Nós, mulheres, trabalhamos demais e temos direitos de menos. Com esta consigna diversos movimentos feministas e feministas de outros movimentos sociais têm enfrentado a luta pela garantia de direito para as mulheres trabalhadoras. Neste 01 de maio, só podemos dizer: a luta continua! Nós, que vivemos a injusta divisão sexual do trabalho, que somos maioria na informalidade, que temos os empregos mais precários e os menores salários, perdemos também a política de valorização do salário mínimo que vinha sendo aplicada no governo anterior e que garantiu, minimamente, as perspectivas de melhorar as condições de vida.
Com o golpe parlamentar e as políticas regressivas do governo ilegítimo toda a classe trabalhadora está amargando a perda de direitos e o país a entrega de suas riquezas às corporações transnacionais. Mas, como a situação anterior já era de profunda desigualdade entre homens e mulheres, e entre pessoas negras e brancas, mesmo no interior da classe que vive do trabalho, a situação atual só poderia piorar ainda mais a situação das mulheres negras submetidas à pobreza, nos territórios rurais ou nas periferias das grandes cidades.
01 de maio é dia de luta! Em nome desta luta e em homenagem à todas e todos que lutaram desde o inicio do século passado para conquistar o salário mínimo, O SOS Corpo resgata aqui o sentido desta conquista e o valor que ela tem para as mulheres trabalhadoras, em especial as de situação mais precária, que já não podem assegurar seu sustento pelo trabalho e precisam de assistência social e/ou aposentadoria,
Antiga reivindicação da classe trabalhadora, no Brasil, o salário mínimo foi criado no governo Getúlio Vargas. A Constituição de 1934 instituiu a Justiça do Trabalho e o salário mínimo. Ele deveria atender apenas as necessidades do/a trabalhador/a individualmente, excluindo-se as necessidades de sua família, além de observar as especificidades das regiões onde seria aplicado. Em legislações seguintes o custeio das despesas mínimas da família do/a trabalhador/a foi incluído como base para fixação do salário mínimo variando por região. A Convenção nº 131 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ratificada pelo Brasil em 1983, que trata da fixação dos salários mínimos, anuncia que estes, além de abranger as necessidades dos trabalhadores/as e de suas famílias, considerando o nível de salário no país, o custo de vida, a prestação da segurança social e os níveis de vida comparados de outros grupos sociais, têm o objetivo de proteger os trabalhadores/as mais vulnerabilizados contra os salários excessivamente baixos, nos países em desenvolvimento. Mas em 1984 o salário mínimo se tornou único no país.
Existindo desde os anos 40, o salario mínimo, mesmo com estas leis, somente se institucionalizou como direito dos/as trabalhadores/as com a Constituição Federal de 1988, que também institucionalizou o sistema de proteção social, incluindo além o direito à saúde publica e universal, o direito à previdência e o direito a assistência social.
O valor do salário mínimo sempre foi muito baixo no Brasil e sofreu sucessivas perdas de valor nos anos 1990 por conta dos planos econômicos nos governos Collor, Itamar e Fernando Henrique Cardoso. Em 2004, as centrais sindicais lançaram a Campanha pela Valorização do Salário Mínimo. Foram realizadas três marchas das centrais em Brasília com o objetivo de fazer valer sua reivindicação junto ao Governo Lula e ao Congresso Nacional. Dessa campanha resultou uma política de correção do valor do salário mínimo pela inflação mais aumento real, para recuperar e ampliar o poder aquisitivo das famílias mais pobres. Foi assim que houve reajustes de salário mínimo de 15% em 2005 e de 16% em 2006. Essa política teve impactos positivos sobre as condições de rendimento das mulheres, especialmente entre mulheres negras e de setores populares, porque a maioria das pessoas que recebem salário mínimo no Brasil somos nós, mulheres. Tanto quando estamos trabalhando como quando estamos aposentadas, o salário mínimo é a renda da maioria das mulheres negras e populares, embora ainda existam muitas mulheres que trabalham muito, mas não tem renda alguma.
A partir de 2006, a correlação de forças mudou, e, com isto, as centrais sindicais e o segundo governo Lula acordaram nova regra, que submeteu o aumento do salário mínimo ao desempenho da economia e, assim, o aumento passou a ter como referência a variação no Produto Interno Bruto (PIB), podendo ser aumento ou queda. Com esta medida foi reduzido o potencial do salário mínimo de redistribuir a riqueza acumulada. Esse cálculo passou a ser adotado em 2008 com a crise global da economia, e virou lei em 2011. Por isso o salário mínimo, nesse período, já não aumentou tanto quanto antes.
Em 2015, a ex-presidenta Dilma Rousseff decidiu estender essa política até 2019, com possibilidade de prorrogação até 2023, mas vetou a extensão da política para os aposentados e pensionistas do INSS, que tem seus vencimentos indexados. A partir deste momento, os aposentados e pensionistas que recebem mais do que o salário mínimo contam apenas com o reajuste da inflação.
Por fim, em 2016, com o golpe parlamentar, a política de valorização do salário mínimo foi extinta. Desde então a correção do salário mínimo atém-se ao restrito cumprimento da legislação de 2011, e ainda conta com o agravante dos efeitos da contra-reforma trabalhista. A partir da mudança nas leis trabalhistas, a remuneração do trabalho poderá, legalmente, ser abaixo deste valor, pois agora, pela lei, “vale o negociado sobre o legislado”, ou seja, na prática a política de salário mínimo como renda mínima de uma pessoa e sua família já acabou no Brasil, e, só conseguirão reajustes minimamente adequados aquelas categorias que tiverem uma grande capacidade de pressão sobre o patronado. Infelizmente, esta não é a situação da maioria das mulheres trabalhadoras.
Neste 01 de maio de 2018, com a taxa de desemprego a 13,1%, segundo o IBGE, urge nos organizarmos como mulheres e como classe. Com ou sem emprego, nós mulheres sempre trabalhamos demais, em casa e fora dela, com profissão ou não, poucas em categorias que poderão seguir tendo alguns direitos e a maioria submetidas à mais cruel precarização. Se somos mulheres negras e periféricas, esta situação só tende a agravar as já péssimas condições de vida. Ou seja, o golpe promoveu uma regressão de direitos para toda a classe trabalhadora, mas, sem dúvida, a corda arrebenta primeiro do lado do mais fraco. E esta deve ser a nossa prioridade de luta: pela revogação das medidas do governo golpista que promovem a regressão de direitos e impedem os gastos com políticas sociais por vinte anos, o que onera ainda mais as mulheres já sobrecarregadas com o trabalho doméstico.
Neste 01 de maio unamos nossas forças nas mobilizações em todo o país contra o golpe, em defesa de nossos direitos, pela revogação da reforma trabalhista, pelo fim da contra-reforma da previdência, pelo direito de existir com autonomia e liberdade, pelo direito de todas as pessoas participarem da construção da democracia e pela liberdade do ex-presidente Lula.
Nenhum direito a menos!
Por mim, por nós e pelas outras!
SOS Corpo, Instituto Feminista para a Democracia