Democratização da Comunicação: o que isso tem a ver com a vida das mulheres?

Por Paula de Andrade, da equipe do SOS Corpo

Nas últimas décadas, a ação da sociedade civil pela democratização da comunicação, no Brasil, tem se renovado a partir da compreensão e de pensar a comunicação no campo dos direitos humanos, reconhecendo-a como um importante e influente espaço de produção de informação e cultura e, nesse sentido, constituição de valores, comportamentos e práticas sociais.

Para nós, mulheres, esse processo passa tanto pela crítica, elaboração e proposição dos conteúdos midiáticos, como pela atuação na esfera pública, reivindicando o exercício da comunicação como parte dos nossos direitos humanos, reflexo de nosso lugar de sujeitos da transformação social. Especificamente, a partir de processos do movimento feminista, e outros movimentos sociais, o direito à comunicação também significa ter as condições para materializar, em diversas mídias, a produção de conhecimento resultante de sua ação.

Assim, afirmar a comunicação como direito humano avança para além do conceito de democratização da mídia, ampliando o sentido de liberdade de expressão. Significa reconhecer que é direito da sociedade participar da produção de sentido (e das disputas que essa participação favorece). Participar tendo autonomia para, discursivamente, se inscrever nas arenas públicas sem a mediação e instrumentalização dos grandes meios de comunicação, mas levando-os em conta.

O feminismo considera que a construção do sujeito implica em criar possibilidades para ação criadora das mulheres que lhes é roubada no cotidiano pelo confinamento doméstico, pela dupla jornada de trabalho, pela violência, e por outras formas de opressão.

O que se passa no entorno da comunicação é crucial na formação das relações de poder. Por isso, não basta monitorar os discursos presentes. É preciso observar o que não contam os meios de comunicação social e apontar as ausências: de alternativas, mensagens e opiniões, sobretudo das mulheres e, entre todas, das mulheres negras e indígenas, entendendo a ideia de participar como condição para efetiva democratização institucional, informacional, econômica e cultural.

Na contemporaneidade, emergem experiências alternativas para superação do que se pode chamar “o sistema passivo de comunicação e democracia” sob o qual vivemos, segundo Manuel Castells. Um sistema que isola as pessoas e as agrega em função dos que controlam o poder.

Apenas as mudanças tecnológicas não são suficientes, estruturalmente, para novas formas de comunicação mais democráticas. Acreditamos que agregar sujeitos pelo direito à comunicação é uma das possibilidades de trilhar saídas para os impasses da democracia atual, inclusive do ponto de vista socioeconômico. A nosso ver, isso contribuirá também para visibilizar novas formas de atuar politicamente e para superação de uma visão da política estigmatizada. Entre outros aspectos, setores da mídia tradicional costumam associar política ao binômio ‘corrução & impunidade’ ou, no máximo, à relação entre ‘falhas na condução das políticas públicas & crises econômicas’, de uma forma descontextualizada, sem revelar forças políticas ou interesses econômicos, como se a ação de governantes fosse uma ação de ‘gerentes’ neutros.

Fortalecer a atuação do movimento de mulheres e demais movimentos sociais pelo direito humano à comunicação é, portanto, uma contribuição fundamental para enfrentarmos o atual cenário de uma generalização destrutiva sobre a política, resgatando o sentido da democratização do poder, inclusive a partir do campo da comunicação.

No movimento

No âmbito do movimento de mulheres é preciso constituir experiências de atuação estratégica, capazes de viabilizar e fortalecer formas próprias de comunicação e para emergência de novas ativistas nesse campo.

Para maior efetividade, acreditamos ser necessário atuar com base em uma elaboração técnico-política sobre o contexto da comunicação no Brasil e no mundo, o que nos remete à necessidade de formular processos que estimulem experiências inovadoras, considerando a pluralidade e as singularidades de cada lugar, cada sujeito, e de cada mídia (as tradicionais e as mais recentes).

Compreendemos que uma ação voltada para reforçar este debate na sociedade, e em particular no movimento de mulheres, precisa colocar em curso iniciativas de formação e articulação (ações em rede) que contribuam para essa elaboração técnico-política e para a construção de discurso midiático. Além de iniciativas específicas que fortaleçam a capacidade de divulgação das causas e ações das organizações de mulheres e do pensamento feminista, em conexão com uma estética cheia de ousadia e criatividade, próprias do feminismo.

Tudo isso na perspectiva de mais mulheres feministas desenvolvendo novas formas de circular informação, e – pela própria inserção na comunicação, e por se firmarem (e serem reconhecidas) como produtoras e agregadoras de novos conteúdos – contribuírem para mudanças rumo à democratização.

Mulheres feministas com capacidade para se comunicar de forma mais colaborativa, com possibilidade de inovar, sem se prender a um centro, mas expandindo suas conexões por serem também construtoras de “infovias”: caminhos de informação e comunicação. E assim, pelo fortalecimento obtido através da comunicação, poderem também conquistar maior capacidade para sustentar suas organizações e ações coletivas em contextos adversos. Contextos semelhantes ao atual, marcados pelo conservadorismo, recrudescimento do fundamentalismo religioso, restrição do acesso aos bens comuns, perda de direitos e de proteção social no âmbito do trabalho, e restrição de recursos para ações em defesa dos direitos humanos.

Por onde estamos indo?

Na sociedade civil mundial, a novidade dos últimos anos é o fortalecimento da movimentação social a partir de uma multiplicidade de meios que ampliam a comunicação em rede, diferenciando-se da “comunicação de massas” pelas possibilidades de interação, distribuição, descentralização, desintermediação.

Na conjuntura brasileira, como um dos exemplos de ações em rede para o fortalecimento desse debate no movimento de mulheres, temos a Carta aberta das mulheres em luta pelo direito à comunicação, redigida a partir da articulação de organizações feministas, e que contou com a adesão de muitas redes do movimento, o que propiciou sua divulgação em boletim do Fórum Social Mundial. Entre outros conteúdos, a Carta (1) foi um dos subsídios retomados na Reunião de Mulheres pela Liberdade de Expressão e Por Mecanismos Democráticos da Regulação dos Meios de Comunicação, aberta hoje (05/11/12), em São Paulo, pelo Instituto Patrícia Galvão, em parceria com o Intervozes, o Geledés e o SOS Corpo.

Não temos dúvida: dessa reunião devem sair algumas boas e novas ações em rede, voltadas para expansão da campanha por liberdade de expressão. São as organizações de mulheres buscando igualdade e liberdade no campo da comunicação. Participe! Como diz o pessoal do Intervozes: Levante sua voz!

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(1) Este documento foi resultado da Reunião Estratégica sobre Banda Larga e Marco Regulatório das Comunicações realizada pelo Instituto Patrícia Galvão, Geledés – Instituto da Mulher Negra e Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, com o apoio da Fundação Ford,  nos dias 3 a 5 de junho de 2011, em São Paulo, que teve como objetivo a construção de uma agenda feminista de atuação de curto e médio prazo para a incidência no debate público e também na 3a Conferência Nacional das Mulheres em torno desses dois temas: banda larga e marco regulatório das comunicações. Essa reunião contou com a participação de ativistas e especialistas de várias regiões do país, de diversas organizações feministas e do movimento pelo direito à comunicação. Veja mais detalhes no site: www.patriciagalvao.org.br

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Paula de Andrade é jornalista, integra a coletiva de comunicação da Articulação de Mulheres Brasileiras

Publicado originalmente em: Intervozes, em 05/11/2012

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