Este mês, Mãe Beata receberia a Medalha Tiradentes da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, cuja cerimônia de entrega será mantida e realizada nesta quarta-feira (07/06) às 10h.
O texto abaixo foi extraído de várias fontes: Correio Nagô (André Santana), Mamapress (Marcos Romão) e o portal Mulher 500 anos atrás dos panos, da Redeh (RJ), criado por Schuma Schumaher, da Articulação de Mulheres Brasileiras.
Beatriz Moreira da Costa – Mãe Beata de Iemonjá
Faleceu nas primeiras horas do dia 27 de maio de 2017, a líder religiosa Mãe Beata de Iemonjá. Nascida em Cachoeira, no Recôncavo Baiano, em 20 de janeiro de 1931, Beatriz Moreira Costa tornou-se uma das principais vozes em defesa das religiões de matriz africana, e dos direitos da população negra, em especial, das mulheres negras. Em seu falecimento, o governador do Rio de Janeiro decretou luto oficial por três dias.
Beatriz Moreira Costa, conhecida como Mãe Beata de Iemanjá, é e foi Iyalorixá do Candomblé, escritora, atriz e artesã brasileira, ativista na defesa e preservação do meio ambiente, dos direitos humanos, educação, saúde e combate ao sexismo, LGBTfobia, destacando-se na luta contra o racismo e a intolerância religiosa, sendo nomeada pela ONU como embaixadora da Paz.
Na década de 1940, a menina Beata (como é conhecida desde a infância) muda-se para a cidade de Salvador, ficando aos cuidados de sua tia Felicíssima e seu marido Anísio Agra Pereira (Anísio de Logum Ede, babalorixá). Casa-se com Apolinário Costa, com quem teve quatro filhos (Ivete, Maria das Dores, Adailton e Aderbal).
Em 1969, Mãe Beata separa-se do marido e migra para o Rio de Janeiro em busca de melhores condições de vida. Para promover o sustento de sua família Beata exerceu várias atividades como cozinheira, manicure, cabeleireira, pintora e artesã. Trabalhou como figurante numa grande emissora de TV quando a empresa descobriu seu grande talento como costureira, função na qual foi contratada até se aposentar.
Nascido no norte da Nigéria, na África, o bisavô de Mãe Beata chegou à Bahia no sétimo tombeiro que aportou no Brasil. Foi vendido como escravo, mas nunca abandonou o candomblé. Em janeiro de 1931, a bisneta Beatriz nasceu numa encruzilhada, na cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano:
— Minha mãe estava pescando quando a bolsa dela se rompeu. A água foi tingida de sangue e a parteira veio correndo. Assim que nasci, numa encruzilhada, ela disse que eu era filha de Exu com Iemanjá.
Nos anos 60, ela deixou a Bahia porque “filha de Exu não fica num lugar só”. Escolheu a Baixada Fluminense — “esse grande pedaço de África”. Em Miguel Couto, fincou raízes. Promove oficinas e festas, e se esforça para ajudar as pessoas do bairro.
Mãe Beata sentiu o preconceito contra sua cor de pele ainda pequena. Na escola, não podia vestir fantasia de anjo. “E existe anjo negro?”, perguntava a professora. Anos mais tarde, conseguiu vingança. Numa viagem a Berlim (foto) em 1994 para participar de uma peça, ela colocou asas e posou em frente ao Obelisco da Vitória:
— Tirei foto num monumento feito do ouro roubado daqui.
Na década de 1980, Beata foi inciada no terreiro de Mãe Olga do Alaketo, uma das figuras mais expressivas do candomblé no Brasil. Em 1985 funda o Terreiro Ilê Omiojúarô (Casa das Águas dos Olhos de Oxóssi), localizado em Miguel Couto, na Baixada Fluminense, onde ocupava o cargo de Iyalorixá.
Mãe Beata participou intensamente de movimentos pela valorização da religiosidade afro-brasileira e na luta pela cidadania do povo negro. O espaço da Casa de Candomblé passa a ser utilizado como referência da resistência da religião, cidadania, cultura e dignidade da população afro brasileira, com foco na defesa dos direitos das mulheres negras, investindo no intercâmbio das mulheres dos terreiros com o movimento feminista.
Entre as inúmeras palestras, algumas merecem destaque. Em 1992, Mãe Beata é uma das palestrantes no Seminário “Planeta Fêmea Ética e Espiritualidade: Mulher e sagrado no século XXI”, realizado em junho, Rio de Janeiro. Em 1997, discursa no Seminário A Comunidade Afro-brasileira e a Epidemia do HIV (AIDS) (julho, Rio de Janeiro), no Seminário Superando o Racismo (outubro, São Paulo) e na Jornada Lélia Gonzalez (dezembro, Maranhão), e no ano seguinte no Seminário African Amerindian Performances From Brazil (novembro, Nova Iorque/EUA). Em 2007, debate As dimensões simbólica, econômica e cidadã da cultura na 5ª Bienal de Arte, Ciência e Cultura da UNE, Rio de Janeiro. Debateu sobre Aborto e religião na rádio Fala Mulher, sobre Gênero e Etnia no blog Coisa de mulher; contra a intolerância religiosa e para a conquista de direitos do “povo do santo” na 1ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial e sobre Racismo ambiental com o Ibase.
(Na foto, Mãe Beata participa do ato na Pça XV na Marcha das Mulheres, em 2016)
Mãe Beata integrou o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher – CEDIM/RJ, foi conselheira do Projeto Ató Ire – Saúde dos Terreiros e também da Ong Viva Rio. Desenvolveu atividades voltadas ao combate à intolerância religiosa, à discriminação racial e de gênero, à violência contra as mulheres, à prevenção das dst/hiv/aids e câncer de mama, e à defesa do meio ambiente.
Entre as dezenas de títulos recebidos por Mãe Beata recebeu a Medalha de Mérito Cívico Afro-Brasileiro, conferida pela Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares de São Paulo; e o Prêmio de Direitos Humanos conferido pelo Programa Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República. Em 2007, Mãe Beata recebeu o diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz, do Senado Federal, em sessão solene do Congresso Nacional. Em 2008, em Hamburgo, onde foi convidada pelo Quilombo Brasil de Hamburgo e o Pároco da Catedral Luterana Trinnitatis Kirche a celebrar uma cerimônia de Candomblé no altar da catedral.
Em 2012, recebeu a Medalha Mérito Legislativo Câmara dos Deputados, que era entregue a uma Iyalorixá pela primeira vez desde a sua criação, em 1983.
Em 2014, foi homenageada pela Escola de Samba Garras do Tigre, no Carnaval da Baixada Fluminense.
Em 2015, o Ilê Omi Ojuarô recebeu o prêmio de Patrimônio Cultural, promovido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Mãe Beata afirma: “Esse é o meu acervo. Meu sangue é negro e procuro guardar a nossa história. Lutarei pela memória do meu povo até quando os orixás me permitirem. Falar só aqui dentro não adianta, é preciso ir para a rua gritar.”
Um dos principais portais de notícias do país destaca na matéria sobre seu falecimento: “Ao longo da vida, reuniu-se com autoridades, presidentes, discursou durante a Rio-92…”, pela constante presença do Ilê Omi Ojuarô nas lutas socioambientais.
Essa sacerdotisa, reconhecida pela liderança e capacidade de articulação, era conselheira da Rede Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde e a presidente de honra da organização de mulheres negras Criola.
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Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres Brasil – “Por toda a sua vida, Mãe Beata se deparou com o racismo, o sexismo e a intolerância religiosa, respondendo com a sua capacidade de enfrentamento e de conexão com a ancestralidade, para fortalecimento da identidade e consciência negra em projetos coletivos e comunitários”.
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Criola – “Nossa amada Mãe Beata de Iemanjá nos ensina que #sermulhernegraé sempre, e para sempre, um símbolo de sabedoria, de tolerância, de justiça, de fé, de ensinamentos e de força. A Ela e e todo seu legado, nosso muito obrigada 💙”
Vídeos
- 2008 – (1) Mãe Beata no Fórum Brasil – Berlim: a cosmovisão yorubá e cultura brasileira (2) Mãe Beata no Fórum Brasil Berlim (2) – “mulher, venha cá não tenha medo do seu marido…”)
- 2015 – Em palestra realizada no I Congresso Brasileiro de Pesquisadoras(es) Negras(os) da Região Sudeste, Mãe Beata recita um poema e fala um pouco dos livros nos quais retrata a realidade da tradição das Comunidades de Terreiro: “Caroço de Dendê”, “Sabedoria dos Terreiros, Tradição e Religiosidade”, “O livro da saúde das mulheres negras” e “As histórias que minha avó contava”.
- 2016 – Manifesto do Ilê Omi Ojuarô contra a violência às mulheres
- 2016 – Entrevistada por Lázaro Ramos fala sobre candomblé, racismo, luta das mulheres, contra a homofobia, pelos direitos do povo negro.
Outras fontes deste texto: https://extra.globo.com/noticias/rio/terreiro-da-mae-beata-de-iemanja-na-baixada-fluminense-vira-patrimonio-cultural-17809815.html