Qual a temperatura do 7 de setembro? Quente ou frio?

Em seu novo artigo para a Marco Zero Conteúdo, Carmen Silva aborda as expectativas para o 7 de setembro. Se a data historicamente é o “dia de demonstração de poder das Forças Armadas” também é um dia de contraponto político mobilizado pelos movimentos sociais no Grito dos Excluídos.

Esplanada dos Ministérios recebe preparativos para o desfile cívico-militar de 7 de Setembro. Crédito: José Cruz/Agência Brasil

*Por Carmen Silva

Quanto mais nos aproximamos das eleições gerais, mais a tensão aumenta face a polarização na escolha para a Presidência da República. Fica no ar uma expectativa, às vezes esperançosa, e, às vezes, temerosa. Circula, com maior ou menor ênfase, a ameaça de que algo aconteça e impeça o desenrolar do processo eleitoral. Este 7 de setembro, dia da suposta independência do Brasil, pode ser um marco em tudo isso. O atentado contra a vice-presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, parece ter aumentado a temperatura.

Será que o bolsonarismo tem condições de montar manifestações semelhantes às do ano passado? Ou recuaram diante da campanha eleitoral e das denúncias de que 14 caminhões que cercaram o STF pertenciam a apenas um empresário, amigo do Procurador-Geral da República, e que troca ideias até hoje sobre um possível golpe com amigos de classe em grupo de whatsapp?

0 7 de setembro, na tradição brasileira, há muito tempo, é o dia da demonstração de poder das Forças Armadas, a chamada parada militar. Mas já há algumas décadas foi gestado um contraponto: o Grito dos Excluídos, agora também das Excluídas. É um movimento, uma articulação criada a partir de diversas experiências ligadas à Teologia da Libertação, e que hoje oferece espaço para uma expressão de conjunto das lutas sociais.

Nos últimos anos, o Grito tornou-se expressão também da campanha Fora Bolsonaro, coordenada pela Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo. Em 2022, a campanha está chamando uma mobilização para o dia 10 de setembro, possivelmente evitando um contraponto direto com as manifestações bolsonaristas previstas para o 7 de setembro. Todavia, muitos movimentos sociais terão presença ativa no Gritos dos/as Excluídos/as. Frente a parada militar nada melhor que o movimento civil.

Isso significa que o conflito de campos políticos, ou, simplificando, entre Lula e Bolsonaro, vai estourar neste 7 de setembro? Provavelmente não. Entendo que a correlação de forças, apesar da tensão, não está indicando possibilidades de esquentar tanto. Mas, o que é improvável não é impossível.

Neste momento a campanha para presidente ainda não alcançou alta intensidade. Em Recife, cidade na qual as pesquisas de opinião indicam forte preferência pelo candidato da Esperança, não se vê ainda a força desta posição expressa em panfletagens, nas camisetas no corpo, nas plaquinhas em bicicletas e adesivos nos carros. Está, um pouco, nas redes sociais. Circulando pela cidade vemos conjuntos de bandeiras diversas nos grandes cruzamentos, fixadas ao chão por pedras de cimento, tremulando ao vento. O vermelho brilha, mas Lula está apenas presente em proporção menor nas propagandas das candidaturas majoritárias ou proporcionais, mas é ele o grande chamador de votos. Não vemos campanha de Lula, específica, nas ruas. É um problema ou uma estratégia? Prefiro não comentar o que não posso afirmar. Torço para que esta situação seja só aqui, no emaranhado confuso da eleição para governador/a. Até porque na hipótese de se aprofundar as aventuras violentas por parte do bolsonarismo, precisaremos de muita força popular na resistência.

Falo de uma tensão sentida, que me atravessa, e que escuto nas manifestações, nos bares e nas reuniões, e que não se expressa nos debates de campanha, talvez porque pode gerar medo ou apatia. Um exemplo é o debate entre presidenciáveis na TV. Vimos muito tempo ser gasto com as questões sobre corrupção, sem resposta firme, mas que ao fim e ao cabo são questões sempre alegadas pelas elites ao longo da história do Brasil, sempre que querem usurpar o poder, o que nem sempre conseguiram.

Por sorte, outro tempo do debate, cerca de 60% segundo a Folha de SP, foi tomado pela discussão da questão das mulheres, embora o racismo estrutural que impacta esse grupo social não tenha entrado na conversa e a paridade entre os sexos na composição do ministério não tenha sido assumida nem como horizonte utópico. Uma das candidaturas femininas usou abusivamente o feminismo em causa própria, sem revelar a sua trajetória de compromisso com o patriarcado e o neoliberalismo, e mesmo com Bolsonaro. As redes sociais, na sequência do debate, foram o palco da revelação da trajetória dela e da outra bolsonarista de outrora, defensora das armas e da perseguição aos povos indígenas. Apesar disso, analistas dizem que isso alterou os recentes resultados de pesquisa, favorecendo-a e colocando em risco a vitória de Lula no primeiro turno.

Mas, como disse Juliana Romão, da campanha Meu Voto Será Feminista, em recente debate sobre democracia promovido pelo SOS Corpo, como um mantra aprendido no parto: “no momento de maior dor, faça a maior força”. Essa é a tarefa. Esta é a principal eleição de nossas vidas. Derrotar o fascismo pela via eleitoral é o caminho que está dado para mantermos a possibilidade de continuar lutando. Temos que aumentar a força daqueles e daquelas que lutam agora, e não amanhã, e a campanha eleitoral pode ser um instrumento para isso. Desde que ela seja bravamente aquecida.

Eleger Lula no primeiro turno é não só um grande desejo, é a principal tarefa do momento para todo mundo que quer construir uma democracia que seja capaz de enfrentar as desigualdades em que vivemos. É preciso esquentar o debate programático, ampliar as motivações, e não apenas resgatar o passado. Precisamos articular a eleição de Lula com a votação para o parlamento federal e estadual, para o Governo e o Senado. Mas, não podemos esquecer que o voto de cada eleitor/a não segue regras tão nítidas, é decidido a partir de múltiplas influências, daí fazer a campanha para eleger Lula presidente é necessário e urgente. Na expectativa que possamos seguir na luta para construir a felicidade que desejamos.

Carmen Silva é socióloga, constrói o SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia, é militante do Fórum de Mulheres de Pernambuco e da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.

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