Conversamos com Rivane Arantes sobre as discussões resultantes do intercâmbio de experiências promovido pelo Fundo Labora entre o SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia e o Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) da UNICAMP, venha conferir um pouco mais dessa experiência.
| Texto de Lara Buitron |
Nos dias 23 e 24 de maio, o SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia, representado pelas pesquisadoras Rivane Arantes e Betânia Ávila, participou de um intercâmbio de experiências promovido pelo Fundo Labora com o Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) da UNICAMP. Além do CESIT participaram deste momento de troca o Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, também da UNICAMP, a Casa Laudelina de Campos Mello e as companheiras do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Campinas (SINDITD). O objetivo desse momento intercambial foi compreender onde, como e com o que as organizações podem trabalhar juntas, tentando encontrar caminhos e articular ideias em comum.
O diálogo se deu a partir da prática política e da produção de conhecimento, identificando dificuldades, desafios, potencialidades e sinergias entre as organizações presentes.
“Esse momento foi muito rico, contribuindo na nossa reflexão em torno da questão do trabalho, do trabalho das mulheres, do trabalho no Brasil hoje, em um contexto de retrocessos e novos desafios para classe trabalhadora, em especial para as mulheres negras empobrecidas. São essas mulheres que estão nos trabalhos mais precarizados e sabemos que quanto pior são as condições de trabalho mais precárias são as condições de vida. Tanto o SOS Corpo quanto o CESIT, a Casa Laudelina de Campos Mello e o SINDITD compreendem a precarização como uma das questões centrais não só para pensar trabalho e mulheres, mas para pensar a vida e o mundo” destacou Rivane Arantes.
No dia 23, primeiro dia de trocas, a professora Marilane Oliveira Texeira e o professor José Dari Krein, docentes e pesquisadores que integram parte do Centro de Estudos, recepcionaram e acompanharam nossas pesquisadoras. O CESIT tem uma certa similaridade com o SOS Corpo, pois produz conhecimento, através da pesquisa e da educação, tendo o debate sobre trabalho como objeto central do seu campo de estudo. Esse primeiro momento da manhã fora dedicado à troca de experiências, métodos e estratégias de trabalho das duas organizações, em que territórios incidem, como são pensadas e difundidas as publicações, enfim, foi um momento dedicado ao compartilhamento das experiências de trabalho das duas organizações a partir das práticas de educação, pesquisa e produção de conhecimento.
No segundo momento da manhã, o intercâmbio foi com o Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, um espaço de pesquisa de 31 anos, que, além de desenvolver pesquisas, organiza os Cadernos Pagu, importante revista científica dos estudos de gênero no país. A troca e o diálogo foram conduzidos na perspectiva dos desafios vividos pelas mulheres pensando o problema da sobrecarga de trabalho nas vidas, assim como a relação do trabalho doméstico com o tempo da vida e a importância de fortalecer a interação entre universidade e organizações da sociedade civil na produção de conhecimento.
Ainda no dia 23, dialogamos com estudantes de graduação, da pós-graduação e também professores e professoras que fazem parte do CESIT e de outros programas de ensino, sobre as questões da proteção social e da informalidade no mundo do trabalho e as problemáticas apresentadas pela conjuntura sob nossas metodologias e abordagem.
“Foi interessante perceber a curiosidade dos membros do Centro de Estudos sobre a nossa forma de pesquisar, queriam compreender melhor como fazemos na prática, como realizamos e experimentamos essa articulação entre as dimensões de gênero, raça e classe, tanto na produção do conhecimento quanto na prática da ação política”, explicou Rivane Arantes.
Ainda segundo a pesquisadora, houveram trocas sobre estratégias e achados de pesquisa, sobre o contexto da informalidade e da precariedade e como ele é percebido pelas trabalhadoras com as quais o SOS Corpo trabalha.
Um dos pontos principais da conversa foi sobre o problema causado pela flexibilização das relações de trabalho e do trabalho de cuidados. Sendo o trabalho doméstico a porta de entrada das mulheres no mercado de trabalho, são elas que estão nas camadas de menor remuneração, nos piores trabalhos e que são sobrecarregadas com o trabalho doméstico, que segue sem ser dividido. A reflexão conjunta foi em torno de como pensar uma política do cuidado, sem que ela cristalize as mulheres no lugar de cuidadoras. Afinal, as políticas públicas estão ancoradas no processo de divisão social, racial e sexual do trabalho, o que cria uma contradição evidente, por um lado as mulheres estão na luta por políticas públicas, que também é uma luta por acesso à democracia e aos direitos, mas as políticas públicas por si só não são suficientes para construir outra forma de organizar a sociedade e são igualmente estruturadas pelo patriarcado, machista e capitalista.
Rivane Arantes e Betânia Ávila apresentaram ao grupo uma questão essencial para se pensar a situação das mulheres no mundo do trabalho, que é o significado de emprego e renda para as mulheres. A questão da sobrevivência é muito importante, mas o trabalho tem um significado maior ainda para as mulheres, é uma questão também de autonomia. O trabalho fortalece a subjetividade, a autoestima e permite que elas tenham maiores condições de definir outras dimensões da sua própria vida. Dentre as problemáticas da relação entre mulheres e trabalho é no escopo do trabalho doméstico que encontramos um ponto essencial, pois ele é o lugar onde as mulheres podem sempre recorrer quando não se tem emprego, quando há dificuldade de sobrevivência e nos contextos de crise.
O tempo e a relação com o Estado também se apresentou como ponto de conflito na vida das mulheres, o Estado conta com o tempo das mulheres e a política pública é constituída a partir disso, obviamente tem uma ausência de políticas públicas de e para o cuidado e isso reforça o lugar das mulheres como cuidadoras, empurrando-as para trabalhos mais “flexíveis”, onde ela supostamente tem condições de ter um pouco mais de autonomia sob a gestão de seu tempo. A consequência disso é remunerações menores, o que significa maior empobrecimento das mulheres em relação ao resto da classe trabalhadora, seja a parcela que tem acesso ao trabalho formal como também à parcela que está no trabalho informal.
Na manhã do dia 24 de maio, o intercâmbio aconteceu na Casa Laudelina de Campos Mello, onde as pesquisadoras se reuniram com as companheiras da Casa e com o Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Campinas, com o objetivo de conhecer a experiência, o espaço e trabalho delas. A Casa Laudelina é um coletivo de mulheres negras que ocupou um aparelho público desocupado para ser sua sede e isso trouxe desafios e embates, seja com a polícia seja com o episódio de vandalismo que o espaço sofreu depois de sua organização, reforma e reestruturação. Lá o coletivo atende mulheres negras, fazem processos formativos e ações de advocacy, o coletivo atua ainda no campo da incidência por direitos e trabalham com o resgate da memória e da importância do legado de Laudelina Campos para a história da organização política das trabalhadoras domésticas no Brasil. Justamente por isso o coletivo se articula com trabalhadoras sindicalizadas do SINDTD, elas também integram a Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) e estão na construção da Marcha das Mulheres Negras naquela região.
Durante este momento do intercâmbio o Sindicato das Trabalhadoras Domésticas também teve a oportunidade de colocar suas questões e seus desafios, como a formação de novas lideranças e a sustentabilidade da organização. Além dessa batalha, o SINDTD ainda luta contra a ação abusiva da classe patronal. No momento elas estão em processo de articulação para a constituição da convenção coletiva, organizando a categoria e em campanha para sindicalizar mais trabalhadoras. Outro enfrentamento com os patrões é pela redução da jornada de trabalho para 40 horas, garantindo estabilidade, direito às férias e aumento de um mês na licença maternidade. Mas nem tudo é dificuldade, também há vitórias importantes e uma delas, nessa luta por manterem-se vivas enquanto categoria, foi a conquista do piso salarial.
Por fim, na tarde do dia 24, participamos dos debates do Grupo de Reflexão sobre Economia Feminista do CESIT, quando houve a apresentação de pesquisas de estudantes vinculados ao grupo. Pudemos interagir com os projetos e percebemos que captar a dimensão de gênero e raça tem sido parte central dos processos de pesquisas do campo do trabalho e foi nessas questões que pudemos contribuir.
“Nesse sentido, todo o intercâmbio foi muito interessante para todas as envolvidas e pudemos também avançar no pensamento em torno dos desafios da pesquisa em uma perspectiva feminista antirracista, quais caminhos podemos seguir, quantas alternativas temos e o que a gente pode utilizar para enfrentar essas problemáticas” – avaliou Rivane Arantes.
Intercambiar reflexões, saberes e conhecimentos, em dialogo com o “pensamento pesado” e o “pensamento pensante” foi uma experiência muito significativa e com grande capacidade de construir boas sinergias entre diferentes sujeitos que têm o mesmo desejo de colaborar para mudar o mundo.