Doutora em Educação pela USP, Lisete Arelaro, critica reportagem da TV Record sobre os “sem-terrinha”, no útlimo domingo (10)
Publicado originalmente no Brasil de Fato | São Paulo (SP), 12 de Fevereiro de 2019 às 12:41
“A Record fez essa reportagem pra tentar agradar o governo Bolsonaro. Mas fez muito mal. Ela se compromete, foi anti-ética”, avalia Lisete Arelaro, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), sobre a reportagem “A Polêmica dos Sem-Terrinha”, veiculada no programa “Domingo Espetacular” da TV Record, no último domingo (10).
A matéria questiona a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e a realização do 1º Encontro Nacional dos Sem-Terrinha, que aconteceu em Brasília, em julho do ano passado. Sem escutar representantes do movimento ou entidades oficiais de defesa da infância e juventude, a reportagem acusa o MST de “doutrinação” e manipulação de crianças e jovens. O encontro discutiu o direito da infância e da juventude à educação e à alimentação saudável.
Nesta segunda-feira (11), o MST divulgou nota na qual repudia o que chama de “ataque” da TV Record às crianças sem-terrinha. No texto, o movimento afirma que “a Rede Record, ao disseminar mentiras, não leva em consideração critérios mínimos de apuração e imparcialidade, faltando, entre outras questões, com a ética jornalística”.
Especialista em educação, Lisete Arelaro define a reportagem como tendenciosa e mentirosa. “Se há uma emissora que faça doutrinação político religiosa é exatamente a Record. Acho que ela teve muita desfaçatez de efetivamente denunciar alguém, quando é o que ela faz. Basta nesse momento ligarmos a televisão e vermos que de hora em hora há uma doutrinação religiosa de baixíssimo nível”, afirma.
O programa ainda acusa o MST de violar direito das crianças ao possibilitar reflexões políticas, já que, segundo a reportagem, crianças não podem discutir “determinados assuntos”. Arelaro discorda e defende que as crianças possam se identificar como sujeitos políticos de suas próprias vidas.
“O pensamento político não é privativo dos adultos. Essa é uma ideia superada desde 1920. Há estudos no mundo todo que mostram que as crianças pensam e pensam desde que nascem. Portanto, o pensamento político faz parte de toda a nossa história”.
Para a educadora, que atua na área há mais de 40 anos, a reportagem especial de 30 minutos é mais uma tentativa de controlar a liberdade de pensamento, vinda de grupos conservadores que defendem projetos como o Escola Sem Partido.
Ela denuncia a perseguição que tais setores protagonizam contra Paulo Freire, patrono da educação nacional, que, de acordo com Lisete, é um dos educadores mais lidos e citados no mundo, respeitado em todos os países.
“Tentam achincalhar a imagem do Paulo Freire, exatamente porque ele dizia de uma forma muito objetiva que não há educação neutra. Assim como não há ciência neutra, não há jornalismo neutro ou reportagem neutra. E, portanto, não há dúvida nenhuma que nós temos lado”, diz Arelaro. “Não tenho dúvida que um dos objetivos mais claros da educação, se nós queremos um país efetivamente autônomo, que defenda a sua soberania, é preciso de crianças, jovens e adultos críticos, que sejam pessoas que tenham possibilidade de buscar e discutir verdades”, complementa.
A especialista acredita que as críticas ao Encontro dos Sem-Terrinha não possuem fundamento. “Do ponto de vista educativo, eles podem entrevistar o grupo de crianças que eles quiserem que eles irão ver que é uma experiência que elas não esquecerão. A vida política é a vida doméstica, é cotidiana. O que o MST fez não é diferente de se preparar para aquilo que eles mesmos estão vivendo.”
Confira entrevista com Lisete Arelaro na íntegra.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira