A realidade sobre o “novo” mundo do trabalho

Neste artigo que foi um dos subsídios do último curso nacional Espiral Feminista, que realizamos em março do presente ano, a assistente social e educadora do SOS Corpo, Daniela Rodrigues, traz reflexões do atual contexto do mundo do trabalho, seus impactos nas condições de vida das pessoas e as contradições impostas pela lógica neoliberal de acumulação de riquezas em cima do que é produzido pela classe trabalhadora.

| Artigo de *Daniela Rodrigues | Edição e Revisão: Fran Ribeiro | 

Foto: Reprodução/SINDMETALSA.

“Você deve estampar sempre um ar de alegria
E dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
E esquecer que está desempregado”

(Comportamento Geral, Luiz Gonzaga Jr, 1972).

A reforma trabalhista chegou como um pacote de destruição dos direitos da classe trabalhadora, promovida primeiro pelo governo golpista de Michel Temer (2016) e depois implementada na gestão de Jair Bolsonaro (2018). Estamos em 2024: sete anos depois, a reforma não trouxe o aumento de empregos e a melhoria da vida das pessoas, como prometiam esses governantes.

Por conta desta reforma, hoje crescem duas formas precárias de ocupação: os postos terceirizados em que a trabalhadora(o) não tem nenhum vínculo trabalhista com a empresa onde presta os serviços e o trabalho intermitente – aquele em que a pessoa é convocada pelo patrão para executar alguma tarefa, cumpre as horas de acordo com a necessidade da empresa, sendo seu pagamento proporcional a esse tempo trabalhado. Ou seja: não tem uma jornada, nem um salário estabelecidos.

Uma terceira modalidade de trabalho que se apresenta na atualidade é o “por conta própria”, também sem nenhuma proteção dos direitos trabalhistas, como é o caso das(os) motoristas e entregadoras(es) de aplicativo que prestam serviço a uma plataforma digital, bem como, das pessoas contratadas por MEI (Micro Empreendedor Individual) aumentando a “onda” da pejotização no mundo do trabalho.

Dois dos motivos que fazem com que as pessoas procurem essas novas modalidades de trabalho aqui no Brasil são: a) o desalento de não encontrar emprego seguro (com carteira assinada) e b) a falsa ideia de poder ser donas do seu próprio negócio, de serem empreendedoras. O que na verdade ocorre é que as pessoas estão sendo submetidas à subocupações, aprofundando ainda mais, as condições de vulnerabilidade social as quais elas muitas vezes já se encontram, em sua vida cotidiana. O empobrecimento, a exaustão física e o adoecimento mental são problemas que vem aumentando em larga escala, por conta dessa super precarização das relações de trabalho.

Por trás do discurso de geração de empregos e autonomia, o objetivo da reforma trabalhista sempre foi aumentar o lucro dos grandes empresários às custas da extrema exploração da força de trabalho das pessoas, sem qualquer compromisso com a garantia de direitos, piorando em muito, a qualidade de vida da classe trabalhadora.

Vale ressaltar que a maior parte das profissões que são submetidas a esses regimes precários de trabalho, são as que já sofrem com a histórica subalternização e desvalorização social: são as trabalhadoras domésticas e profissionais de serviços gerais; as costureiras de circuitos de comercialização; profissionais de segurança privada e vigilantes; as trabalhadoras de telemarketing e estudantes contratadas (os) como estagiárias (os), mas, que exercem funções de trabalhadoras (es); enfim,  trabalhos que são exercidos em sua maioria pela população negra, em especial mulheres, denunciando o quão racista e sexista é, essa reforma trabalhista!

Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil.

Por fim é importante dizer que esse “projeto de dizimação de pessoas” do modelo neoliberal que está em curso em nosso país, pretende também, desmobilizar da classe trabalhadora (sobrevivente). Explico: a reforma vende a falsa ideia que somos diferentes na relação com o capital, que podemos ser empreendedoras(es) de nosso próprio negócio, fortalecendo a ideologia da meritocracia brasileira de que se nos esforçamos o suficiente, chegaremos “lá”! E na busca deste “sonho”, muitas(os) de nós vão ficando – adoecendo ou mesmo tombando no meio do caminho, sem nunca alcançar este “lá”.

Essa reforma trabalhista é mais uma estratégia do sistema capitalista – com a anuência do Estado brasileiro – para, através de suas políticas neoliberais, nos explorar ainda mais, sem quaisquer responsabilidades com a segurança, saúde e a vida das pessoas.

Na verdade, quem historicamente acumula riqueza com a exploração do trabalho das pessoas, são os empresários detentores dos meios de produção. Precisamos fortalecer a consciência de classe entre nós, para não sermos enganadas(os) por esse “falso projeto de sonhos”. Precisamos organizar nossa indignação de forma crítica e coletiva, para fazermos o devido enfrentando a essa política atual de morte, que cada vez mais nos divide, nos entristece e espolia nosso tempo de vida. 

“Eu vou à luta com essa juventude
Que não corre da raia a troco de nada
Eu vou no bloco dessa mocidade
Que não tá na saudade e constrói
A manhã desejada”

(E vamos à luta, Luiz Gonzaga Jr, 1980)  

*Daniela Rodrigues é assistente social, educadora e pesquisadora do SOS Corpo. É militante feminista da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco.

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