Milagro Sala foi detida por ‘atrapalhar livre trânsito’ e por se recusar a ‘cumprir ordens do governo’; organizações de direitos humanos denunciam ‘criminalização do protesto’ no país.
Por Vanessa Martina Silva / Ópera Mundi
Milagro Sala, uma das mais importantes líderes comunitárias da Argentina e deputada do Parlasul (Parlamento do Mercosul), foi detida no último sábado (16) por supostos crimes relacionados à organização de protestos na província de Jujuy, no norte do país. Imediatamente após a detenção, Sala iniciou uma greve de fome para denunciar o que considera ser uma perseguição política. Como resposta, organizações sociais de todo o país se mobilizaram em apoio à ativista e realizarão, nesta segunda-feira (18) um amplo protesto em Buenos Aires para pedir sua libertação.
“Neste momento a polícia de Gerardo Morales está me prendendo”, tuitou Sala no momento da detenção. “É uma perseguição política”, acrescentou. Ela disse ainda que o fato “é um grave precedente” para as organizações do resto do país e uma “tremenda violação aos direitos sociais, civis e políticos dos cooperativistas”.
Sala é acusada pelos delitos de bloqueio de vias, por impedir a livre circulação de pessoas e veículos e por uma suposta recusa de cumprir a decisão do governo de executar o plano de regularização e transparência das cooperativas.
O Cels (Centro de Estudos Legais e Sociais), uma organização de direitos humanos do país, se pronunciou prontamente sobre o caso: “criminalizar as práticas relacionadas com o exercício do direito ao protesto conduz a uma restrição das liberdades democráticas e a uma aplicação ilegítima do direito penal”, diz o informe da entidade.
Ainda mais crítico, o ex-chanceler do país durante o governo da ex-presidente Cristina Kirchner, Héctor Timmerman, ironizou: “com a lógica do governo, após a prisão de Milagro Sala, a Venezuela deveria pedir a aplicação da cláusula democrática do Mercosul” para excluir a Argentina do bloco, afirmou, em referência às declarações de Macri, que disse cogitar a possibilidade de invocar a cláusula para expulsar o país caribenho do bloco devido às detenções de políticos que incitaram manifestações violentas em 2014.
Organização Tupac Amaru
A Organização Tupac Amaru, da qual Sala é integrante, tem uma ampla atuação no norte argentino. A entidade executa desde programas de moradia, organização de escolas e de geração de emprego e renda.
Mas, com a vitória do governador Gerardo Morales, aliado de Macri, os subsídios econômicos destinados à organização foram cortados. Por essa razão, Sala fez uma ampla convocatória para um protesto, iniciado em meados de dezembro do ano passado, para pedir uma audiência com o governador e um diálogo a respeito dos programas sociais e continuidade das cooperativas.
Organizações indígenas e comunitárias se somaram ao chamado e, como é prática na Argentina, criaram um acampamento em frente ao prédio do Poder Executivo para pedir que o governo aceite dialogar com os movimentos.
Mesmo sem qualquer denúncia de violação por parte dos manifestantes, o governo considerou que os protestos são “desestabilizantes” e não descarta uma reintegração de posse.
De acordo com o jornal espanhol El País, o governo de Jujuy também irá apresentar uma demanda contra Sala pelo “roubo” de 29 milhões de pesos (R$ 8,7 milhões) do Estado.
Denúncias infundadas
De acordo com o advogado de Sala, Luis Pas, no expediente “não estão descritos os fatos, as circunstâncias nas quais [o delito] teria ocorrido, o tempo, o modo”. E ressalta: “a detenção carece de provas de cabo a rabo”.
Ainda de acordo com Pas, “Milagro é acusada de não respeitar o plano de regularização de cooperativas, mas ela não é presidente de nenhuma delas; sequer é autoridade — formal — da Tupac. Ela é presidente do Partido pela Soberania Popular e deputada do Parlasul. Acusá-la como quem deveria responder pelas cooperativas é como acusar a um cidadão comum pelo não cumprimento dos deveres de funcionário público. Somente quem tem responsabilidade pode cometer esse delito”, concluiu.
No Facebook, a organização Tupac Amaru ressaltou que o acampamento não será desfeito enquanto Sala estiver presa.
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Ler em Opera Mundi / Foto: Reprodução/Facebook