Há uma guerra sendo travada pela Amazônia brasileira, denunciou a feminista amazônica, Antonia Barroso, integrante do Fórum Permanente de Mulheres de Manaus (FPMM), do Movimento LGBT, da Rede Brasileira de Integração dos Povos (Rebrip) e do Coletivo Urihi. Nessa guerra, de um lado estão os povos originários resistem ao extermínio de sua população, lutando pelo reconhecimento de suas terras, pela preservação das águas, pelo direito de viver em harmonia com a natureza, e por respeito às suas culturas e seus modos de vida; do outro, o governo se esforça para obedecer aos interesses econômicos estrangeiros e nacionais na invasão de áreas protegidas, desmatamento, trabalho escravo, extração ilegal de madeira, mineração e extinção da biodiversidade, valorizando uma política econômica baseada em metas insustentáveis de crescimento para os setores industriais, extrativistas, e agropecuários, causando, com isso, conflitos fundiários, violência e assassinatos no campo.
Antônia Barroso esteve em Recife na ocasião do lançamento do documentário Encantadas – As mulheres e as suas lutas na Amazônia, promovido pelo SOS Corpo, Cfemea e Universidade Livre Feminista e aconteceu no dia 11 de abril. Em sua fala, Antonia relembrou e pediu um momento de silêncio em memória da companheira de luta Dilma Ferreira, coordenadora regional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Tucuruí (PA), assassinada brutalmente em 22 de março, no assentamento Salvador Allende, zona rural do Pará.
O desenvolvimento econômico brasileiro tem acontecido à custa de sangue indígena, sangue quilombola e sangue das mulheres que lutam em seus territórios. “Despejam todo o ódio no corpo das mulheres. É como se quisessem matar não somente o corpo, mas o desejo das mulheres de levantar-se contra as opressões que nos atingem”, lamentou em lágrimas a companheira manauense. Ela é autora da frase de abertura do filme: “A terra é meu corpo, a água é meu sangue. Os rios são os caminhos que percorremos, ele conta nossa história”. E assim o vídeo entrelaça a luta pelo corpo e pelo território, dando voz às mulheres amazônica indígenas, quilombolas, ribeirinhas, pescadoras e agricultoras. O filme já foi lançado em Belém, Manaus, Macapá, Brasília, Recife e Rio de Janeiro, além de ter sido exibido na TV Senado, rede pública de televisão, e em festivais de cinema brasileiros, como a Mostra Lugar de Mulher é no Cinema (Salvador / BA) e a IV Mostra de Cinema da Mulher (Franco da Rocha / SP).
Outra convidada para participar do lançamento do documentário no Recife foi a Lídia Matos, que mora no Quilombo Pérola do Maicá, em Santarém, Pará. Ela faz parte do coletivo de mulheres Na Raça e Na Cor e faz uma reflexão importante sobre a exploração do corpo das mulheres e o extrativismo ambiental. “O corpo da gente a gente decide quem pega, o que fazer, onde tocar e em que lugar a gente se sente melhor para se expor. A mesma coisa com nossos territórios”. As empresas chegam devagar, vão construindo na nossa terra sem consultar a comunidade, na intenção de nos expulsar daqui. “É o modo do colonizador nos colonizar de novo, de outra maneira: com a ilusão do consumismo, com a ilusão de que vamos ter uma vida melhor, mas que vida melhor é essa?” Ela conta que as sementes que brotam hoje no quilombo não foram sementes jogadas agora, são sementes de muitos anos. Foi muita luta e muito sangue quilombola e indígena derramado para defender a terra dos nossos povos. A luta indígena e quilombola não é nada diferente, porque somos nós que protegemos a natureza, que vivemos dela, mas em harmonia. No Quilombo Pérola do Maicá, onde Lídia mora, está em desenvolvimento a construção de um complexo portuário para escoamento da produção de soja.
Durante o debate foi lembrado que logo no primeiro dia da nova administração, o governo Bolsonaro anunciou a Medida Provisória (MP) nº 870, que transfere para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) a atribuição de identificar, demarcar e registrar as terras indígenas (TIs), promovendo o esvaziamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro. A MP também retira da Funai sua principal função, delegando aos representantes do agronegócio o poder de decidir sobre a demarcação dos territórios tradicionalmente ocupados pelos povos indígenas.
Diga aos povos que avancem!
Ainda está aberta a campanha de financiamento colaborativo para viabilização da maior mobilização de povos indígenas do Brasil, o Acampamento Terra Livre, cuja 15º edição será realizada em Brasília de 24 a 26 de abril. Com forte caráter de resistência, seu objetivo é reunir lideranças dos povos indígenas das cinco regiões e parceiros de todo o mundo, entre eles, lideranças indígenas da Coica (Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica), AMPB (Alianza Mesoamericana de Pueblos y Bosques), AMAN (Aliança dos Povos Indígenas do Arquipélago da Indonésia) e outros para articular estratégias de luta e visibilizar a realidade brasileira, denunciando os constantes e crescentes ataques. Em resposta à mobilização, o governo, através do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado pelo general Augusto Heleno, solicitou ao Ministério da Justiça, o uso da Força Nacional de Segurança na praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
Em nota oficial, a Articulação dos Povos Indígenas manifestou-se: “O ATL é um encontro de lideranças indígenas nacionais e internacionais que visa a troca de experiências culturais e a luta pela garantia dos nossos direitos constitucionais, como a demarcação dos nossos territórios, acesso à saúde, a educação e a participação social indígena. Nosso acampamento vem acontecendo a mais de 15 anos sempre em caráter pacífico buscando dar visibilidade para nossas lutas cotidianas, sempre invisibilizado pelos poderosos. Se é do interesse do General Augusto Heleno desencorajar o uso da violência, que ocupe os latifúndios que avançam sobre nossos territórios e matam os nossos parentes. Que saibam: A história da nossa existência, é a história da tragédia desse modelo de civilização referendado pelo atual governo que coloca o lucro acima da vida, somos a resistência viva, e nos últimos 519 anos nunca nos acovardamos diante dos homens armados que queriam nos dizer qual era o nosso lugar, agora não será diferente. Seguiremos em marcha, com a força de nossa cultura ancestral, sendo a resistência a todos esses ataques que estamos sofrendo.
Marcha das Mulheres indígenas
As mulheres indígenas protagonizam a organização do Acampamento Terra Livre. Em 2017, quando a multidão indígena tomou a Esplanada dos Ministérios, quatro mulheres estavam à frente da marcha: Sônia Guajajara, Nara Baré, Angela Katxuyana e Pui Tembé. Esta cena é apenas um reflexo da importância da luta das mulheres indígenas. Ano passado, no 14º ATL mil mulheres estavam na mobilização. Esse ano elas se reúnem no 1º Encontro Nacional de Mulheres Indígenas, no âmbito da Vigília Nacional em Defesa dos Direitos Indígenas que acontecerá no dia 26 de abril durante o Acampamento Terra Livre, com o objetivo de planejar a realização da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas do Brasil, prevista para acontecer em Brasília em agosto de 2019, integrada para fortalecer e diversificar ainda mais a potente agenda de defesa dos direitos das mulheres brasileiras, a Marcha das Margaridas.
Documentário Encantadas
Mulheres e suas lutas na Amazônia
Realização: Cfemea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria
Obra coletiva
Direção e Edição: Taís Logo
Produção: Milena Argenta