Cúpula dos Povos: Convergência de pautas é a aposta para incidir na COP 30

Entre os dias 12 a 16 de novembro, na Universidade Federal do Pará, acontecem as atividades da Cúpula dos Povos, que representa um contraponto à COP 30

Registro de atividade durante a Pré-Cúpula dos Povos do Norte Paraense, realizado entre 24 a 26 de outubro deste ano na cidade de Abaetetuba.

Enquanto chefes de Estado e negociadores vão debater dentro das salas oficiais da 30ª Conferência da ONU sobre Mudança do Clima (COP30), milhares de representantes de movimentos sociais diversos, sindicatos, povos indígenas e organizações ambientais articulados em redes no Brasil e na América Latina devem ocupar Belém (PA) para a Cúpula dos Povos, espaço autônomo de mobilização e resistência que ocorre paralelamente às COPs desde 2012. 

Considerada a maior mobilização popular em defesa do clima, a Cúpula dos Povos na COP 30 articula diferentes sujeitos políticos em torno de uma agenda crítica para  denunciar as falsas soluções do mercado de carbono, questionar a captura corporativa dos espaços de decisão e defender modelos alternativos de economia e de desenvolvimento, baseados em soberania alimentar, direitos territoriais e solidariedade entre os povos.

Entre os dias 12 a 16 de novembro, na Universidade Federal do Pará (UFPA) serão realizadas as atividades da Cúpula. A programação conta com Barqueata, Plenárias dos Eixos de Convergência, Atividades de Enlace entre os Eixos, Assembleias, Oficinas, Rodas de Conversa, Plenárias dos Movimentos, Atividades Culturais e a Marcha Global Unificada por Justiça Climática.

Confira aqui a programação: https://cupuladospovoscop30.org/programacao/

“Não há Justiça Climática sem Justiça Social”

No Manifesto Unindo Vozes pela Justiça Climática, movimentos sociais e populares, coalizões, coletivos, redes e organizações da sociedade civil que constroem a Cúpula, afirmam que “não há justiça climática sem justiça social” e que enfrentar a crise ambiental exige “romper com a lógica de exploração capitalista” que transforma a natureza em mercadoria. 

O documento, publicado no início de agosto deste ano e disponível no site oficial da Cúpula dos Povos, reforça que o objetivo da convergência é fortalecer a construção popular e a uniformidade de pautas das agendas socioambiental, antipatriarcal, anticapitalista, antirracista, anticolonialista e de direitos, “respeitando suas diversidades e especificidades, unidos por um futuro de bem-viver”. 

Além de denunciar as falsas soluções climáticas que são decididas em espaços multilaterais como as COPs e que aprofundam as desigualdades, injustiças climáticas e ambientais, sobretudo em territórios onde estão populações mais vulnerabilizadas, a Cúpula reivindica que as reais soluções só serão consolidadas se os espaços de diálogo e negociações na COP 30 garantirem a participação efetiva da sociedade civil.

Leia o manifesto na íntegra aqui: https://cupuladospovoscop30.org/manifesto/ 

Eixos e Bandeiras de Luta

A Cúpula se organiza a partir de 6 Eixos, que exploram os desafios de um contexto de crise climática, ambiental e civilizatória e propõem soluções reais que vêm da diversidade de povos e experiências das populações nos territórios e que podem ser construídas coletivamente. Eles são divididos nos seguintes temas:

Eixo 1 – Territórios e Maretórios vivos, Soberania Popular e Alimentar

Eixo 2 – Reparação histórica, combate ao racismo ambiental, às falsas soluções e ao poder corporativo

Eixo 3 – Transição Justa, Popular e Inclusiva

Eixo 4 – Contra as opressões, pela democracia e pelo internacionalismo dos povos

Eixo 5 – Cidades justas e periferias vivas

Eixo 6 – Feminismo popular e resistências das mulheres nos territórios

Vai ser no Eixo 6 que vão se concentrar os debates e ações do campo largo do feminismo nos dias da Cúpula dos Povos em Belém, mas de acordo com a proposta metodológica, as atividades serão realizadas em formato de enlaces, o que permitirá que as discussões de mais de um Eixo se cruzem. Isso, na prática, significa que um debate que esteja “alocado” no Eixo 6 seja realizado junto ao Eixo 1, para dar um exemplo. 

Para o SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia, uma das diversas organizações da sociedade civil que está atuando na construção da Cúpula dos Povos, o enlace de atividades entre os Eixos potencializa as demandas, agendas e pautas em comum dos movimentos e coloca em evidência como a luta por justiça climática e social deve estar atrelada à justiça de gênero e à justiça racial. 

“O atual momento político é fundamental para a gente colocar visões e leituras diferentes do que geralmente é posto em formalidades como em Conferências como a COP 30, que são espaços multilaterais importantes para que os países se comprometam, sobretudo, os que são os maiores poluidores, que são os países em desenvolvimento. A proposta das Cúpulas dos Povos e do Enlace dos debates entre os Eixos é mostrar, a partir da voz da sociedade civil, como é que nós estamos percebendo as negociações sobre o clima, sabendo que enfrentar os efeitos e os impactos das mudanças climáticas é um dos maiores desafios do nosso tempo”, reafirmou Mércia Alves, da coordenação colegiada do SOS Corpo, pesquisadora e educadora referência nos debates sobre Direito à Cidade e Justiça Socioambiental. 

Ainda de acordo com a pesquisadora do Instituto, o esforço de colocar em diálogo as diferentes demandas e as agendas nas Atividades Enlaces dos Eixos de Convergência podem amplificar debates que apontem soluções a partir das experiências dos movimentos sociais para incidência na Audiência marcada para acontecer no dia 16 de novembro, quando o documento síntese com questões e propostas da Cúpula dos Povos será entregue à Presidência da COP 30. 

“É preciso que se olhe para a pauta da justiça climática de uma forma articulada porque ela também é territorializada. E quem traz essa dimensão do lugar dos impactos para o meio ambiente e para as pessoas que convivem nos territórios é o movimento negro, é o movimento feminista, o movimento indígena, as populações de territórios tradicionais, quem entende e conhece que o lugar dos impactos climáticos é de cor, de gênero e o lugar é o território”, enfatizou Mércia. 

Marcha Global Unificada por Justiça Climática vai acontecer na manhã do dia 15 de novembro.

Transição justa e popular, não apenas energética

Para as mais de mil organizações, movimentos, coletivos, redes, articulações do campo, da cidade, comunidades tradicionais dos rios, dos lagos, oceanos, da Caatinga, florestas, Sertão, que tem diferentes leituras de como esse atual momento do mundo vem sendo danoso para as populações vulneráveis, as propostas em torno da transição energética precisam ser justas, populares e que de fato, possam mitigar os efeitos da crise climática nos territórios. 

Para o SOS Corpo, as propostas em torno da transição energética tem que ser ancoradas por uma crítica antisistêmica, logo, anticapitalista, antirracista e antipatriarcal, uma vez que o sistema capitalista segue utilizando formas para aumentar o fincanciamento climático com perspectiva de lucro, que não enfrentam o problema que afeta, principalmente, os corpos femininos racializados e dissidentes.

“As propostas têm que partir de uma perspectiva antissistêmica e anticolonial para se contraporem às formas de pensar as soluções única e exclusivamente a partir do que vem do Norte global, ignorando os sujeitos que vivenciam esses impactos reais”, explicou a pesquisadora do SOS Corpo. 

Segundo Mércia Alves, os efeitos climáticos têm uma dimensão classista, racista e sexista e que tratar o financiamento como um processo natural, associado ao discurso de que é uma solução para adaptar os efeitos climáticos, serve apenas para acentuar as desigualdades sociais. Para a pesquisadora, essas repercussões estão no centro do debate feminista na Cúpula dos Povos. 

“A gente quer deixar visível que o capital também cria narrativa para garantir seu potencial de lucro e exploração, que a gente chama de falsas soluções, que tem aquele conceito ‘bonito’ de economia verde e a solução de agora é o mercado de carbono. Só que a tal solução é, na verdade, um ativo negociado nas bolsas de valores. Ou seja, as empresas criam mecanismo de concessão para explorar territórios, dizendo que vão reflorestar, mas ao mesmo tempo, estão sequestrando modos de vidas, invadindo outros territórios de populações que estão assentadas há séculos e são populações que têm ancestralidade, convivência e coexistência com a terra. Terra, água e natureza são profundamente sequestrados na lógica das soluções capitalistas”, avaliou. 

Não há, portanto, possibilidade de propor mudanças ou novos acordos sem compreender a fundo os múltiplos impactos climáticos sobre as condições de vida das mulheres. Para o movimento feminista antirracista e antissistêmico, não haverá justiça climática sem pensar justiça racial, econômica e justiça reprodutiva. Logo, qualquer plano de mitigação precisa estar associado a melhores condições de moradia e habitabilidade, isso articulado com o acesso das mulheres a recursos econômicos, a benefícios socioassistenciais que lhes garantam a subsistência como chefes de família, além da garantia de direitos sociais como o direito à educação, à saúde, o direito ao trabalho, o direito à água, o direito ao transporte e o próprio direito à terra. 

“O cotidiano das mulheres está profundamente impactado no agora e vai ser no futuro se espaços multilaterais como a COP 30 não levarem em consideração os danos materiais e simbólicos que as grandes calamidades climáticas provocam, como um problema do Norte e do Sul global. Este é um problema que precisa ser enfrentado no nosso tempo”, finalizou Mércia Alves.

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