Publicado originalmente no site da Universidade Livre Feminista
Por Jéssica Barbosa e Sophia Branco, colaboradoras da Universidade Livre Feminista
28 de setembro é o dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Legalização do Aborto. Em anos eleitorais é ainda mais importante falar sobre essa temática. No Brasil, temos visto a discussão sobre o corpo das mulheres se tornar mais pública nestes momentos e nos parece importante que a gente se questione porque isso acontece.
Falar sobre o corpo das mulheres e o nosso direito ao aborto legal, seguro e gratuito tem se consolidado a primeira moeda de troca para disseminação de desinformação, preconceito e ganho de votos. A facilidade com que a pauta do aborto é trazida nos debates eleitorais reflete o quanto nossos corpos são tratados como públicos. Trata-se de uma afronta direta à dignidade das mulheres misturar um assunto que está relacionado aos nossos próprios corpos com a imposição de ideologias religiosas no âmbito da disputa do Estado.
Somos mais de 50% da população brasileira, ainda assim, o que temos visto é um grande descaso com as demandas que atravessam diretamente as nossas vidas. O acesso à creche, a luta pela igualdade de gênero em todas as esferas, o combate à violência contra as mulheres, ao sexismo e à misoginia, entre outras pautas, seguem sendo entendidas como questões secundárias. O fato da pauta do aborto aparecer com tanto destaque no período eleitoral ecoa a questão: estarão estes homens que ocupam o poder realmente preocupados com essa temática ou trata-se apenas de uma estratégia de manipulação política? O que temos visto é que a temática do aborto tem sido trazida à tona sem sequer ser relacionada ao contexto da vida das mulheres. Outra questão que também nos intriga é: por que as outras questões que afetam a vida das mulheres que não entram na lista de polêmicas não aparecem com tanta evidência? Não são elas questões que também falam sobre o projeto de país que queremos construir?
Precisamos pensar sobre o lugar que a cidadania e a dignidade das mulheres ocupa na nossa democracia. Ao passo que nos é negado espaço na política institucional (somos menos de 10% das casas legislativas), o debate sobre a autonomia dos nossos corpos é constantemente trazido para a cena pública. Aparentemente, enquanto não estamos autorizadas a tratar dos assuntos de como a política afeta as nossas vidas, centenas de milhares de homens podem opinar sobre a autonomia dos nossos corpos e oportunamente ganhar votos com isso. Não nos parece que há outra palavra para falar desse contexto que não seja desumanização.
Quando falamos em autonomia, estamos falando da garantia dos Direitos Sexuais e Reprodutivos das mulheres. Trata-se de uma perspectiva que deixa de ver o “ser mãe” como uma obrigação para entender a maternidade como uma opção, levando em conta todo o contexto que permeia as nossas vidas. A imposição da maternidade entende o corpo da mulher apenas como um instrumento da reprodução humana e esquece que nós somos sujeitas das nossas próprias escolhas. É o patriarcado, mais uma vez, colocando o nosso corpo na condição de objeto, e assim, permitindo que a decisão sobre o rumo das nossas vidas seja controlada pela imposição de valores conservadores e religiosos.
Embora a proibição do aborto no Brasil seja conhecida, a criminalização da prática não impede que esses procedimentos aconteçam. Esses casos estão em todas as famílias, vizinhanças, grupos de amigas/os, igrejas, escolas, universidades. Com certeza, você, leitora desse texto, conhece alguém que já praticou aborto. Dados como o da Pesquisa Nacional do Aborto mostram que 1 em cada 5 mulheres até 40 anos já fizeram aborto no país. Ou seja, estamos falando de uma prática explicitamente coberta pela hipocrisia.
Entretanto, apesar de não impedir que esses abortos aconteçam, a criminalização permite que muitas mulheres morram durante o processo. Na sua grande maioria, mulheres negras e pobres, porque enquanto as mulheres ricas e de classe alta podem pagar por procedimentos caríssimos em clínicas clandestinas, as outras estão se expondo a diversos riscos em procedimentos caseiros e inseguros. Todos os anos centenas de milhares de mulheres chegam a óbito no sistema único de saúde em consequência da realização de procedimentos clandestinos e perigosos. Trata-se da quarta causa de mortalidade materna no Brasil.
No dia 7 de outubro vamos mais uma vez às urnas. 2018, e sempre, é ano de apoiarmos aquelas e aqueles que estão alinhadas com a defesa da autonomia dos nossos corpos e da luta pelo fim de todas as formas de violência contra as mulheres. Esse é um convite que fazemos a todas e todos para que possamos pensar no lugar que a luta pela dignidade das mulheres aparece nas nossas escolhas políticas. O avanço do fascismo no Brasil tem ameaçado os direitos mais básicos para a vida de todas as mulheres. Se em anos anteriores vimos a nossa autonomia ser usada como moeda de troca de forma completamente irresponsável. Em 2018 discursos declaradamente misóginos, racistas e homofóbicos tem sido utilizados sem constrangimento nos debates sobre os rumos do país. Mais do que nunca é hora de nos fortalecermos na luta, sem recuar naquilo que defendemos. É por isso que lutamos por uma educação sexual que previna a gravidez, acesso a contraceptivos para não engravidarmos e aborto legal, podendo ser realizado pelo sistema público de saúde até os três meses de gravidez, em todos os casos que a mulher assim desejar, para não morrermos.
O Estado é laico! Os nossos corpos nos pertencem!
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