(PE) Direitos Humanos: bancada evangélica pressiona e Juntas podem perder presidência de comissão

Por Maria Carolina Santos para Marco Zero Conteúdo em 12/02/2019

Reviravolta na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). De todas as quinze comissões parlamentares, apenas uma teve o acordo para a presidência questionado: a Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Participação Popular. Em uma reunião tensa, mas sem bate-boca, o acordo entre as bancadas de oposição e governo foi quebrado nesta manhã. A presidência, que iria para as codeputadas Juntas (Psol), foi reivindicada também pela oposicionista Clarissa Tércio (PSC), da bancada evangélica. Para não ir para o bate-chapa e na expectativa de se tentar um novo acordo, a votação foi transferida para a próxima quinta-feira, a partir das 11h30.

O Plenarinho I estava lotado. Jornalistas, assessores da bancada evangélica, das Juntas e representantes de movimentos sociais. O mal estar era esperado. Após o acordo entre as bancadas para a presidência da mesa, divulgado na quinta-feira, o deputado governista Cleiton Collins (PP) deu entrevista afirmando que não votaria nas Juntas. Ele, que é pastor, seria o vice-presidente – na reunião de hoje, indicou o deputado Adalto Santos (PSB), evangélico e governista.

Confira os integrantes de todas as 15 comissões da Alepe

Presidindo a mesa, pois era o deputado mais votado entre os membros da comissão, Cleiton Collins logo passou a palavra para Clarissa Tércio (PSC), que se colocou como candidata para a presidência. Collins, em seguida, pediu o adiamento da votação. Foi então que teve início as defesas de Isaltino Nascimento (PSB), líder do governo, e Marco Aurélio (PRTB), líder da oposição, que não faz parte da comissão e entrou na reunião como se não soubesse que Clarissa Tércio fosse quebrar o acordo. Até o presidente da Alepe, Eriberto Medeiros (PSB), apareceu rapidamente por lá.

Isaltino foi o mais empenhado em que o acordo, inclusive assinado em ata, fosse cumprido, com as Juntas na presidência. Lembrou que a grande maioria das outras 14 comissões tiveram seus presidentes eleitos por aclamação, sem votação, respeitando os acordos. “Há duas comissões que falam para um público também fora da Casa. A de agricultura vai ser presidida por Doriel Barros (PT) que foi presidente da Fetape, e tem uma ocupação do espaço, porque ele constrói também para fora (da Alepe). A mesma lógica foi usada para as Juntas. Elas não falam só aqui para a Casa, falam para a sociedade civil. Precisamos entender que as comissões também falam para fora”, disse, lembrando que estava no seu quinto mandato e nunca tinha visto algo semelhante acontecer em uma comissão.

A divisão das presidências das comissões é feita de acordo com a representatividade das bancadas. Neste mandato, com 38 deputados, os governistas levariam 12 comissões. Foi acertado, então, que as Juntas, que se declaram independentes, ficariam com Direitos Humanos, enquanto a oposição levaria Meio Ambiente e Sustentabilidade; e Esportes e Lazer.

Isaltino detalhou os diálogos do acordo para a comissão. Afirmou que João Paulo (PCdoB) seria o vice, já que é do governo, mas se acertou com a bancada evangélica que iria ser um representante deles. “Doriel queria entrar na comissão, mas entrou Dulcicleide Amorim (PT), que é evangélica. Todas as demandas (da bancada evangélica) foram atendidas. Tudo foi conversado e tratado”, disse Isaltino, entre uma e outra troca de microfone, que teimava em falhar.

Em um momento da reunião Clarissa disse com todas as letras: “Estou reivindicando um espaço que é da oposição.  Um espaço que é meu. Fui escolhida pela oposição para essa vaga na presidência da comissão”. O líder da oposição Marco Aurélio, porém, chegou no meio da reunião, sem gravata, e se dizendo surpreso com o pedido de Clarissa Tércio para concorrer à presidência. Afirmou que recebeu um telefonema da deputada o chamando para a reunião. Chegou até a pedir que Cleiton Collins fizesse um resumo do que havia acontecido antes de ele chegar. Rapidamente concordou com o adiamento da votação, sugerido por Collins.

João Paulo (PT) pediu então a palavra. “Na medida que foi feito um acordo, um entendimento político, qual seria o fato novo que poderia alterar esse acordo político? O que seria essa Casa se em toda comissão aparecesse um deputado e colocasse seu nome na disputa? Isso significaria uma quebra de acordo. Acho isso muito perigoso. Se os acordos são quebrados hoje, qual a garantia de que temos para acordos futuros?”, questionou, querendo manter a votação.

Marco Aurélio, chamando João Paulo de prefeito – “até preferia ele no lugar desse que está aí” – respondeu querendo colocar panos quentes: da parte dele, não havia problemas de que as Juntas ocupassem a presidência. Começou, então, o argumento que sustentaria junto com Clarissa: reivindicou para a oposição a presidência da comissão. Disse que a oposição havia ficado com apenas uma presidência (Esportes e Lazer), uma vez que o presidente de Meio Ambiente é o deputado Wanderson Florêncio (PSC), que, apesar de ser de um partido oposicionista, declarou-se do governo. E a oposição teria direito a três comissões – e as Juntas não são oposição, tendo se declarado “independentes”.

“A conta que sobrou para a oposição foi a comissão de Esportes, presidida pelo deputado João Paulo Costa (Avante). Não estava sabendo do que aconteceria aqui, mas é por conta disso, talvez, que surgiu essa vontade na deputada Clarissa. Eu não sou de quebrar acordo, mas é uma questão da comissão e não posso interferir nela”, desconversou Marco Aurélio.

Foi então que o deputado João Paulo (PT) questionou o porquê de logo na Comissão de Direitos Humanos a “bomba tinha estourado”. “O que eu vejo aqui vai ser uma situação muito difícil de ser resolvida. Podia ter uma polêmica dessa (do número de presidências) na comissão de Finanças. Se não tiver alternativa, concordo com o adiamento”.

Sem consenso, a votação foi finalmente adiada.

Clarissa X Juntas

Votação será na quinta, às 11h30

Votação será na quinta, às 11h30

Tanto Jô Cavalcanti (Psol) quanto Clarissa Tércio falaram pouco ao microfone. Jô, defendeu a votação no dia de hoje, lembrando o regimento da Alepe para a votação das comissões em três dias e a sessão da quinta-feira. Insistiu na manutenção do acordo. Clarissa foi pelo viés de números de comissão, introduzida por Marco Aurélio.

“Eu poderia bater-chapa agora”, disse Clarissa, em entrevista à Marco Zero após a reunião. “Fiquei na minha para tentar um entendimento”. Perguntada se ganharia se a votação fosse hoje, abriu um sorriso: “Sem dúvidas, é só fazer a conta”.

Para Clarissa, não houve entendimento em torno das Juntas. “Houve acordo? Houve. Mas esse acordo não foi feito comigo. Decidi reivindicar aqui o direito da proporcionalidade”, disse. “A oposição se reuniu e disse que a vaga era minha”, reafirmou. “Marco Aurélio só trouxe isso para a gente (que as Juntas ficariam com a presidência). Houve diálogo, mas não houve entendimento”.

Se contradizendo, afirmou que Marco Aurélio não sabia que ela ia reivindicar a presidência. “Ele sabia da possibilidade”, desconversou. Ainda insistindo na questão da proporcionalidade afirmou que essa era a razão para querer a presidência. Mas, ao final, admitiu. “É inegável a questão ideológica. Somos bem diferentes (ela e as Juntas) em pensamento e entendimento. Essa é a grande razão pela qual elas estarem brigando (pela presidência) e eu não vou abrir mão disso”.

A codeputada Carol Vergolino disse que as Juntas esperavam que os acordos fossem mantidos. “É preciso ressaltar que a gente é oposição a esse governo sim, mas somos uma bancada independente”, disse. A codeputada Kátia Cunha lembrou que 130 movimentos sociais que tratam de direitos humanos assinaram um manifesto pedindo as Juntas na presidência, inclusive duas organizações evangélicas, a Cristãos pela Democracia e a Frente dos Evangélicos pelo Estado de Direito.

“Vamos continuar na luta para que essa comissão seja nossa. Pretendemos continuar os diálogos. Não chegamos a conversar com Clarissa, mas mantivemos diálogos com os líderes da oposição e do governo. Em nenhum momento se falou que Clarissa iria concorrer”, disse Carol.

Sobre a tentativa de “cristanizar” a comissão com a bancada evangélica – algo que Cleiton Collins negou na reunião – a codeputada falou que a “a política não existe para segregar. Existe para discutir o que a população precisa. Não estamos trazendo nenhuma questão religiosa ou ideológica. O que a gente vem é construir a participação dos movimentos. O estado é laico, e isso não está em discussão para a gente”.

Para o militante do Movimento de Estudantes da Unicap Pedro Lavor, que acompanhou a reunião, há uma clara tentativa da bancada evangélica em querer barrar as pautas dos movimentos sociais. “A comissão tem importância fundamental para tratar as políticas públicas, mas também para trazer as demandas dos movimentos. Seria muito importante que a presidência fosse para um parlamentar comprometido com os movimentos sociais. E as Juntas seriam o melhor mandato para cumprir essa função. Mas percebemos aqui que existe o avanço do conservadorismo. A bancada evangélica está disputando esse espaço como uma forma de barrar essa interlocução entre sociedade e parlamento”, analisou.

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