EM DEFESA DA IGUALDADE, DA LAICIDADE E DA SOLIDARIEDADE SOCIAL

Nota publicada originalmente pela Frente Nacional Contra Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto

70 ANOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS
10 de dezembro de 2018, Dia Mundial dos Direitos Humanos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi instituída pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, em resposta aos horrores no período da II Guerra Mundial. Marca o início de um processo de reconhecimento, ainda inconcluso e ainda necessário, de direitos
como base na dignidade humana para mediar a relação entre Estado e cidadão e como contraposição ao uso da força e da prática de extermínio do outro, seja por perseguição ou por abandono. Desde então, na data do 10 de dezembro, em todo o mundo, celebra-se e reivindica-se a garantia dos direitos fundamentais.

No Brasil, um marco da efetivação dos Direitos Humanos teve possibilidade de concretizar-se pelo processo de luta social que garantiu uma nova Constituição em 1988, ainda que com muitas fragilidades: o sistema político manteve-se pouco democratizado, a revisão dos crimes da ditadura
foi minimizada, muitos aspectos estruturais de nossa sociedade ficaram quase intocados, como o racismo, o patriarcado e outras estruturas que produzem e reproduzem a desigualdade socioeconômica, como a propriedade da terra, por exemplo. No entanto, entre limites e contradições, alguns avanços nas políticas sociais produziram pequenas, mas importantes, alterações nas condições do viver de nossa gente ao longo destes anos, mitigando assim os efeitos das violações de direitos que atingem grande parte da nossa população, em especial as mulheres, e, pela força do racismo, as mulheres negras.

Hoje, a possibilidade de avanços em prol da garantia e efetivação de direitos humanos no Brasil está sob ameaça: há alguns anos assistimos ao estabelecimento de um Estado policial e militarizado, em detrimento de um Estado garantidor de direitos, e, nos dois anos recentes, vimos concretizar-se nas políticas publicas o projeto ultraneoliberal. Em sucessivas eleições, e também nas eleições gerais deste ano, vimos avançar na ocupação dos espaços de poder institucionais forças conservadoras e fundamentalistas que sustentam este projeto. Por isso, os 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos no Brasil é mais um momento para denúncias que comemorações.

Denunciamos que o programa ultraneoliberal no Brasil é também um programa racista, misógino e fundamentalista cristão que rompe com qualquer ideia de solidariedade social entre grupos populacionais e assim viola os direitos humanos das pessoas. Este programa:
• Baseia-se no fim da solidariedade social entre classes, negando valor às políticas públicas de tributação e redistribuição das riquezas acumuladas;
• Rompe com as políticas de solidariedade social interétnicas, raciais e entre gêneros, concretizadas em ações afirmativas, e com a promoção de arranjos econômicos em bases solidárias, políticas de saúde e educação pública e de qualidade, políticas de promoção da igualdade racial e políticas para igualdade das mulheres;
• Prega a intolerância como atitude e prática política legítima, e assume como motor da ‘livre concorrência’ a aniquilação do ‘outro’ tornado ‘socialmente irrelevante’;
• Viola o direito humano à educação, à saúde e à proteção social pelo estabelecimento e manutenção do teto em investimentos públicos na área social, ameaçando as possibilidades de mobilidade social pela educação ao mesmo tempo em que impõe riscos de morte a milhões de pessoas, em diferentes idades, pela desproteção generalizada e pela piora continuada dos serviços públicos de atenção em saúde;

Alertamos que a política anti-solidária do programa ultra neoliberal avança no Brasil, especialmente neste momento de transição entre os governos Temer-Bolsonaro. Esta política:
• Retira a natureza humana da maioria de mulheres e homens, na medida em que populariza a ideia que apenas os ‘humanos direitos’ são dignos de proteção, posicionando assim a defesa dos direitos humanos como privilégio, quebrando a proposição de universalidade de direitos
para todos e todas;
• Agrava a vulnerabilidade das mulheres – de diferentes grupos populacionais – a violência e o feminicídio, criminaliza lutas sociais e por cidadania, promove a violência social e aprofunda a violência institucional;
• Questiona a formação humanista e os componentes críticos e informativos sobre raça, gênero e sexualidade no ensino fundamental, além de limitar a formação de crianças e jovens por tornar opcional o ensino de filosofia, artes, esportes e até mesmo história e geografia política.
• Opõe liberdade à controle social, enquanto nós defendemos o controle social como caminho para a garantia da liberdade e da igualdade para todos/as;
• Configura-se continuidade e aprofundamento do extermínio de milhões de nós, como já temos visto acontecer com a juventude negra e os povos indígenas;

Conclamamos a população, os movimentos e as autoridades responsáveis a aprofundar seu engajamento na defesa do cumprimento dos compromissos internacionais do estado brasileiro com a proteção da dignidade humana e a garantia dos direitos humanos para toda nossa população!

Destacamos que assumir a defesa dos direitos humanos é reconhecer as mulheres como sujeito de direitos, valorizando sua autonomia e autodeterminação reprodutiva, bem como assumir a defesa dos direitos sexuais e direitos reprodutivos. Por isso, afirmamos que:
• A legislação punitiva sobre aborto no Brasil mata e leva a riscos de vida e saúde milhares de mulheres negras e pobres, maiorias jovens, que precisam em algum momento recorrer ao aborto como último recurso a uma gravidez indesejada;
• O direito a uma educação sexual com potencialidade de formação consciente e cidadã, é caminho para superação do sexismo em nossa sociedade, a gravidez na infância e na adolescência, proporcionando a autoproteção contra o abuso sexual intra-familiar, bem como o enfrentamento cultural ao estupro e ao feminicídio;
• O acesso à informação e recursos para planejamento reprodutivo e para interromper uma gestação indesejada deve ser parte dos direitos que promovem melhores condições de vida e redução de danos às mulheres.

Os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos representa para nós a afirmação e defesa da igualdade real, na lei e na vida, entre todas as pessoas, bem como o fim de todas as formas de dominação, discriminação e exploração entre seres humanos.

Pela Vida das Mulheres!
Por longa vida ao povo negro e povos indígenas!
Por vida plena e digna a toda população LGBTT!
Em favor de vida em abundância para todas as pessoas da classe que vive do próprio trabalho no
campo, nas florestas, nas águas e nos centros urbanos!
Em defesa da mãe terra e dos comuns!

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