No dia 9 de agosto 1500 mulheres de 130 povos indígenas deixaram suas aldeias para ir à capital brasileira participar do I Fórum de Mulheres Indígenas e fazer a I Marcha de Mulheres Indígenas, maior ato em 519 anos, em defesa da Mãe Terra e da garantia do direito territorial. A liderança indígena Sonia Guajajara comenta:
“Para nós, a vinda à Brasília é mais que simbólica: tem todo um sentido histórico e principalmente político, porque aqui está sendo realizado o maior ato das mulheres indígenas em 519. Viemos marcar esse posicionamento frente a essa política genocida, etnocida e ecocida do governo Bolsonaro. A gente não veio aqui fazer propostas para o governo, viemos reforçar esse posicionamento: a gente não vai aceitar esse projeto que está matando nosso povo e destruindo o meio ambiente”

Foto: Déborah Guaraná (SOS Corpo/Articulação de Mulheres Brasileiras)
Enquanto as mulheres indígenas estavam reunidas em Brasília, a Folha de S. Paulo noticiou que fazendeiros do entorno da BR-163, no sudoeste do Pará, haviam anunciado o dia 10 de agosto como “o dia do fogo”. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) registrou nas horas seguintes uma explosão dos focos de incêndio na região. Segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre janeiro e agosto, as queimadas aumentaram 83% em relação a 2018. Foram mais de 70 mil focos de incêndio entre janeiro e agosto registrados pelo INPE no país. O Mato Grosso é o estado que lidera a lista, com mais de 13 mil incêndios.
Em meio a este cenário de destruição, diversas manifestações em defesa da Amazônia estão sendo convocadas. Confira a compilação dos atos no Brasil e no mundo: http://psol50.org.br/confira-a-agenda-de-atos-em-defesa-da-amazonia-neste-fim-de-semana/
Campanha Nosso Corpo Nosso Território
cobriu o Encontro e a Marcha das Mulheres Indígenas
A campanha, cuja realização foi estratégia acordada na plenária do VII Fórum Social Panamazônico e Andino, que aconteceu em Tarapoto, em maio de 2017, teve uma de suas primeiras mobilizações em território brasileiro durante o I Fórum de Mulheres Indígenas, que, em consonância com a campanha, teve como tema “Território: nosso corpo e nosso espírito”
Para as indígenas espírito, corpo e território são elementos inseparáveis. “O território é o chão que sustenta nosso corpo; e o corpo, o lugar que abriga nosso espírito e o espírito é o que traz os encantamentos e toda a força pra gente fazer as lutas”, explica Guajajara. Para os povos tradicionais, não há separação entre espírito, corpo e território, só conexões. “Toda a nossa cultura vem sustentada pela ancestralidade”, diz.
A campanha foi apresentada no Fórum por Inara Saterê Maué, ativista da Articulação de Mulheres Brasileiras e relembrou as parentas sobre a conexão intensa entre as mulheres e a terra: “O mundo amazônico é uma mulher!” E questionou os presentes: “Mas como é que a gente tá cuidando das mulheres? Toda vez que uma mulher sofre violência, a Terra tá sendo violentada também”, alertou a indígena. Ela encerrou a apresentação convocando todas a se olharem nos olhos, firmando o conpromisso de engajamento nas mobilizações pela vida das mulheres indígenas, seus corpos territórios e espíritos. No final, todos entoaram a música “A terra é meu corpo, a água é meu sangue, o ar é meu sopro, o fogo é meu espírito”, tocaram a terra e se molharam com a água preparada pela indígena para simbolizar a proteção de todos.
Leia sobre como foi o lançamento da campanha no I Fórum de Mulheres indígenas: http://soscorpo.org/campanha-internacional-em-defesa-de-nossos-corpos-e-nossos-territorios-e-lancada-no-i-forum-nacional-das-mulheres-indigenas/
Por que nos mobilizamos?
Nós, mulheres indígenas, quilombolas, negras, do campo, cidades, florestas e águas, reconhecemos a violência que nos impacta em suas diversas formas e que se agrava nesses tempos com a apropriação de nossos corpos e invasão de nossos territórios por empresas extrativistas.
Persistem as práticas e mentalidades machistas, racistas e capitalistas que não reconhecem a igualdade dos nossos direitos e capacidades, que causam feminicídios e criminalizam nossas lutas em defesa dos nossos corpos, territórios e bens naturais.
O Estado, em vez de nos proteger, autoriza essas ações e incentiva essas mortes, deixando a maioria dos crimes na impunidade.
O que queremos?
Denunciar as múltiplas violências contra as mulheres que defendem a natureza e os direitos humanos.
Evidenciar as empresas que extraem os bens comuns da humanidade para sua exploração em busca de mais poder econômico, violentando os corpos das mulheres e os territórios, em particular, das defensoras.
Revelar a cumplicidade dos Estados que criminalizam as resitências, através de assédio, encarceramento, desaparecimentos e assassinatos de mulheres e homens, arrasando com a democracia, direitos humanos, culturas e formas de vida de populações em nossos territórios.
Atuar diante do despejo dos territórios e terras de milhares de mulheres em nossas Américas em nome de um “desenvolvimento” que significa extermínio de identidades e culturas ancestrais.

Manifesto
As mulheres da América Latina e do Caribe e irmãs de outros territ6rios estamos enfrentando ameaças crescentes e sistemáticas as nossas vidas, do poder que e nutrido pelo patriarcado, pelo colonialismo e pelo sistema econômico neoliberal que busca exterminar o nosso direito de sermos soberanas dos nossos corpos e dos nossos territórios.
O patriarcado, o capitalismo, o racismo e a lesbofobia estruturam as desigualdades que vivemos na sociedade e no sistema político com mecanismos renovados de dominação, como a interdição a uma maior participação política.
Este poder neoconservador que se associa ao capital e bebe da cultura machista e racista que impregna nossas sociedades, diante da debilidade e com a anuência de Estados comprometidos com o mercado, esta disputando espaços em comunidades, cidades e países para impor seus modelos de ser homem, mulher, casal e família em função de seus interesses, despojando de sua condição humana e de seus direitos, todas as pessoas que exercem suas liberdades.
As condições de vida das mulheres são as mais afetadas por esse contexto de desigualdade e por um modelo que expropria nosso tempo e o invisibiliza nas complexas relações de família, de produção e de organizações mistas.
Chegamos ao ponto em que a igualdade de gênero e criminalizada, assim como os direitos de diversidade sexual, o aborto, a educação sexual integral e o acesso a contracepção de emergência, nossas culturas ancestrais, nossas crenças originarias, nossa própria visão de mundo livre de violências e discriminações, que desejamos alcançar.
As mulheres e os corpos feminizados, especialmente as defensoras de direitos, resistimos a essa ofensiva fundamentalista que ativa novas estratégias de opressão e controle para submeter as nossas vidas. Os Estados e suas instituições tem demonstrado ser incapazes de frear essa guinada e garantir os direitos que emanam de suas leis a níveis nacional e internacional.
Nos ultimas anos temos sido testemunhas nos nossos países de uma brutal intervenção do sistema capitalista neoliberal e patriarcal nos nossos territ6rios e nossos corpos. O crescimento econômico tem trazido, com o aval dos atuais governos, um avanço caótico de nossas diferentes atividades e da exploração da terra e da agua, sem atenção com a vida, a cultura, a cosmovisão dos povos indígenas.
As extrativistas transnacionais tem gerado conflitos sociais nos territ6rios da nossa América Latina e do Caribe, na ultima década; tem criminalizado OS protestos, perseguindo, encarcerando, fazendo desaparecer e assassinando as mulheres e homens das nossas comunidades como Maxima Acuna, no Peru, Bertha Caceres, em Honduras.
E necessário, nos mulheres, desde os lugares em que atuamos, sonharmos e lutarmos, nao apenas resistir, mas responder articuladamente, sem dispersar-nos, para romper com esses acordos de poder que tentam nos disciplinar e nos submeter as suas ordens.
Nossos corpos e nossas comunidades sao territ6rios que defenderemos dos fundamentalismos religiosos e economicos, das botas militares e do sistema patriarcal e colonialista que nos explora, nos expropria e nos violenta.
Por isso, propomos lanc;ar uma campanha internacional, a ser assumida em cada pais, em defesa dos nossos corpos e nossos territ6rios, diante do avanc;o dos fundamentalismos religiosos e economicos, e do sistema patriarcal que nos explora, nos expropria e nos violenta.
Diversas em luta!
Coesas pela autonomia
de nossos corpos e
nossos territórios.
*Campanha acordada na plenaria do VII Forum Social Panamazonico e Andino. Tarapoto, Maio de 2017.
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