Segundo militante feminista, ‘a legalização tem que vir por meio da mobilização. Precisamos de um movimento forte para enfrentar o movimento fundamentalista religioso’
Publicado originalmente no Observatório da Sociedade Civil em: 22 de agosto de 2018
Por Lorena Alves e Nicolau Soares
O Observatório da Sociedade Civil entrevistou Déborah Guaraná, comunicadora do SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia, sobre o Festival Pela Vida das Mulheres, as audiências públicas no STF e a luta pela despenalização do aborto na Argentina. Déborah também faz parte da Articulación Feminista Mercosur (AFM), Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), além de também participar da Frente Nacional Contra a Criminalização de Mulheres e pela Legalização do Aborto.
Confira os principais trechos:
‘Queremos visibilidade porque as mulheres estão morrendo’
O Festival Pela Vida das Mulheres aconteceu em Goiás, Roraima, Curitiba, Recife, Natal, Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo. A programação estava bem diversa, em alguns lugares aconteceram debates e eventos de caráter cultural. Em Recife, foi um festival de música, cinema e sarau poético, já em algumas regiões eventos focados na discussão sobre a ADPF.
Queremos visibilidade, porque as mulheres estão morrendo, por conta do aborto ainda ser clandestino. O festival tem o mesmo nome, porque queremos dar uma unidade pela vida das mulheres. Ano passado fizemos a campanha “Alerta Feminista”, que aconteceu quando estava rolando a PEC 181/2015 – que insere na Constituição a proibição do aborto em todos os casos. Soltamos o alerta contra os direitos de autonomia das mulheres e conseguimos mobilizar muitos coletivos para entrarem na Frente. Demos uma revivida na organização e com apoio dos parlamentares conseguimos barrar a PEC.
Pensamos em renovar a campanha “Alerta Feminista”, mas enfrentamos uma dificuldade absurda em conseguir recursos para sustentar a luta hoje em dia. Algumas organizações fazem muitas atividades e campanhas individuais.
‘O medo ronda a vida sexual das mulheres’
O medo ronda a vida sexual das mulheres, principalmente as que não tem acesso aos postos de saúde. É culpa do estado que não forneceu medicamento de prevenção e educação. É um ciclo de problemas…
Fizemos uma pesquisa recentemente com mulheres de periferia urbana e é impressionante como elas desacreditam da camisinha, como não confiam nos parceiros, que eles vão usar durante a relação. Algumas passam anos ininterruptos tomando medicações pesadas, além de terem medo do DIU e outros métodos contraceptivos. Os remédios faltam nos postos, ainda mais hoje em dia em uma conjuntura de total desestruturação do SUS.
E, mesmo nesse contexto, elas não perdem autodeterminação sobre a vida reprodutiva delas. As mulheres sabem quando não vão conseguir dar conta e procuram abortar. Elas se viram com chás e milhões de maneiras. Muitas vezes as meninas não conseguem contar a ninguém quando têm experiências muito novas. A vida sexual delas ainda é um tabu. Elas sofrem com todo esse sistema patriarcal, que as colocam dentro de casa para cuidar do lar e reproduzir. E quando alguma foge disso, sofre por não ter material educativo, sofre por preconceito e estigmas. A luta pelos direitos sexuais e reprodutivos vai além do aborto.
A mulher passa por diversas violências também quando tem o filho. Para cuidar é complicado, porque muitas não têm acesso à creche. Se for legalizado elas podem escolher melhor. Atualmente as mulheres estão sujeitas aos outros, e lutamos pela autonomia e autodeterminação.
‘Precisamos nos unir na América Latina’
Na Argentina as mobilizações foram incríveis. O movimento lá é muito forte… os atos reunem 80 mil mulheres. Elas conseguiram passar a legalização do aborto, na Câmara dos Deputados, depois de anos fazendo articulação, movimento de luta e partindo de um trabalho “miudinho.” As feministas estavam defendendo o que chamamos de aborto feminista, que é feito em casa e por mulheres. Temos críticas a legalização do aborto no Uruguai, porque, como foi aprovado, para ser feito precisa passar por um médico.
Precisamos nos unir de maneira conjunta na América Latina. A mobilização estava prevista até o dia 08 por conta da votação no Senado, na Argentina. Quando foi aprovado na Câmara dos Deputados, também fizemos mobilizações.
A campanha argentina pela legalização do aborto também fez parte da “virada feminista”, realizada em 2016 e 2017. A SOS participou da La Internacional Feminista e da Articulação Feminista Mercosul (AFM). Estamos sempre tentando estreitar esse laço, porque sabemos que o primeiro passo do período de recessão é retirar os direitos das mulheres. O avanço do ultra-neoliberalismo é em bloco e global. Se a gente não une as forças na América Latina ficamos isoladas e não conseguimos enfrentar isso.
‘Nossa luta é também por democracia’
A legalização tem que vir por meio da mobilização. Precisamos de um movimento forte para enfrentar o movimento fundamentalista religioso, como candidatos ligados a igrejas, [Jair] Bolsonaro [candidato à presidência pelo PSL]. Precisamos de autonomia das mulheres, porque elas independente disso vão realizar o aborto e guardam muito medo e culpa. O movimento feminista defende essa articulação contra o movimento fundamentalista, que é quase fascista. Nossa luta também é por democracia, porque acreditamos que os direitos das mulheres são cruciais para termos uma democracia de verdade. Estamos vendo o Brasil ser arrasado e acreditamos na luta social, apesar do cenário ser tenebroso.
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