No último domingo, dia 1 de dezembro, Dia Internacional de Luta contra a AIDS, o GTP+ promoveu o Primeiro Circuito Positivo, dando início à Semana de Luta Contra a AIDS e comemorando os 24 anos da organização. Para somar nessa semana de luta, o SOS Corpo conversou com Nance Ferreira, coordenadora do GTP+, sobre a situação das mulheres que vivem com HIV em Pernambuco.
Texto: Lara Buitron | Revisão: Fran Ribeiro
No final da década de 1970 começaram a aparecer os primeiros casos de AIDS na África Central, no Haiti e nos EUA. Na década seguinte, as notificações da infecção aumentaram e a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida se espalhou rapidamente pelo mundo. Junto com o vírus, diversos preconceitos e estigmas com as pessoas positivadas também se tornaram uma pandemia.
A mídia e a opinião pública mundial ajudaram a construir e reforçar os preconceitos relacionados às vítimas da infecção, adotando o termo “doença dos 5 H”: Homossexuais, Hemofílicos, Haitianos, Heroinômanos (usuários de heroína injetável), e Hookers (profissionais do sexo, em inglês), sendo o termo utilizado inclusive nos serviços de saúde. A AIDS também ficou mundialmente conhecida como “peste gay” ou “câncer gay”, localizando a infecção em um grupo específico, reforçando a associação entre a homossexualidade e a morte e culpabilizando a comunidade gay pela doença.
Em 1987, quando ainda não havia tratamento para a doença, mais de 200 mil pessoas, dentre elas ativistas e pessoas soropositivadas, protestaram na 3ª Conferência Internacional de Aids, os militantes queriam ser escutados pela comunidade científica. Em consequência ao ato de resistência ao silenciamento, no ano seguinte, foi instituído o dia 1º de dezembro como Dia Mundial de Luta contra a Aids, pela Assembleia Geral da ONU e pela Organização Mundial da Saúde.
Foi no Brasil, em 1983, o primeiro caso de infecção identificado em uma mulher, surpreendendo a comunidade científica e os serviços de saúde e provando que não, a AIDS não era uma doença exclusiva de homens gays. Hoje, segundo o Ministério da Saúde, estima-se que um milhão de pessoas vivam com HIV no Brasil e desse total, 350 mil são do sexo feminino.
No último domingo, dia 1º de dezembro, a organização GTP+ – Prevenção e Cidadania, ocupou o Parque 13 de Maio, no centro do Recife, para iniciar a Semana de Luta Contra a AIDS e começar as celebrações do Jubileu de Prata da Instituição, que completa 25 anos de existência em 2025. A atividade começou às 7h da manhã com um circuito de corrida interno. Além de promover bem estar e conscientização sobre o tema, o evento contou também com testagem rápida de fluido oral e uma equipe para fazer acolhimento e orientação.
Para entender melhor a situação das mulheres soropositivas em Pernambuco, entrevistamos Nance Ferreira, coordenadora do GTP+. Nance é ativista na luta contra o preconceito e estigma de quem vive com HIV e AIDS, militante dos direitos humanos e feminista do Fórum de Mulheres de Pernambuco. O GTP+ é uma organização não governamental que atua na garantia dos direitos humanos de quem está mais vulnerável à epidemia do HIV e AIDS no estado, principalmente populações LGBTI+, profissionais do sexo, pessoas que vivem com HIV e AIDS, pessoas egressas e internas do sistema prisional e população em situação de rua.
SOS Corpo: Como você percebe a situação das mulheres vivendo com HIV-AIDS no estado de Pernambuco e suas condições de vida?
Nance Ferreira: As condições de vida das mulheres que vivem com HIV aqui em Pernambuco são, no geral, situações muito precárias. A maioria delas, quando elas não têm o benefício garantido, a autoestima dessa mulher vai lá para baixo. Ela já não tem mais uma autoestima, ela tem pensamento de que ninguém vai querer ficar com ela e aí quando ela consegue um companheiro, ela se submete a vários tipos de preconceito, de violação de direitos. Fora isso, a condição de vida social também é muito muito gritante. Porque com a descontinuidade do Benefício de Prestação Continuada (BPC), muitas delas também terminam não conseguindo acessar o Bolsa Família. E tem a questão do trabalho. Não é tão fácil para uma pessoa que vive com HIV conseguir um trabalho. Algumas pessoas até conseguem o trabalho, mas permanecer nele é complicado. Isso tudo faz com que essa condição de vida seja bem complicada, principalmente para as mulheres.
S: Como estão as condições de saúde das mulheres vivendo com HIV/AIDS e a situação dos serviços de saúde?
Nance: São mulheres, principalmente as que vivem com HIV há muito tempo, que têm HIV há mais de 5 ou de 10 anos, na maioria das vezes, a saúde mental é o que tem pesado muito para essas mulheres. E a falta de profissionais de saúde nessa área é muito grande. A gente sabe que tem um déficit enorme na saúde do Brasil. Falta profissional de saúde, falta medicação… e são medicações que nem são tão caras, como alguns remédios para dormir, por exemplo, que são remédios super baratos, mas que faltam muito na rede de saúde, seja por conta da quantidade de pessoas que utilizam, seja por falta de investimentos. Eu vejo que a maioria das mulheres que vivem com HIV tem utilizado os serviços de psicologia e psiquiatria e que a maioria delas também tomam remédios para depressão e também remédios para dormir.
S: Como anda a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres vivendo com HIV em Pernambuco e o enfrentamento a violência doméstica por parte do Poder Público?
Nance: Praticamente não existem direitos sexuais e reprodutivos para as mulheres que vivem com HIV e AIDS, porque desde o primeiro momento que essa mulher recebe o resultado positivo para HIV, ela perde esse direito sexual e ela perde esse direito reprodutivo, porque se coloca uma condição de que ela não pode mais transar e de que ela não pode mais ter filhos. Mesmo a gente sabendo que pode sim! Que essa mulher pode sim transar, que essa mulher pode sim ter filho e que essa mulher pode sim ter parto parto normal, se ela quiser. E esse direito muitas vezes não é garantido, às vezes até a própria mulher se sente tão menosprezada e com tanto preconceito em cima dela, que muitas vezes ela mesmo desiste de querer ter um parceiro, de transar com uma pessoa que ela queira, porque ela fica com medo. A maioria das mulheres têm medo de procurar um parceiro sexual. Eu digo isso porque eu passei por isso também, de ter medo de ter um parceiro sexual, de passar por violência por dizer que era uma pessoa que vivia com HIV, de ter o direito de engravidar não garantido no serviço de saúde.
A gente sabe como é difícil para uma mulher assumir que está vivendo violência doméstica, essa violência que se tem a todo momento e em todos os lugares. E quando é uma mulher que vive com HIV, essa violência é muito maior. Isso acontece tanto quando ela tem um parceiro que é sorodiscordante (que é uma pessoa que não vive com HIV), como também quando é uma pessoa que também vive com HIV. Porque não é só a violência física, tem todas as outras violências que a gente termina passando por conta de querer estar numa relação. Isso é muito delicado, sabe? Acho que essa é a palavra, chega a ser muito delicado, para as mulheres que vivem com HIV, sair dessa violência, principalmente a violência psicológica que a gente termina passando, violência sexual também. São vários tipos de violência, mas eu acredito que principalmente essas duas são violências mais frequentes, no caso das mulheres que vivem com HIV e tem um relacionamento fixo.
Quando você vai para as mulheres que vivem com HIV, mas não tem relacionamento fixo, já é uma violência ou verbal ou uma violência realmente física, porque quando o parceiro descobre que aquela mulher tem HIV, mesmo que ela seja indetectável (indetectável quer dizer que ela não transmite) o cara não quer saber, ele vai lá e mete o cacete na mulher, porque na cabeça dele, ela passou HIV para ele, sendo que muitas vezes você nem sabe o que ele próprio já viveu por aí. Mas ele termina culpando aquela mulher por ter passado alguma coisa para ele, mesmo sem ter passado, e aí termina vindo essas violências verbais ou até mesmo a violência física.
S: Como anda a luta das mulheres vivendo com HIV no estado?
Nance: Aqui no estado de Pernambuco a gente tem uma luta bem consolidada. Tem vários movimentos, mesmo que não sejam só de mulheres que vivem com HIV, que agregam essas mulheres, que acolhem essas mulheres. A gente tem um movimento muito consolidado, as Cidadãs Positivas, tem o programa Hora Feminista do GTP+, o Fórum de Mulheres de Pernambuco… Enfim, são várias redes e fóruns que trazem essa temática e fortaleceem essas mulheres. Mas, ao mesmo tempo que essas mulheres estão ali querendo dar a carga, dar o gás, o Estado não garante que esses movimentos cresçam. Então, quando tem um Congresso para participar, que seja em outro estado, ou até mesmo dentro do município, muitas mulheres não conseguem participar, porque elas não tem recurso financeiro para ir até os lugares, as Audiências Públicas que se têm, os atos públicos… Em várias situações, mesmo tendo esse movimento forte, porque as mulheres são mulheres muito fortes, o Estado não garante a participação de uma forma mais tranquila, muitas não conseguem participar.
No GTP+, no programa Hora Feminista, a gente tem um grupo que tem crescido bastante. Hoje estamos com um grupo com 36 mulheres, se eu não me engano. Só que quando tem uma atividade que tenha que se locomover de alguma forma, se a Instituição não tiver recurso para garantir essa locomoção, as mulheres não conseguem ir, porque como eu disse lá no começo, a gente não tem a garantia de um benefício, a gente não tem a garantia de um Bolsa Família, a gente não tem a garantia de continuar no trabalho sendo CLT. Tudo isso atrapalha o nosso movimento de mulheres que vivem com HIV.
S: Como a luta feminista contribui ou pode contribuir na luta das mulheres vivendo com HIV?
Nance: A luta feminista contribui muito com a luta das mulheres que vivem com HIV. Como eu falei aqui, o Fórum de Mulheres de Pernambuco, principalmente, é um ambiente que sempre tenta trazer essas questões, o SOS Corpo também… O SOS já teve muitos projetos direcionados para essa população e hoje em dia, sempre que tem qualquer discussão, eu percebo que o SOS sempre tenta colocar as mulheres que vivem com HIV para ver as questões a partir desse recorte também, seja lá qual for o tema.
Então, o Movimento de Mulheres é muito importante na vida das mulheres que vivem com HIV, porque mesmo que essas mulheres não participem diretamente dos movimentos, elas são fortalecidas de alguma forma, diretamente ou indiretamente, porque sempre vai ter aquela que vai e quando chega lá no hospital, lá no seu lugar de tratamento, ela vai contar para as outras mulheres que estão lá e elas vão se sentir fortalecidas igual. Na maioria das vezes, eu escuto as falas da seguinte forma: “poxa, eu queria tanto poder participar. Eu queria tanto poder ir para essas coisas.” Mas como a gente ainda tem um estigma muito forte e um preconceito muito forte em cima das pessoas que vivem com HIV, muitas pessoas, principalmente as mulheres, não têm a sorologia aberta. A família não sabe, os amigos não sabem. Então, essas mulheres terminam não participando dos movimentos sociais e elas só escutam as histórias ali no ambulatório, quando vão para o médico. Porque tem toda essa questão, porque a família não sabe, o marido às vezes não sabe, tem aquela coisa de se esconder mesmo. E aí essa mulher termina se isolando e quando tem aquela que vai, quando ela chega no ambulatório ela conversa outras sabe e isso é muito interessante, porque isso acontece de verdade, só das outras mulheres escutarem elas já se sentem fortalecidas. Então, o Movimento de Mulheres é um é um pilar de fortalecimento.
Para saber mais sobre o trabalho do GPT+ – Prevenção e Cidadania acesse: https://www.gtpposithivo.org/
Referências:
UNAIDS Brasil – Dia Mundial De Luta Contra A Aids: O que é?
https://unaids.org.br/dia-mundial-de-luta-contra-a-aids/
FIOCRUZ – O Vírus da AIDS 20 anos depois – A Epidemia de AIDS através do tempo
https://www.ioc.fiocruz.br/aids20anos/linhadotempo.html
Ministério da Saúde – Brasil registra queda de óbitos por aids, mas doença ainda mata mais pessoas negras do que brancas
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/novembro/brasil-registra-queda-de-obitos-por-aids-mas-doenca-ainda-mata-mais-pessoas-negras-do-que-brancas#:~:text=Estima%2Dse%20que%2C%20atualmente%2C,350%20mil%20do%20sexo%20feminino.
Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde – “Acabar com as desigualdades. Acabar com a Aids. Acabar com as pandemias”: 01/12 – Dia Mundial de Luta Contra a Aids
https://bvsms.saude.gov.br/acabar-com-as-desigualdades-acabar-com-a-aids-acabar-com-as-pandemias-01-12-dia-mundial-de-luta-contra-a-aids/