Por Mércia Maria Alves*
Quando nos demos conta… 30 anos de luta feminista do Fórum de Mulheres de Pernambuco! Uma trajetória que foi construída com muitos corpos políticos, mulheres de diferentes lugares, campo, cidade, jovens, adultas, idosas, com diferentes experiências e vivências sexuais, mulheres pobres, que vivem do trabalho, negras, brancas, indígenas, quilombolas. Uma diversidade incrível que diz o que somos e nosso estar no mundo, na construção de uma feminismo autônomo, na luta contra o patriarcado, o capitalismo, o racismo e a lesbotransfobia… Desafios imensos marcaram essa trajetória de sujeitos políticos, individuais (militantes, ativistas) e coletivo (grupos de mulheres, organizações feministas), todas empenhadas na instiga da luta feminista.
Os 30 anos nos faz lembrar da música Redescobrir (Gonzaguinha) lindamente cantada por Elis Regina, lá nos anos 80. Algumas que estão construindo a militância do Fórum hoje, sequer deveriam ter nascido, outras estavam na luta contra o estado autoritário instalado em 64, e enfrentavam nos territórios, nas cidades, a peleja pela abertura política, lenta e gradual, investindo na luta coletiva para afirmar, por meio constitucional, um Estado democrático de direitos. Com o ‘lobby do batom’ no Congresso, com a luta local por políticas públicas para mulheres, pelas delegacias especializadas para coibir e enfrentar a herança perversa patriarcal da violência contra as mulheres. Era tornar visível nós mulheres como sujeitos de direitos, sujeitos ativos na política, lugar historicamente reservado aos homens, e no nordeste, a herança patriarcal, colonial e racista adensava essas dificuldades para se fazer a luta feminista. O Fórum surge neste período se insurgindo contra essa ordem e brigando por mais democracia no mundo e nas nossas vidas. Pernambuco era esse território de luta que se conectava com os anseios feministas nacional e no mundo. O feminismo era pulsante! E continua sendo.
Marca essa trajetória o surgimento de várias organizações, grupo de mulheres e feministas que fortaleceram o nosso feminismo, tanto na região metropolitana do Recife, como também no agreste, zona da mata, sertões do Araripe e Pajeú. Um luta que chegou nos muros da região metropolitana tomou corpo, e se espalhou nessas regiões, com a particularidade da problemática e da questão da vida das mulheres que foram se constituindo como parte de um todo – enfrentar o machismo que estava presente no dia a dia. E os símbolos da luta feminista foram tomando forma, revelando e ocupando os espaços da cidade e dizendo “o privado é público”, “nosso corpo, nosso território” e com isso, questões que se apresentavam como tabus, ganharam a política e a disputa para enfrentar a violência contra às mulheres nas ruas e nas praças, o tema dos direitos sexuais e reprodutivos, uma política pública integral para as mulheres. Isso tudo anos 80, 90. Chegamos nos anos 2000 realizando vigílias, participando de processos de conferências e conselhos com militantes de todo Estado dizendo, por via institucional, que políticas e ações queremos e como. Infelizmente a roda gira e o que era canal e espaço de disputa, escuta e diálogo se converteu em tempos atuais em tempos áridos para democracia. Ah, frágil democracia para mulheres!
Se nossa luta de antes era para fortalecer o movimento feminista por diversos e diferentes espaços de interlocução, local e nacional, defender os direitos das mulheres em toda nossa diversidade de classe, raça e vivência sexual, dando visibilidade às desigualdades reais na vida das mulheres; hoje, esse cenário de crescimento conservador, fundamentalista neopentecostal, que busca recolocar as mulheres no lugar de subordinação, sob domínio dos homens e restritas às atribuições de reprodução biológica e de cuidadora, nos exige uma ação forte enquanto movimento para enfrentar essa cultura conservadora.
30 anos é celebrar e também um eterno redescobrir do sentido da luta, para “alcançar aquele universo que sempre se quis”, uma luta que nos encante cotidianamente e que encante outras tantas, porque o feminismo para muitas de nós propiciou a libertação das amarras do machismo, nos levou a confiar que é na luta coletiva e na sua construção diária que nos descobrimos muito mais do que aquilo que nos disseram que podíamos ser! E como na frase das companheiras do grupo Liberdade Vamo’simbora, o feminismo nos deu ar! É por isso que celebrar 30 anos marcado de histórias e memórias só revela o grandiosidade de seguir na lida e na luta por um outro mundo, onde o feminismo possa sempre nos inspirar resistência.
“Renascer da própria força, própria luz e fé
Memórias!
Entender que tudo é nosso, sempre esteve em nós
História!
Somos a semente, ato, mente e voz
Magia!”
*Mércia é militante feminista do FMPE e educadora do SOS Corpo.