Texto de Sophia Branco e Jéssica Barbosa originalmente publicado 04/10/2018 em Blogueiras Feministas.
Nos últimos meses temos pensado e conversado muito sobre a frase: “A revolução será feminista ou não será”. É uma frase que pode ter vários sentidos. Uma leitura comum é de que é pelas mãos das mulheres que as coisas podem mudar de rumo. A gente até acha que sim, que até estamos fazendo um trabalho bem feito de injetar energia e esperança nessa esquerda, que tem uma trajetória tão misógina e racista e, que se encontra nesse momento com seu projeto político tão fragilizado. Mas não acreditamos que isso é porque nós, mulheres, somos intrinsecamente dadivosas, incríveis e maravilhosas. Essa questão tem sido discutida desde sempre, mas parece que nunca é suficiente e por isso repetimos: é o nosso esforço de reflexão crítica e o exercício de criatividade política que fundamenta os nossos feminismos que faz com que as nossas ideias sejam revolucionárias e não qualquer característica feminina construída historicamente. Por isso, pasmem rapazes, vocês também podem aprender com tudo isso que estamos construindo.
A ideia de que a revolução será feminista está diretamente atrelada aos compromissos éticos que os feminismos têm elaborado. Horizontalidade, autocrítica, respeito à autonomia, cuidado e solidariedade entre nós não são coisas fáceis de se construir. Temos nos dedicado a esse compromisso há anos – muitas de nós há décadas. Esse debate é importante de ser trazido à tona porque nós lutamos por representatividade sim, já que historicamente o espaço de prioridade entre as candidaturas nos foi negado. Afinal, somos mais de 50% da população brasileira e menos de 10% nas casas legislativas do país. Mas nós não estamos lutando a partir de uma ideia de representatividade essencialista. Não se trata de elegermos mulheres apenas por serem mulheres. Se trata de construir com responsabilidade candidaturas e representações comprometidas com o enfrentamento das estruturas promotoras de desigualdades e que contribuam para a construção de uma perspectiva democrática radicalmente feminista.
É sobre esses compromissos políticos que estamos falando quando defendemos candidaturas feministas. Elas falam do projeto de esquerda e de exercício do poder que defendemos, da forma como atuamos politicamente e das demandas que afetam as vidas das mulheres, que são demandas tão estruturais quanto as pautas econômicas, do meio ambiente, da educação, da mobilidade urbana, das desigualdades raciais e sociais, da segurança pública, do encarceramento, da moradia, porque são parte indissociável do projeto de país e de democracia que queremos construir.
Nos últimos dias em Recife-PE temos ouvido relatos de muitas companheiras que estão sendo assediadas para não votar em candidaturas de mulheres com o argumento de que seriam candidaturas com pouca chance de se efetivarem. Nessas eleições, muitas coisas têm mexido nas nossas entranhas. E são episódios como esses que nos fazem pensar sobre as alianças possíveis entre os diferentes setores da esquerda. A verdade é que acreditamos que essas alianças são importantes, mas acreditamos também, que diante de tudo o que temos vivido nos últimos anos, é chegada a hora de discutirmos com franqueza os termos dessas alianças.
Hoje, conversávamos sobre esses relatos. É no mínimo revelador de algo que está muito errado, os casos aconteceram justamente ao longo da última semana, enquanto nós, mulheres, puxávamos a manifestação mais expressiva contra o fascismo desse período eleitoral. Uma amiga recebeu um alerta de um “companheiro” no ato do dia 29 de setembro. Sim, no próprio dia 29. Ele disse que a sua escolha de apoiar a candidatura de mulheres feministas era ingênua. Outra amiga escutou de outro homem recentemente que era irresponsável a escolha de não votar em determinado candidato. Nesse mesmo dia, fomos surpreendidas com postagens nas redes sociais boicotando candidaturas feministas com o mesmo argumento da “viabilidade”, do “pragmatismo”.
Talvez seja importante repetir mais uma vez: O dia 29 foi o dia em que nós, mulheres, puxamos a manifestação mais expressiva contra o fascismo desse período eleitoral. Não é novidade para ninguém que os movimentos feministas têm pautado ou reagido com veemência a boa parte dos debates do cenário político brasileiro nos últimos anos. Na contramão de muitas organizações políticas e outros movimentos sociais, o movimento feminista é um dos poucos que tem crescido, ganhado novas adeptas e aumentado a capilaridade das suas organizações. Muitos homens também estiveram nas ruas no dia 29, apoiando a nossa resistência, declarando a sua admiração ao que estamos construindo. Mas tem algum cálculo que não bate entre essa admiração e as manifestações públicas de homens sobre os votos feministas.
É impressionante como as candidaturas das mulheres, sobretudo das mulheres negras e de classes populares, são sempre as escolhidas para esse tipo de chantagem em torno da “viabilidade”. Não temos visto o apoio às candidaturas de homens serem questionadas por essas razões. O que nos parece é que esse fator é simplesmente um reflexo de uma estratégia de manutenção do poder de homens que elegem homens. Há sempre um homem mais viável do que nós mesmas para decidir sobre as questões que também dizem respeito às nossas vidas, aos nossos corpos. O problema é que ser feminista ou apoiar os feminismos exige necessariamente que pensemos sobre os nossos lugares de poder e privilégio. Esse não é um exercício fácil. Nós, mulheres, sabemos disso. Mas sem esse pacto de reflexão, o apoio aos feminismos é só uma carteirinha vazia.
Enquanto isso, nós seguimos em luta, seguimos juntas, fortalecendo a nossa criatividade combativa, inventando outras formas de fazer e pensar a política. Aqui em Pernambuco, a ideia de mandato coletivo proposta pela co-candidatura das JUNTAS é um elemento que nos faz pensar sobre o sentido de ocuparmos os espaços de poder. As Juntas é uma co-candidatura composta por cinco mulheres: Jô Cavalcanti, Carol Vergolino, Robeyoncé Lima, Kátia Cunha e Joelma Carla, que irão ocupar juntas uma cadeira na Assembleia Legislativa de Pernambuco (ALEPE). Nas urnas, a inscrição é de Jô Cavalcanti, mas na mandata as decisões serão tomadas coletivamente: o voto no plenário, os projetos propostos, os que serão vetados e até mesmo os salários. A “mandatA” também terá um conselho político formado por movimentos sociais que dialogarão com as decisões a serem tomadas. É uma proposta que dialoga com o que a gente acredita que pode ser representatividade na política, com autonomia e horizontalidade, ainda mais porque é um grupo formado por mulheres vindas de vários movimentos sociais e que trazem nos próprios corpos as marcas da resistência. É uma tentativa radical de sabotamento das velhas estruturas do sistema político e também uma tentativa de quebra do personalismo e da hierarquia que tanto marcam a política tradicional.
A gente sabe que a co-candidatura das Juntas dialoga com outras propostas que estão sendo construídas Brasil afora. Acreditamos que esse momento eleitoral também é um momento de conhecermos melhor as experiências de candidaturas feministas dos diferentes Estados para que a gente possa seguir reinventando nossas formas de ocupar a política institucional.
Nosso voto nas JUNTAS é um voto de convicção política. E na verdade nós não esperamos menos do que convicção política de quem está lutando para resistir a esse momento tão tenebroso. A gente precisa acreditar nas nossas escolhas, principalmente porque são escolhas que não se encerram nas urnas. Vamos precisar de muita disposição nos próximos anos. As Juntas são a nossa opção para co-Deputadas Estaduais, mas Pernambuco também tem outras mulheres feministas com propostas potentes e combativas para estas eleições: Amanda Palha, Gaby Conde e Flávia Hellen, Liana Cirne, Eugênia Lima, Albanise Pires e Dani Portela são algumas delas.
Por isso, companheiros de esquerda, se querem construir alianças, sugerimos que se abram para o que nós temos a dizer. Não queiram buscar a nossa aliança simplesmente quando é conveniente para somar com o projeto que vocês levam adiante ignorando as nossas demandas e as nossas críticas. O dia 29 não foi simplesmente um dia bonito, é o saldo de uma luta que estamos construindo há muito tempo. Se esse momento histórico não é o suficiente para vocês entenderem que é hora de rever suas estratégias, não sabemos como podemos lhes ajudar. Mas gostaríamos de explicar que nós não vamos afundar com vocês.
No dia 07 vamos mais uma vez às urnas. Talvez esse seja o momento para você, homem apoiador dos feminismos, rever o lugar que o seu compromisso com as pautas feministas ocupam nas suas escolhas políticas. Em quantas mulheres feministas você vai votar nestas eleições?
Autoras
Sophia Branco é socióloga e militante do Fórum de Mulheres de Pernambuco.
Jéssica Barbosa é militante feminista e advogada.