Visibilizar o real: os desafios das Redes de Solidariedade

Visibilizar o real: os desafios das Redes de Solidariedade

A comunidade Caranguejo Tabaiares segue em resistência com apoio de organizações que compõem ARL. Foto: Acervo ARL.

Nos primeiros meses da pandemia era bem comum ver a grande mídia repercutir ações de “responsabilidade social” de grandes empresas, como se as ações de distribuir cestas de alimentos em algumas regiões do país fossem feitos heróicos por parte da iniciativa privada, muitas delas, agenciadoras diretas do grande capital e responsáveis pelo alargamento das desigualdades sociais que são sentidas no dia a dia das comunidades.

Diferentemente da grande mídia, que lida com as ações de solidariedade como caridade, as estratégias das Redes de Solidariedade pensam e atuam no contexto de forma ampla, apontando a urgência da fome, mas também que isso só será resolvido através de ações estruturais que contemplem a distribuição de renda, a consolidação de políticas públicas e da reforma agrária, para citar alguns exemplos de democratização dos bens comuns. 

Assim como as demais organizações já citadas, a Articulação Recife de Luta tem atuado ao longo deste último ano com estratégias que colocam a solidariedade como ação política. Segundo Julia Magnoni, o contexto é reflexo de problemas históricos, como é o caso do déficit do abastecimento de água em alguns bairros do Recife e da Região Metropolitana, ou ainda, o transporte público, que segue lotado e insuficiente para a demanda populacional. 

“A ARL tem incidido em ambos esses temas através de monitoramentos populares do abastecimento de água nos territórios e do transporte público coletivo, materiais que têm sido utilizados para incidência junto à Defensoria Pública do Estado para que medidas sejam tomadas pelo poder público”, destacou a comunicadora da Habitat para a Humanidade, uma das organizações que compõem a Articulação Recife de Luta. Em 2020 a ARL lançou uma campanha de arrecadação para levar kits de apoio emergencial com comida, materiais de higiene e limpeza para 400 famílias em 08 territórios do Recife. “Conseguimos captar recursos rapidamente e foi possível expandir para mais famílias e territórios, visto que a demanda e a situação de urgência só crescia”, contou Julia. Ao final do ano, a campanha tinha chegado a 1556 famílias, em 34 territórios da cidade, fruto de muita mobilização coletiva de todas as pessoas e organizações que integram a ARL.  

Em 2021, a Articulação está com uma nova etapa da campanha que inicialmente deve atender 400 famílias em contexto de urgência, mas deve ser ampliada devido a grande quantidade de pessoas buscando apoio. “Estamos recebendo ligações todos os dias de lideranças em situações de extrema angústia e preocupação pela quantidade de famílias passando fome”, comentou. Ainda de acordo com a ativista, comunicar a urgência da pandemia e a necessidade de seguirmos sendo solidárias e solidários é um dos grandes desafios que as Redes enfrentam hoje.  

“O principal desafio é a saturação das pessoas em relação à pandemia e aos pedidos de doação. As pessoas estão cansadas deste contexto, muitas sentem que a pandemia ficou em 2020. A falsa impressão de que a crise está passando porque diversos setores reabriram também contribui para que as pessoas estejam doando menos. Nosso principal desafio é comunicar a situação de urgência ainda mais intensa que as famílias estão passando este ano. Com o pico em março/abril do número de casos e mortes, conseguimos atingir um número maior de doações, mas manter essa consistência é um grande desafio”, salientou a ativista. 

Ações da Rede de Solidariedade da Articulação Recife de Luta atenderam mais de 1500 famílias em Recife no ano passado. Foto: Acervo ARL

As Redes de Solidariedade têm encontrado em 2021 alguns desafios para seguir realizando um trabalho que vai muito além do ato de distribuir alimentos para amenizar a fome de milhares de pessoas. Com o agravamento da crise e a total falta de gestão pública para contornar os efeitos da pandemia, são os movimentos sociais e organizações populares  que têm lutado para manter a solidariedade de classe, bem como furar a bolha do mundo virtual para mostrar que as mais de 19 milhões de pessoas que hoje estão passando fome no Brasil tem nome e sobrenome.  

As ações de solidariedade que estão sendo construídas pelos movimentos sociais, urbanos e rurais, coletivos periféricos, redes e fóruns, vem demonstrando a potencialidade dessa ação que é emergencial, para enfrentar o problema real, a fome e a falta de condições financeiras para manter o básico e evitar que essa massa de trabalhadores e trabalhadoras não se transformem em novos sem-teto. Ao mesmo tempo, as iniciativas aliam às ações uma política também imediata a médio e longo prazo, que restabeleça o patamar de direitos, de ter no direito à alimentação, ao trabalho e a renda como horizonte da nossa luta no enfrentamento às desigualdades no contexto de desemprego estrutural, como enfatiza Mércia Alves, assistente social e pesquisadora integrante do SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia. 

“As campanhas de entrega de cestas básicas, as cozinhas comunitárias, tem um potencial revolucionário porque afirma a solidariedade entre nós, enquanto classe que vive do trabalho, que é preciso atuar de forma imediata para sanar a fome de quem tem fome. É uma fome, que como vimos, tem classe, raça e gênero. Em meio às ações de solidariedade política da sociedade civil, através dos coletivos diversos e em diferentes territórios onde a pobreza e a fome se expressam de forma perversa, lidamos com a falta de empatia, desresponsabilização do governo federal, que em nenhum momento do debate sobre o Orçamento para 2021, estabeleceu medidas estratégicas no combate à fome. Muito pelo contrário, há cortes em áreas fundamentais para resgatar o patamar de direitos solapados desde 2016. E os governos estaduais e municipais não apresentam atitudes pró-ativas por meio dos fundos municipais que efetivem ações para combater o desemprego, a pobreza e a fome. Por isso, é importante nos somarmos a luta solidária, mas também às reivindicações para assegurar nos planos locais e estaduais o direito à alimentação como política”, reforçou a assistente social. 

De acordo com Mércia Alves, num contexto em que “quem tem fome, tem pressa”, é fundamental que na construção de uma Revolução Solidária, as ações dos movimentos sociais e populares fortaleçam a agricultura familiar, que sigamos na luta em defesa das políticas de distribuição de renda, como a Renda Básica Universal, o fortalecimento do sistema público de saúde, a taxação das grandes fortunas, a reforma agrária, por uma reforma urbana que garanta vida digna com moradia, saneamento básico e acesso à água, como direitos fundamentais. Só com medidas que construam uma sociedade com mais diretos será possível atravessar essa crise sem perdermos mais vidas. 

Saiba mais sobre a campanha da Articulação Recife de Luta:

Quem tem fome, tem pressa! E a nova fase da campanha emergencial da ARL quer atender 400 famílias em Recife. Doe agora e ajude a entregar kits-emergência: https://bit.ly/3eEc0ne

>>> Visibilizar o real: a Revolução Solidária

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