Protestos elevam pressão sobre Arthur Lira
* Ana Claudia Teixeira, Carmen Silva e José Antonio Moroni
Pela terceira vez em menos de dois meses, as ruas foram palco de manifestações neste último sábado (3), articuladas pela Campanha Fora Bolsonaro, que reúne mais de 600 coalizões, coletivos, movimentos, organizações e partidos de esquerda.
O pulsar das ruas foi semelhante aos anteriores, nos dias #29M e #19J, em sua diversidade de organizações e bandeiras. Com uma diferença importante. Se as duas primeiras manifestações tiveram tempo de preparação, para esta o tempo entre a convocação e o ato foi de apenas uma semana.
A urgência para a realização do dia #3J ocorreu principalmente em função das denúncias de corrupção na compra das vacinas pelo governo federal. A capacidade de realização dos protestos de ontem em várias cidades mostrou que é possível organizar grandes manifestações que possam rapidamente incidir na conjuntura.
Assim como nos atos anteriores, estiveram presentes diferentes formas de vivência do luto. Muitos cartazes com os nomes de quem partiu, cartazes que eram uma denúncia de que aquela morte era evitável e tem responsável. Uma forma de poder velar seus mortos. A rua tem sido também o lugar de processar a memória deste luto individual e coletivo pelas vítimas da covid-19.
Memória é deixar vivo quem morreu. Em João Pessoa, balões pretos e fotos dos entes queridos mortos pela doença tomaram as ruas. A foto de uma menina no Rio de Janeiro num carrinho de bebê puxado pelo pai e segurando um cartaz “cadê a vovó?” segue nos lembrando dolorosamente que quem vai às ruas está em luto.
Chamaram a atenção trabalhadores ambulantes vendendo diversos tipos de bandeiras e acessórios pró-manifestantes, com destaque para as bandeiras em arco-íris. Um indicativo de aposta de que as manifestações vieram para ficar.
Mais uma vez, comissões de saúde distribuíam álcool gel e máscaras, e orientavam as pessoas para garantir a segurança sanitária. Comissões de segurança formadas frequentemente por movimentos populares são os responsáveis por cuidar das esquinas, parando com seus corpos carros e motos, e cuidadosamente fazendo um cordão humano para que entregadores de aplicativo possam passar, garantindo a segurança deles e dos manifestantes. A rua tem sido, em geral, o lugar de processar o cuidado uns com os outros e de afirmar as formas de resistências dos que sofrem pelas mazelas do governo Bolsonaro.
Além do preto e do vermelho predominante em todas as manifestações anteriores, neste esteve presente um verde e amarelo tímido, numa tentativa de retomar as cores da bandeira que tinham sido praticamente “sequestradas” por bolsonaristas. Como se fosse um recado “a bandeira também é nossa, mas as mortes não”.
É um verde e amarelo que, misturado às bandeiras dos movimentos sociais, revela-se bem distante das cores do golpe de 2016, do bolsonarismo e da “luta” contra a corrupção encarnada pela Lava Jato. A rua tem sido também o momento de formular novas sínteses e quem sabe o início de um processo de olhar o nosso passado e construir um futuro digno, democrático, soberano, libertário e igualitário.
Somada às demandas por vacina e comida, no último sábado a denúncia da corrupção na compra das vacinas apareceu nos cartazes e vozes em carros de som. O tom era “nossas vidas valem apenas 1 dólar”, em alusão às escandalosas denúncias de cobrança de propina, tráfico de influência e pressão para aprovação da Covaxin no Brasil.
O diálogo das ruas com o que se passa na institucionalidade política é evidente. Há uma retroalimentação ocorrendo, que inclui a participação nas redes sociais. Ruas, redes e institucionalidade se alimentam. Nesse sábado, segundo Fabio Malini, estudioso das redes sociais, o termo ‘corrupto’ apareceu no Twitter associado a “Jair”, “Bolsonaro” e “cadeia”. Até as 18h de ontem, 500 mil postagens haviam sido feitas no Twitter.
Se as ruas procuram tensionar o Poder Legislativo, o inverso ainda não é verdadeiro. Temos um sistema político completamente blindado às demandas populares. No meio da semana houve um inédito superpedido de impeachment, transformando 120 pedidos em um, e articulando amplos setores da sociedade.
A resposta irônica de Arthur Lira (PP-AL), atual presidente da Câmara, foi de que não havia “materialidade” para um processo de impeachment. Isso alimentou a indignação, e ele foi cobrado tanto nas redes quanto nas ruas. Seu nome pela primeira vez esteve presente nos atos, em discursos, faixas e cartazes, como alguém que está freando o processo. Em Maceió e em muitos lugares, uma faixa dizia “Arthur Lira é cúmplice do genocídio”.
Há uma aceleração do processo, a Campanha Fora Bolsonaro havia marcado as próximas manifestações para fim de julho, com um calendário de outros eventos até aquela data. A realidade se impôs e as manifestações foram antecipadas para 3 de julho. Em termos numéricos, mais gente esteve nas ruas e um pouco menos de cidades conseguiu organizar seus protestos a tempo.
Segundo dados da Campanha, mais de 800 mil pessoas saíram às ruas em 312 cidades brasileiras e 35 cidades no exterior. Vale registrar que este agito teve efeitos também sobre a própria Campanha Fora Bolsonaro, com mais organizações querendo aderir e participar dos debates.
Neste momento, não é possível ter certeza de nada, Há cenários possíveis. O primeiro cenário, improvável, mas não impossível, é que Arthur Lira resolva abrir um processo de impeachment. O segundo é o STF afastar Bolsonaro. A Procuradoria-Geral da República foi praticamente constrangida pelo Tribunal a solicitar abertura de inquérito sobre a conduta do presidente, acusado de prevaricação na compra de vacinas.
Por fim, há ainda o cenário de que essa mobilização e pressão servirão para impactar os rumos das eleições do próximo ano. O cenário desejável é aquele que impacte não apenas o resultado, ou seja, o impedimento do atual presidente, mas principalmente o programa a ser implantado no próximo período. Reconstruir este país na direção de ser realmente uma democracia será um processo longo e profundo. As sínteses políticas produzidas nas ruas têm nos fornecido pistas de qual deveria ser o conteúdo e o ritmo.
* Ana Claudia Teixeira (cientista política, Nepac/Unicamp), Carmen Silva (socióloga, SOS CORPO) e José Antonio Moroni (filósofo, INESC) são integrantes da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.