Feminismo Camponês Popular: reflexões a partir de experiências do Movimento de Mulheres Camponesas

*Por Maria Betânia Ávila.

Esse é o título do livro do qual tive a imensa alegria de participar do lançamento no dia 10 de janeiro de 2021. A editora é a Expressão Popular. Li o livro com muito gosto e interesse e, para dizer de maneira poética, fiquei encantada com a capacidade das autoras de passar para quem lê a força viva, criativa e revolucionária da práxis de um Feminismo Camponês Popular – o Movimento de Mulheres Camponesas.

Um livro que através dos seus vários textos de várias autorias, traz as análises que ligam a história ao cotidiano, as lutas por direitos, numa relação dialética à perspectiva da transformação social, a elaboração teórica crítica ao conhecimento empírico das formas de organizar o movimento e a vida em comum, na produção e reprodução da vida na sua integralidade e integração como uma totalidade aberta e dialética entre o social, o político, econômico e a natureza no seu sentido amplo, no qual estão incluídos os seres humanos como uma dimensão da natureza.

As autorias e conteúdos nos revelam a diversidade dos sujeitos como dimensão democrática do próprio movimento. A conexão com América Latina, uma concepção internacionalista de organização e luta política e compartilhamento de experiências.

O posicionamento e a elaboração teórica política anticapitalista, antirracista e antipatriarcal ganham nesse livro uma materialidade na narrativa do movimento concreto da experiência prática do movimento, ao mesmo tempo que trazem uma contribuição fundamental para o avanço de uma concepção feminista materialista, transformadora e emancipatória.

Essa experiência do Movimento de Mulheres Camponesas, narrada e elaborada em suas várias dimensões, é também uma crítica feminista materialista profunda a esse sistema extrativista, destruidor e produtor de sofrimento, violência e desigualdade, racista, sexista e homofóbico. Essa tragédia da pandemia é um efeito concreto do desenvolvimento desse sistema.

Há nas análises dos textos deste livro, uma imensa síntese dessa crítica ao sistema, ao mesmo tempo que apresenta experiências concretas de alternativas, como a agroecologia e os processos de vida em comum. As experiências de recuperação, produção e melhoramento de sementes crioulas, por exemplo, é não só uma ação em defesa da soberania alimentar, da saúde, uma forma de preservação da natureza, mas é também uma prática, uma ação que alimenta nossa esperança, de que é possível que as coisas sejam feitas de outra maneira. É um bálsamo para nossa vida, saber que existem mulheres feministas, guerreiras organizadas, que fazem isso, essa prática ancestral.

Temos nesse livro história, preservação da memória e da natureza. É uma conjunção potente. É maravilhoso reencontrar a história das Ligas Camponesas e constatar o fio histórico que liga o MMC, a esse movimento tão marcante, tão forte, e essa fonte da qual jorram heranças de luta e organização no campo.

Precisamos de memória, sempre, e neste país tão desigual, violento e desmemoriado, cujo governo federal atual tem como uma das suas metas destruir cada vez mais a história, sobretudo, a história das lutas e da resistência, e pior, tenta reescrever a história a partir dos dominadores e da apologia aos tiranos e aos torturadores.

O livro Feminismo Camponês Popular nos fortalece a resistência, ao mesmo tempo que nos oferece conhecimentos imprescindíveis. É esteticamente belo e poético. Nos fala da luta das mulheres, da água, da terra, das plantas e da vida em comum e solidária.

Sementes e resistências, tempo histórico e tempo da vida, de germinar e de lutar, é isso que esse livro nos traz com muita profundidade teórica, analítica. E nos traz lirismo, que certamente se expressa na mística do movimento de mulheres feministas camponesas, cujo sentido, segundo as autoras, é tirado das suas lutas e da vida cotidiana.

*Maria Betânia Ávila é pesquisadora do SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia e ativista feminista integrante da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB)

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Next Post

Articulação Recife de Luta faz campanha para apoiar famílias impactadas pela suspensão do Carnaval

qua fev 17 , 2021
Mesmo a decisão do governo de Pernambuco de cancelar o Carnaval 2021 tenha sido acertada, o Estado deixou desamparadas milhares de famílias que sobrevivem das vendas no comercio informal durante a festa. Contribua!