Mulheres de Terreiro, e Sônia Mota, Diretora Executiva da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), Ivone Gebara foi convidada para debater um assunto caro para o movimento feminista: o Estado Laico. Refletindo sobre os significados da relação entre Estado e Religião nos processos democráticos, a teóloga lançou o desafio às participantes de romper com o significado simplista que o conceito de laicidade nos traz para ampliar seu significado e potência na luta pelos direitos das mulheres.
“Eu quero dizer que quando a gente fala de Estado Laico eu tenho receio de que a gente está sendo simplistas demais. Porque quando as quilombolas estão reclamando seus direitos à preservar sua ancestralidade, elas estão fazendo isso em nome da sua cultura religiosa. Quando os povos indígenas reclamam seus direitos, atuam em nome da sua fé religiosa, sua fé nos espíritos. Então esse país não é laico. Esse é um país religioso”, refletiu Ivone.
Trazendo contribuições fundamentais para o debate, a filósofa enfatizou a necessidade de ressignificar os conceitos que são usados para entender o real papel das religiões em um Estado que se quer democrático. “Vivemos numa democracia puramente nominal, porque uma democracia real é uma democracia que exige também a distribuição, redistribuição dos bens econômicos, dos bens culturais, dos bens simbólicos”, comentou Ivone, defendendo também a necessidade de se ter uma espiritualidade feminista como importante aliada na nutrição das mulheres na luta por liberdade. “Essa sustentação tem que fazer parte de uma espiritualidade feminista que nutra a gente, que não necessariamente tenha que abraçar uma ou outra religião, mas que seja de fato algo que sustente, ou ajude a sustentar, nesses momentos difíceis que estamos vivendo”.