Por Carla Batista, na coluna Mulheres em Movimento, da Folha PE.
No próximo ano, 2020, teremos eleições municipais no Brasil. Em que medida a ação dos movimentos de mulheres e feministas contribuíram para que gestores/as públicos passassem a planejar as cidades com uma perspectiva de gênero? Em que medida estão abertos/as a essas contribuições? Como podemos avançar? Como avaliar candidaturas que podem contribuir para melhoria da condição de vida das mulheres nas cidades?
Neste final de semana recebemos com alegria a notícia de que em Bogotá – cidade reconhecida por ter, com políticas públicas, diminuído consideravelmente as taxas de violência contra as mulheres – venceu as eleições para prefeita Claudia López, ex-senadora, ex-candidata a vice pela Aliança Verde, lésbica. Apoiada por movimentos feministas e LGBTIs, será a primeira mulher a comandar a capital da Colômbia. Espera-se que candidaturas de mulheres e identificadas à esquerda sejam as mais sensíveis às questões de gênero e que, consequentemente, implementem políticas voltadas para a superação de problemas que atingem mulheres e populações para as quais as cidades nunca foram pensadas. Em Bogotá, no distrito de SUBA – que possuía altos índices de violência contra as mulheres – consultadas sobre a reorganização do espaço público, recomendaram o fechamento de terrenos baldios, ampliação da iluminação dos espaços públicos e das paradas de transporte.
A arquiteta e doutoranda pela UFPE Andrea Gati, que já colaborou anteriormente para Mulheres em Movimento, nos convoca a pensar o espaço urbano a partir de uma experiência pessoal. Ela faz uma proposta de discussão sobre formas de fechar terrenos baldios. Esta coluna espera poder contribuir para o debate eleitoral do próximo ano. Leia, comente, compartilhe!
Carla Gisele Batista
O urbanismo como ferramenta de bem estar para as mulheres: se é seguro pra mulher, é seguro pra todos.
Andrea Gati
O hábito de caminhar a pé é obrigatório para quem pensa a cidade. É revelador para quem quer conhecer o espaço urbano.
Ao sair de casa de manhã andando depois de uma noite de temporal, logo percebi que o muro do terreno baldio em frente ao meu prédio tinha desabado. Eis que se revelou a beleza de um bosque urbano, de grandes árvores e arbustos, criando um microclima de sombra e silêncio que nós mesmos/as, pedestres, sequer temos noção de existir. E somos poupados/as de usufruir por conta dos muros e muralhas urbanas.
Logo depois dessa sensação física de bem estar, dada pelo bosque, veio a sensação psicológica de segurança. Agora eu enxergava a perspectiva da esquina, que ao caminhar ao largo do terreno, antes murado, não era possível.
Resolvi caminhar a pé pelo meu bairro e me dei conta de como aqueles lotes urbanos desocupados representavam para mim o perímetro da caminhada mais inseguro, pois eram todos murados, impedindo a permeabilidade do lote. Sem a visibilidade do que está por trás dos muros, os riscos e a sensação de risco são maiores, configurando um percurso que a maioria das pessoas procura evitar.
Essa observação empírica, associada ao olhar ampliado por leituras sobre a apropriação das mulheres do espaço público urbano, me levou a uma pesquisa sobre os problemas causados pelos terrenos baldios e suas legislações.
Os muros facilitam a ocultação de pessoas que podem nos surpreender ou até mesmo servir de rota de fuga ou esconderijo após a prática de qualquer delito. Os muros transformam o espaço em local de raro acesso visual dentro da malha urbana.
Assim com escondem uma pessoa, escondem também o lixo que é jogado nestes lotes, atraindo pragas e se transformando num vetor de doenças no município. É fato que existem leis em cada cidade para esses lotes chamados terrenos baldios, nos quais diz-se obrigação do proprietário murá-lo assim como mantê-lo limpo, contudo isso raramente acontece. Dessa forma, a falta de manutenção dos terrenos é também ocultada, dificultando, assim, a fiscalização por parte do poder público. Um terreno sem muros possibilita ainda a “fiscalização social” feita pela própria comunidade do entorno, ajudando a denunciar, para, assim, minimizar os problemas do local.
Sugere-se então que os muros sejam substituídos por grades ou cercas que impedissem o acesso, mas não a vista. Para os proprietários do terreno, percebe-se, entre as diversas vantagens, o fato de que qualquer uso dado ao terreno seria percebido.
Ciente de que que a ocupação desses lotes urbanos seria a melhor solução para a malha urbana, sabendo-se que em muitos casos estão desocupados para especulação, essa proposta, de substituição de muros por grades ou cercas, que deveria necessariamente estar associada aos quesitos: iluminação pública e limpeza do lote (capinagem) se apresentam como um atenuante do problema de circulação urbana que aflige as mulheres em especial.
Essa ideia preliminar, se aplicada em qualquer escala, seja num bairro ou pequena cidade, pode gerar dados estatísticos e de opinião pública para avaliação de sua eficácia, e, dessa forma, receber contribuições de forma a ser melhorada.
Seria válida, inclusive, a aplicação de uma experiência piloto com proprietários de terrenos baldios que se dispusessem a ceder seus terrenos como laboratório, os quais seriam acompanhados através da medição dos índices de violência por área e, principalmente, através de entrevistas com as pessoas da comunidade, em especial, as mulheres, para aferir a sensação de segurança obtida, ou não, com a nova configuração do terreno gradeado.
A partir dos resultados analisados, a ideia pode vir a se transformar em um projeto de lei elaborado junto com a sociedade após debates e discussões. Vamos conversar!
*Carla Gisele Batista é historiadora, pesquisadora, educadora popular. Mestra em Estudos Interdisciplinares Sobre Mulheres, Gênero e Feminismo pela UFBA. Militante feminista, integrou as coordenações do Fórum de Mulheres de Pernambuco, da Articulação de Mulheres Brasileiras e da Articulación Feminista Marcosur. Publicou em 2019 o livro: Ação Feminista em Defesa da Legalização do Aborto: Movimento e Instituição, pela Annablume Editora.