Neste dia de luta das trabalhadoras e trabalhadores, neste Brasil cada vez mais desigual para mulheres e homens, nós mulheres continuamos nas ruas, nas rodas e nas redes denunciando o desmonte de nossos direitos, a permanência do trabalho explorado e precário, a expropriação de nossos tempos de vida com as longas e duplas jornadas que reduzem nosso viver a produzir e consumir, além da opressão e apropriação de nossos corpos, saberes e modos de vida, mercantilizados como coisa a preços insignificantes. A relação de exploração e opressão das elites sobre nós mulheres, a maioria entre a classe que vive do trabalho, não poderia ser tão aviltante se não contasse com a ação vil e determinante do racismo e do sexismo. É sobre nossos corpos femininos, negros e empobrecidos que a mola do capitalismo gira com toda força, desde que se consolidou como poder no mundo globalizado.
Sabemos que no Estado capitalista, patriarcal e racista a conquista e realização dos direitos na vida real dependem muito das forças políticas que ocupam os espaços de poder: Governo/Executivo, Legislativo e Judiciário. Ou seja, nenhum direito está assegurado para sempre! As forças que aprovaram direitos num momento podem ser derrotadas por forças contrárias aos direitos. E tais direitos podem então ser ‘cancelados’, suprimidos ou violados com sua conivência.
Mas neste momento, o que assistimos é mais grave. Um governo ilegítimo, com ministros ilegítimos, todos no poder pela via do golpe do impeachment, retiram de uma tacada só todos os direitos, com urgência na tramitação no Congresso, sem debate e ainda, com o silêncio do poder Judiciário, mesmo com toda grita dos trabalhadores e trabalhadoras. Só em uma falsa democracia, numa democracia de fachada, num golpe político, é que isto é possível.
As medidas em curso pelo governo golpista (terceirização, reforma do ensino médio, retirada de questões sobre a agricultura familiar e agrotóxico do censo agropecuário 2017, boicote à discussão sobre as questões de gênero nas escolas, acirramento da criminalização do direito de protestar, etc.) e as que estão em tramitação, com especial atenção para as reformas previdenciária e trabalhista, não são medidas isoladas. São partes da mesma estratégia que visa levar o país ao extremo da mercantilização, numa volta ao século XIX, com a retomada de processos nítidos de escravização, Estado mínimo e privatização.
Na atual organização do trabalho, nós as mulheres, em seu conjunto, somos as mais prejudicadas, seja pela dupla jornada que esta ordem social nos impõe, seja pelas mais precárias condições de contratos de trabalho que esta mesma ordem nos coloca e que serve ao patronato, seja ainda, pela divisão racial do trabalho, que relega as mulheres negras às mais indignas condições de trabalho. Embora a maior parte dos impostos no Brasil seja pelo consumo, ou seja, cada mulher ao fazer compra de alimentos, roupas, remédios, está pagando impostos, não ‘sobram’ recursos para investir em creches, ou restaurantes populares, ou lavanderias a preços populares para que tenhamos menos trabalho doméstico. Temos as jornadas maiores de trabalho se comparadas à jornada dos homens.
Como a empresas pagam menos às mulheres, somos a parte da classe trabalhadora que mais faz horas extras, para poder aumentar o salário. Como o empresariado oferece empregos precários, somos a parte da classe trabalhadora que menos direitos temos nas relações de trabalho. Somos as primeiras a sermos dispensadas em momentos de crise e as últimas a sermos admitidas. Além de estarmos submetidas a assédio sexual no trabalho também, seja sob ameaça de perder emprego, ou perder aumento, ou perder dia de trabalho, ou ter atestado médico não aceito….Se queremos autonomia para ter voz ativa na família, temos de nos submeter à esta ordem no atual mundo do trabalho.
Mas, se prevalecer o desmanche dos direitos no trabalho e a desintegração da ideia de direitos humanos, que futuro teremos nós, as mulheres? Será um futuro de mais e mais de nosso tempo consumido no trabalho, para poder sobreviver e garantir sobrevivência de nossas famílias, sem o tempo para nosso próprio viver e nosso conviver com família e amizades. Será um futuro de vida para o trabalho explorado e opressor, sem vida para o Viver.
Nós mulheres precisamos e queremos um mundo melhor hoje para termos direito a um amanhã. Mas essas medidas apenas aprofundam nossa condição de subcidadania. Para mudar essa situação, muitas rupturas são necessárias, diferentes das reformas criminosas que estão sendo propostas. De nosso ponto de vista desafiamos os poderes instituídos e o conjunto da sociedade que deseja “outro mundo possível” a lutar por medidas mais profundas para vencer o caos em que fomos colocadas.
Sigamos na luta por direitos por meio de políticas redistributivas, enfrentemos a injustiça fiscal com os impostos atingindo a renda e as riquezas financeiras e não a base salarial dos trabalhadores e trabalhadoras; impeçamos a “fuga” dos recursos dos investimentos sociais, desautorizando a desvinculação das receitas da União (DRU) e as premiações ao empresariado através das desonerações fiscais e perdão das dívidas do agronegócio; paralisemos o avanço do mercado sobre nossas vidas dizendo NÃO à destituição de nossos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais e, acima de tudo, façamos intransigentemente a luta contra o sistema patriarcal, capitalista e racista que tece dia após dia um mundo do trabalho capitalista singularmente perverso para nós mulheres, negras e das classes populares. Tomemos o lado de onde nasce o sol….
Fora Temer! Nenhum direito a menos!
SOS CORPO INSTITUTO FEMINISTA PARA A DEMOCRACIA