No seu mais recente artigo para a Marco Zero Conteúdo, Carmen Silva fala da oportunidade de avançar no enfrentamento à sub-representação no sistema político brasileiro, no próximo dia 2 de outubro, ampliando a representatividade das mulheres, negros/as, povos indígenas, juventudes e de quem vive do trabalho e não do lucro, ou seja, “colocar as maiorias do povo brasileiro representado no Parlamento”.
Por Carmen Silva
Neste 2 de outubro poderemos avançar no enfrentamento da sub-representação no sistema político brasileiro? Sim, porque além de eleger o presidente Lula e por fim nos tempos tenebrosos que vivemos, precisamos ampliar a força política e a representatividade das mulheres, negros/as, povos indígenas, juventudes e de quem vive do trabalho e não do lucro, ou seja, colocar as maiorias do povo brasileiro representadas no Parlamento. Porque é tão importante escolher bem as/os parlamentares que vão nos representar? Simples, para que realmente nos representem. Razão pela qual hoje vou convidar a pensarmos juntas sobre a importância da eleição de deputadas estaduais e federais, e porque devemos escolher entre aqueles e aquelas que são oriundos dos movimentos sociais.
Nós, mulheres, somos 52,7% do eleitorado, mas de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral – TSE, nas eleições de 2020 foram eleitas apenas 12,05% de prefeitas e 16,52% de vereadoras. Nestas mesmas eleições, entre os prefeitos eleitos, somente 32% se declaravam negros. Apesar de sermos a maioria do eleitorado, nós mulheres ocupamos apenas 15% das vagas na Câmara dos Deputados e apenas 12% das vagas no Senado e nenhuma delas é negra. Agora em 2022, ainda segundo o TSE, 178 indígenas são candidatos aos cargos em disputa, o que significa 0,63% dos candidatos. Estes são simples exemplos da sub-representação no nosso sistema político dos segmentos sociais que constituem o povo brasileiro.
O Senado, embora seja a câmara alta do Parlamento federal, é eleito de forma majoritária, ou seja, cada estado da federação tem seus representantes nesta Casa escolhidos pelo eleitorado de forma independente da proporção de eleitores em cada estado. É usado o mesmo método da eleição para o Poder Executivo: majoritário, igual à eleição de governador/a. Significa que uma unidade da federação que possui um pequeno número de eleitores tem o mesmo número de senadores de outra unidade que tem dez vezes mais. Além disso, os/as senadores/as tem 8 anos de mandato, com mudança de parte da turma em cada eleição, o que faz com que este ano cada estado eleja apenas uma pessoa para o Senado, com sua suplência. Já o voto para eleger deputadas é contado de maneira proporcional e a quantidade de vagas é equivalente à quantidade de votantes naquele estado.
Às senadoras e senadores cabe processar e julgar os crimes de responsabilidade de ministros do Supremo Tribunal Federal, de membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, do Procurador-Geral da República e da Advocacia-Geral da União. Além disso, cabe ao Senado avaliar a escolha de pessoas que irão ocupar cargos como os de ministros de tribunais superiores, como do Supremo Tribunal Federal. Mas a sua missão cotidiana é revisar as decisões legislativas da Câmara dos Deputados, tarefa, a meu juízo, desnecessária numa República democrática.
As deputadas e deputados federais atuam na Câmara, em Brasília, e tem como responsabilidades propor, discutir e aprovar leis, que podem alterar até mesmo a Constituição, são as famosas PECs – Propostas de Emendas à Constituição. Além disso, aprovam ou não as medidas provisórias, propostas pelo Presidente da República, e o Orçamento Público, que diz para onde vão ser destinados os recursos arrecadados com os impostos que pagamos. Além de legislar, outras funções são fiscalizar e controlar as ações do Poder Executivo. Para isso, conta com o Tribunal de Contas da União (TCU), órgão responsável por avaliar a aplicação dos recursos públicos. Parlamentares federais também podem solicitar informações a órgãos do governo e aos ministros, que são obrigados a prestar explicações.
A deputada estadual tem funções muito semelhantes, só que no âmbito de cada unidade da federação. As principais tarefas são legislar, ou seja, criar leis, definir o orçamento do estado e fiscalizar a atuação do chefe do Executivo. Nesta campanha, se, por acaso, você escutar que uma das propostas da candidatura é construir mais escolas, saiba que isso não é competência de quem vai ocupar a Assembleia Legislativa, portanto, é uma tentativa de iludir o eleitorado. Agora, se a proposta for criar lei para aumentar o número de creches nos distritos com mais de 10 mil habitantes, sim, isso é possível, basta que a parlamentar proponha um Projeto de Lei – PL e consiga aprovar.
Na Assembleia Legislativa, assim como na Câmara dos Deputados, primeiramente, os projetos são discutidos nas comissões permanentes e só depois eles são enviados para debates e possível aprovação no Plenário. Uma delas é a Comissão de Constituição e Justiça, onde é analisado se o projeto não desrespeita princípios da legislação estadual ou federal, e ele é aprovado ou rejeitado. No caso de rejeição, a tramitação para aí, no caso de aprovação pode ir para alguma comissão específica do tema e, se aprovado, para o plenário para ser decidido por todos os deputados e deputadas. No dia da votação, inclusive, é preciso que haja um número que corresponde a um terço de todos os deputados eleitos para que tenha quórum e aconteça a votação, e que a proposta ganhe apoio da maioria, para ser aprovada. Em todos esses espaços é necessário segurar o debate com fortes argumentos, fazer muita articulação política e também contar com grande pressão popular, ou seja, não é uma missão tão simples quanto parece. Portanto, é preciso escolher parlamentares comprometidas com as nossas lutas, com disposição e muitos posicionamento políticos nítidos para enfrentar estas disputas.
A deputada estadual deve estar ciente de que seu papel também é fiscalizar o Poder Executivo, ou seja, o governador/a e os secretários/as estaduais. Isso acontece através de pedidos de prestação de contas e fiscalização de ações administrativas. Existe também a possibilidade de criação das Comissões Parlamentares de Inquérito – CPIs, que nada mais são do que comissões de parlamentares para investigar possíveis ilícitos na administração, além de receber denúncias e encaminhar processos em caso de crime de responsabilidade cometido pelo/a governador/a do estado.
Disse tudo isso para chamar atenção para a tarefa de escolha de nossas/os representantes no parlamento estadual e federal. Como é sabido, o voto no Brasil é nominal misto. Você vota em uma pessoa, e todos os votos dela serão somados com os votos dos outros candidatos do seu partido ou federação partidária, e se atingir o coeficiente eleitoral (um valor baseado no número de votos válidos), a pessoa mais votada é eleita. A segunda eleita depende da sobra, considerando que outro partido também atingirá o coeficiente e elegerá uma primeira. E assim, sucessivamente.
Tem gente que pensa que votar em quem já tem uma candidatura forte não ajuda muito, mas, dependendo da circunstância, pode ser o contrário. A votação de esquerda para o Parlamento quando é mais dispersa pode fazer com que nenhuma das candidaturas daquela linha política seja eleita. Serve, todavia, para marcar posição e indicar possibilidades em disputas futuras. Daí ser uma decisão, e uma aposta, difícil, quando temos muitas candidaturas representativas de esquerda.
Você pode votar em alho e ajudar a eleger bugalho. Daí a importância de você escolher não apenas o/a candidato/a, mas também o partido e/ou federação ao qual a pessoa está vinculada e qual é o programa que esta agremiação defende. Isso significa que votar na esquerda, em um programa de defesa de direitos, não é apenas uma escolha de uma pessoa a eleger, seja para deputada/o ou para governadora/o, mas também significa escolher a posição política do partido ao qual ela pertence no momento. Escolher quem tem vínculo com as lutas populares por direitos, quem é indicada pelos movimentos sociais que tocam estas lutas, é uma garantia de estar do lado certo da história.
Na eleição para governador/a temos o instituto de dois turnos. Isso facilita muito a tomada de decisão. No primeiro turno você pode escolher com a firmeza de sua posição política, isto é, quem comunga da sua visão de mundo ou mesmo pertence a uma força política que você quer fortalecer, mesmo que esta pessoa não vá ser eleita. E, no segundo turno, que tem caráter plebiscitário, você pode escolher a proposta menos ruim, que mesmo estando em um partido mais à direita se posicione o mais longe possível do bolsonarismo, que receba apoios do centro e da esquerda e assim possa compor um governo mais ao centro, mas suscetível à pressão das demandas populares.
* Carmen Silva é socióloga, constrói o SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia, é militante do Fórum de Mulheres de Pernambuco e da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.